Está a começar a ler esta crónica e pergunto já de chofre: é adicto a alguma coisa? Conhece algum “viciado” nalguma substância? Em compras, jogos de consola, computador ou mesa, sexo, comida ou redes sociais? Acha que não? Se assim é, mude de página.
Se ficou a pensar, continue nesta.
Em Portugal a adicção é uma doença ainda não falada ou conhecida de forma aberta e frontal. No entanto, noutros países é sobejamente estudada, está também reconhecida como uma doença mental pela Organização Mundial de Saúde e é trabalhada diariamente por milhões de profissionais em todo o Mundo.
Claro que este assunto nunca nos fala directamente, porque é sempre para o parceiro do lado. Ou mesmo esse, que diabo, tem apenas uns problemazitos com o álcool, ou usa drogas de forma recreativa. Ora isso não só não tem mal nenhum, como muito menos se pode chamar doença.E mental? Que horror!
Pensa assim? Se lhe disser que está errado e que pode ter muito mais conhecimento sobre o que realmente se passa, fica zangado? Se fica, apresenta o primeiro dos muitos mecanismos de defesa que a adicção lhe dá de presente: a negação.
E isso tem algum mal? Não.
Vamos começar a falar de forma não académica, sem juízos de valor, moralismos ou vergonha.
A adicção é uma doença presente na nossa sociedade. Anda aqui mesmo, de braço dado consigo, ou certamente com alguém que conhece. Não duvide.
Estigmatizada e envolvida em inúmeros estereótipos, a adicção pode embrulhar num só pacote o alcoolismo, a toxicodependência, a dependência de químicos farmacêuticos, a comida (anorexia e bulimia), o sexo, o jogo e até o desporto…. Até aqui já sabia? Parabéns. Já passou a primeiro nível!
Agora vamos um bocadinho mais longe: tem medo que o seu filho “se meta nas drogas” lá na escola ou na universidade? Das ”companhias”? Pois…as companhias.
E as noitadas? E porque é que ele passa tanto tempo fechado no quarto e agarrado ao computador?
E se não for nem filho nem filha: o próprio leitor acha, lá no fundo, no fundo e só para si, que a bebida está a trazer-lhe problemas? De facto já não é como era, e o acto de beber passou, devagarinho, a ser compulsivo? Não que seja alcoólico, claro, mas de facto, esta dúvida ou possibilidade está a deixá-lo desconfortável.
Afinal são só as drogas ilícitas que são drogas?
Vejamos: a definição de adicção passa por ser uma coisa muito simples. Trata-se de uma doença (chamemos as coisas pelo nome, sem medo), que pode ser genética, que é primária (vem consigo, não fez nada para a ter), progressiva e fatal.
De facto, só o álcool é responsável por 3,8% de mortes no nosso país. E não podemos assegurar nem confirmar dados. São meras estatísticas que recolhi e nas quais não estão reflectidas muitas mortes por doenças associadas. Adiante.
Na escola ensinam como se faz o vinho. Não o que o vinho faz. Dizer que beber em excesso faz mal, não chega. Não só porque não se define o excesso, mas também porque pode dar-se o caso da pessoa sofrer da doença da adicção, também chamada de “doença dos sentimentos”. Com danos sérios, graves e para toda a vida.
Agora pense comigo: não está aliviado em saber já, neste momento, que não existe aqui nenhuma culpa no cartório pelo facto da pessoa que conhece abusar do álcool ou das drogas? Que se calhar toda aquela compulsão tem uma explicação clínica e há maneira de viver em recuperação? Que afinal há um motivo palpável – ainda que sério – e que nunca lhe tinha ocorrido, para estar horas e horas no computador a jogar?
Afinal, aquela atitude de ter várias parceiras que no fundo, no fundo, não só não o preenchem, como lhe deixam um enorme vazio e uma tristeza que só pode ser compensada quando repete. Porque a vontade é incontrolável?
Pois é: essa falta de controle sobre a sua substância preferida, ou sobre esse comportamento, tem um nome: ADICÇÃO! E é uma doença que afecta milhões de pessoas em todo o Mundo. Mas vive (aqui no nosso cantinho), envergonhada, silenciada, embrulhada em estigmas, preconceitos, estereótipos e falsas crenças. Vamos, você e eu, aqui e agora, começar a desembrulhar tudo isto. Porque RECUPERAR é palavra de ordem. E perceber o que se passa é mesmo para si ou, seguramente, para alguém que conhece ( ou vai passar a reconhecer) um dos mais importantes acordares da sua vida. Acredite!