Pablo Larraín é um dos mais importantes cineastas chilenos dos últimos anos.
Oriundo de uma família conservadora – o pai, senador desde 1994, liderou até Janeiro deste ano o partido de centro-direita Unión Demócrata Independiente e em 2004/2005 foi presidente do Senado do Chile e a mãe, filiada no mesmo partido, foi Ministra da Habitação e Urbanismo em 2010/2011 – Pablo, sem se assumir como um criador “colado à esquerda” e politicamente comprometido, parece ter herdado algo do avô materno, um socialista próximo de Salvador Allende, amigo de Pablo Neruda e director e proprietário de um jornal de esquerda.
Nascido em 1976 realizou a primeira-longa metragem, “Fuga”, em 2005, uma obra dramática com algum reconhecimento internacional mas mal recebida pela crítica chilena que pretendeu identificar o realizador com o ideário político dos seus progenitores.
“Tony Manero” (2008) foi selecionado para representar o Chile na corrida ao Oscar para o melhor filme estrangeiro e o mesmo aconteceria com “No” (2012), premiado em Cannes e no qual Gael García Bernal representa o papel de um publicitário que dirige a campanha pelo “não” no plebiscito que Pinochet promoveu em 1988 para se perpetuar no poder mas que levaria à sua queda.
O posicionamento público e declarado de Pablo Larraín contra a “herança” de Pinochet, vinte anos depois do afastamento do ditador, reconciliou a crítica chilena com o cineasta.
Em 2015, com “O Clube”, história dramática de um grupo de padres católicos envolvidos em casos nada edificantes (pedofilia, conivência com crimes praticados pelos militares durante a ditadura, …) e colocados pela igreja em “prisão domiciliária” numa aldeola junto do mar, Larraín conquistou o Prémio do Júri em Berlim.
Os trabalhos mais recentes do cineasta chileno abordam, de forma ficcional, períodos determinados da vida de personalidades públicas e apareceram quase em simultâneo no mercado português. Falamos de “Jackie” que aborda a forma como Jaqueline Kennedy viveu os dias imediatamente seguintes ao assassinato do marido e de “Neruda”, objecto principal do presente texto.
Neruda
Uma primeira advertência: o filme de Pablo Larraín não é a história da vida do poeta. O período abordado é muito escasso e a verdade histórica do que é contado está longe de estar provada. Estamos aqui no domínio da ficção que vai buscar à realidade alguns elementos que a enriquecem e a tornam mais fascinante e atractiva.
Aquele que ficou mundialmente conhecido como o poeta Pablo Neruda era afinal um senhor chamado Ricardo Eliécer Neftalí Reyes Basoalto (interpretado por Luis Gnecco). Membro do Partido Comunista, em 1948 ocupava o lugar de senador. O Presidente do Chile era Gabriel González Videla (Alfredo Castro) que tinha sido embaixador em Portugal e que, muito mais tarde, com Pinochet, haveria de ser Conselheiro de Estado. Tinha sido eleito também com o apoio dos comunistas! Contudo, nesse ano, dá-se a ruptura dessa “aliança”; os comunistas começam a ser perseguidos e o senador Reyes Basoalto critica o governo e denuncia a repressão. O Presidente exige a sua demissão e o político-poeta inicia uma fuga e passa à clandestinidade. Até aqui estamos no domínio da verdade histórica.
O que Pablo Larraín nos mostra é uma trama policial, política, poética e histórica do jogo do gato e do rato entre um homem que vai mudando sucessivamente de nome e deixando pistas ao seu perseguidor, o inspector Óscar Peluchonneau (Gael García Bernal).
A personalidade ambígua e contraditória de Neruda, o poeta que sabe dar voz aos problemas e anseios do seu povo, mas ao mesmo tempo o comunista de hábitos burgueses, a presença da mulher – a pintora Delia del Carril (Mercedes Morán) – a incessante capacidade criadora de Neruda (que nesta altura escrevia o “Canto General” que o levaria até ao Prémio Nobel), tudo isto se cruza numa trama que mais do que procurar dar a conhecer a história de um homem, é um relato fortemente marcado pelo imaginário do poeta.
Como resumiu Pablo Larraín, “este não é um filme sobre Neruda, é um filme “nerudiano”.
Nota: A nossa avaliação de * a *****
Ficha Técnica
Título: Neruda
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Realização: Pablo Larraín
Guião: Guillermo Calderón
Fotografia: Sergio Armstrong
Música: Federico Jusid
Montagem: Hervé Schneid
Interpretação: Gael García Bernal, Luis Gnecco, Mercedes Morán, Alfredo Castro
País: Chile / França / Argentina /Espanha
Duração: 107 minutos
Ano: 2016
Estreia em Portugal: 09 de Março de 2017