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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

Negócio das águas oferece lucros garantidos a empresas privadas

Negócio das águas oferece lucros garantidos a empresas privadas

É quase impossível não ficar surpreendido e até chocado ao ler a recente notícia de que a Câmara de Barcelos vai ter de desembolsar 87 milhões de euros para comprar de volta a distribuição da sua própria água, que estava concessionada a uma empresa privada.

Mas esta é uma situação com desfecho previsível e que até podia ter tido consequências financeiras ainda mais gravosas para a autarquia. E, a quem acompanha este tema, não será de estranhar que, a curto prazo, possam surgir outras situações do género. Basta ler um famoso relatório do Tribunal de Contas sobre a concessão em baixa das águas, publicado no início de 2014, para constatar que este é um processo que tem tudo para dar errado para o lado das autarquias e dos consumidores.

Nesta altura existem 27 concessões do género, envolvendo 31 concelhos do país, cujos consumidores entregam cerca de 250 milhões de euros a empresas privadas para terem em casa o precioso líquido. À partida, a ideia não parecia má, uma vez que não se tratava de privatizar a distribuição da água, mas apenas de a concessionar. Isso significa que todo o sistema e equipamentos existentes ou a construir pelas empresas privadas continuam a ser propriedade das autarquias. A totalidade ou parte do investimento pertence aos privados que, regra geral, ainda pagam uma verba anual às câmaras por terem o exclusivo da distribuição da água durante um determinado período – longo – de tempo.

Só que o problema é que se as coisas não correm como previsto, as condições contratuais têm de ser alteradas, levando a que os benefícios públicos acabem por se transformar em prejuízos. No relatório referido, o Tribunal de Contas faz críticas arrasadoras à grande maioria destas concessões, que seguem a filosofia das parcerias público-privadas, em que o risco fica do lado público e os lucros garantidos da parte privada.

 

Previsões irrealistas nos contratos

água_4Normalmente, isso acontece por, nos contratos assinados entre as duas partes, se colocaram previsões irrealistas. O Tribunal de Contas concluiu, por exemplo, que “cerca de 74% dos contratos de concessão prevêem, expressamente, a possibilidade das concessionárias serem ressarcidas pelos municípios, no caso de se verificar uma determinada redução do volume total de água facturado e da estimativa de evolução do número de consumidores”.

Quando há um desvio negativo a partir de 10 ou 15%, as concessionárias exigem a reposição do equilíbrio financeiro acordado, o que implica a redução da verba que pagam às câmaras, o aumento do tarifário, a redução dos valores que ficaram de investir, o alargamento do prazo da concessão ou que seja a própria câmara a indemnizar a empresa.

Teoricamente, os desvios também poderiam beneficiar os consumidores e as autarquias. Mas, na prática, acontece que, refere o relatório do Tribunal de Contas, “a figura do reequilíbrio financeiro nunca funcionou em benefício dos municípios concedentes ou dos respectivos utilizadores, quando se verificaram situações suscetíveis de gerar rendimentos líquidos superiores aos previstos no caso base para as entidades gestoras”.

Todos os casos auditados já foram alvo de um processo de reequilíbrio económico-financeiro ou de um processo de revisão contratual.

 

Lucros garantidos acima dos 10 por cento

Numa altura tão incerta, em que as empresas têm tanta dificuldade em encontrar bons negócios e garantir a sua sobrevivência económica, o investimento na distribuição da água em baixa parece ser um oásis. Neste sector não há falta de clientes e as concessionárias têm um determinado nível de facturação e de lucros garantidos por contrato.

De acordo com este relatório, a expectativa de TIR (Taxa Interna de Retorno) accionista destas empresas oscila entre os 9,5% (no concelho de Cascais) e 15,50% (Campo Maior). Trata-se de valores que o Tribunal de Contas considera “inaceitável à luz do actual quadro orçamental e económico”.

Idêntica opinião tem o novo governo socialista, que, no seu programa, critica “as taxas de rentabilidade absolutamente desproporcionadas e inaceitáveis à luz das regras de um mercado saudável, com elevados encargos financeiros para o cidadão”. E das palavras promete passar aos actos, através da renegociação, em parceria com as câmaras, das concessões mais gravosas.

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