Sim, é isto mesmo! Ne-cro-fi-li-a, assim mesmo, soletrada! Um nojo, a exploração exaustiva da morte e da tragédia por este jornalismo de sarjeta – à boleia dos novos e impantes maîtres-à-penser do pós-pensamento televisivo e de medíocres “spin doctors” ao serviço sabe-se lá de quem – que nos bombardeia todos os dias em prime time nessa imensa lixeira a céu aberto em que se tornaram as televisões deste país.
Sangue, lágrimas, sexo, incêndios, morte, catástrofes, doenças… É isto que lhes interessa, porque é isto que lhes dá audiências e poder, num círculo vicioso: dá audiências e recria audiências para o mesmo género! Nem que o poder seja construído sobre escombros! Valeria a pena – se não fosse penoso – contar as vezes em que as imagens dos carros ardidos das vítimas do incêndio de Pedrógão Grande foram repetidas nesta imensa lixeira electrónica! Quem as contasse acabaria com uma enorme dor de cabeça e com enjoos consecutivos até ao vómito.
Mas não é de agora esta interessante linha informativa. Há muito que procuram noticiar tudo o que de negativo acontece no mundo, dando dele uma imagem depressiva e contribuindo para que ele se torne pior do que já é.
A lista, meus senhores!
Exemplo disto é a inacreditável questão da lista das vítimas, com essa grande referência do jornalismo mundial, o “Expresso”, a montar a palhaçada em torno de uma morte por atropelamento e, depois, de uma morte em diferido devido à inalação de fumos dos incêndios. E o grave é que esta imensa descoberta jornalística, quase científica e de alcance geoestratégico mundial, ocupou o topo da agenda mediática, da agenda política e da agenda pública, graças ao génio oculto desta “Imprensa” que comanda o luso “spin doctoring” e à visão estratégica e determinação do novo líder da bancada social-democrata, o jovem promissor e determinado Hugo Soares.
No fim de contas, o número de mortos é o mesmo, 64, de acordo com a Procuradoria Geral da República, o novo oráculo da sociedade portuguesa, onde, cada vez mais, são depositadas todas as dúvidas e incertezas da República. Sim, confirma-se o número 64 e ninguém pede responsabilidades ao ficcionista pela palhaçada e, pior ainda, aos que alimentaram os extraordinários debates, ou seja, os mesmos de sempre, na sua maioria aprendizes de feiticeiro, mas que já ocupam os interfaces do espaço público, para mal dos nossos pecados!
Necrofilia!
Valha-nos, pois, esta nova e imaginativa liderança social-democrata que deu 24 horas ao governo para publicar uma lista que, afinal – vá-se lá saber porquê! -, estava nas mãos do Poder Judicial, o fiel depositário de todas as dúvidas e, pelos Vistos (passe a gralha), de todas as Listas… da República, incluídas as de Oeiras! Et voilá!
O que menos conta, afinal, para estes entertainers do mau gosto, para estes abutres da má notícia, é a tragédia humana. O que mais interessa é o circo necrófilo, pelo valor acrescentado das supostas audiências. Mas também pelo suposto valor político da querela! O número das vítimas é sempre o mesmo, mas a questão tem um imenso valor semântico!
Trata-se de necrofilia e isso tem muita força televisiva! O circo necrófilo tem, pois, dois grandes promotores: o jornalismo necrófilo e a política necrófila. Incêndios, mais incêndios, até que arda também o país político. O incêndio como a continuação da política por outros meios. É o vale tudo. E o que está a dar, depois da infausta tragédia.
Mas a verdade é que o “spin doctoring” português nem imaginação tem. A partir de um incêndio (grave, sem dúvida) pode fazer-se o diagnóstico de todo um país, a começar pelo SIRESP e a acabar na Protecção Civil nacional. E agir de consequência, derrubando o governo, se for caso disso, e tudo o que possa ter a ver com o incêndio. E talvez mesmo chegar à conclusão de que tem de haver um culpado: o Eng. José Sócrates! SIRESP, PT, lá está! Fácil! Bem esmiuçada a coisa, ainda se há-de concluir que o culpado é ele!
A coisa, afinal, há-de vir de longe, parece ser a convicção dos historiadores do presente, do passado e do futuro. Aguardem pela contabilidade, pelos milhões que vão circular em homenagem às vítimas (dizem que são 23 milhões) e logo verão que por aí andará mãozinha de Carlos Santos Silva e, claro, do eterno Sócrates. O número tem força taumatúrgica! 23!
Da Suíça a Pedrógão! Do famoso concerto do milhão de euros (por enquanto, nas mãos da União das Misericórdias), à ajuda de Bruxelas, ao financiamento do governo – tudo isso dará muito que contar. E não só pelos dedos das mãos. O José Gomes Ferreira já anda certamente a investigar as contas e concluirá que a culpa de tudo isto é de António Costa (quando era Ministro da Administração Interna) e, claro está, de José Sócrates Carvalho Pinto de Sousa, seu Primeiro-Ministro, o culpado remoto de todos os males de que sofre a República! Qualquer dia ainda vamos ter uma correria à Torre do Tombo para encontrar os remotos “Ricos-Homens” da linhagem de Sócrates, investigando-lhes as fortunas! Não depende o SIRESP da famigerada PT/Altice? E Sócrates não mandava na PT que quis controlar a TVI que, agora, a PT/Altice vai comprar? Hã?!
Simples, Caro Watson! Vem daí Sherlock Holmes Place de todas as investigações! É preciso saber e músculo para castigar os prevaricadores!
Afinal, quem os paga?
Ao que parece vem aí muito dinheiro para exorcizar culpas! Vem, vem! Acto primeiro: posicionem-se, meus senhores! Acto segundo: quando chega o dinheiro? Acto terceiro: afinal, quem ganhou com a tragédia? É isto que está para vir. SIRESP, Lista de mortos, Contabilidade.
À volta dos fogos montou-se um gigantesco circo para todos os gostos e todos os gastos. O que já não interessa são os mortos. Há que cuidar dos vivos com muito dinheiro. A isto chama-se compaixão bancária! Onde os que menos ganharão serão os familiares mais próximos das vítimas, ocupados que estarão a sarar as feridas e a chorar as perdas! Não é, Padre Júlio dos Santos?
A pergunta é legítima: afinal quem paga estes palhaços que gastam horas, dias e meses a explorar para todos os fins uma gravíssima tragédia humana?
Não sei, à parte a taxa para o audiovisual que todos continuamos a pagar sem tugir nem mugir, na conta da electricidade!
Na verdade, quem se der ao trabalho de reflectir sobre esta miséria de jornalismo que temos não poderá deixar de pensar que começa a ser necessário organizar um movimento cívico contra esta gente que não descansa enquanto não vir o país afundar numa grave depressão.
Penso que já nem se trata de combate político, mas de pura estupidez. O mal que fazem vai cair também em cima deles, dos filhos e dos netos. Andam todos numa roda estonteante de tabloidismo galopante que lhes há-de cair em cima, deles e de todos nós. Cada telejornal que vejo leva-me a perder a vontade de no dia seguinte ir trabalhar! E ainda menos quando me apercebo de que há um pivot que – com ar enjoado – só lá está a fazer o frete para se publicitar a si próprio e a sua empresa de produção de livros industriais!
Valha-nos a intrépida ERC!
Resta-me uma esperança: a da rápida nomeação da ERC, para pôr os meios de comunicação na ordem. Estou profundamente convencido que os próximos membros desta altíssima entidade reguladora porão ordem neste mundo desregulado das fake news, do jornalismo necrófilo e dos forcados da opinião.
Olé! Sobretudo se for independente, apesar de eleita pela Assembleia da República. E se os intrépidos reguladores não forem designados pelas lógicas da prateleira dourada ou do nepotismo! Será? A minha confiança é cega visto o desempenho absolutamente exemplar da entidade dirigida actualmente por um indivíduo que um dia apresentou um livro sem o ter lido!
Eu estava lá e fiquei com essa convicção. De resto, era organizador, prefaciador, um dos autores e tive a desdita de o convidar (por interposto amigo) para o apresentar! Bom prenúncio, sem dúvida! Mas tenhamos fé no futuro!