Muito além de uma definição pronta e acabada, o Brasil é justamente a contradição, as diferenças e o constante movimento. É quase um senso comum que caminhamos, avançamos e retrocedemos, por linhas tortas, muitas vezes fora de padrões geométricos.
Nesses tempos turbulentos e de grandes incertezas, marcados pela crise sanitária do coronavírus, que acentuou uma crise econômica anterior, e marcado por frequentes instabilidades políticas, muitas delas criadas no bojo do governo federal, cabe refletir sobre o que é o Brasil.
A colher de prata ou aquele que come com a mão? É a cultura ou a criminalidade? É o abandono ou a solidariedade? A palafita ou a Avenida Paulista?
Muito além de uma definição pronta e acabada, o Brasil é justamente a contradição, as diferenças e o constante movimento. É quase um senso comum que caminhamos, avançamos e retrocedemos, por linhas tortas, muitas vezes fora de padrões geométricos.
E não há comparação melhor do que as cantadas por Ney Matogrosso, da poesia de Celso Viáfora e Vicente Barreto: Garrincha, o craque de pernas tortas, um dos maiores ídolos do futebol, e Aleijadinho, um dos maiores artistas de toda a nossa história, que sofria uma grave doença degenerativa, são a cara do Brasil.
Cara do Brasil
Celso Viáfora e Vicente Barreto/1999
Intérprete: Ney Matogrosso
Eu estava esparramado na rede
Jeca urbanóide de papo pro ar
Me bateu a pergunta meio à esmo:
Na verdade, o Brasil o que será?
O Brasil é o homem que tem sede
Ou o que vive na seca do sertão?
Ou será que o Brasil dos dois é o mesmo
O que vai, é o que vem na contra mão?O Brasil é o caboclo sem dinheiro
Procurando o doutor n’algum lugar
Ou será o professor Darcy Ribeiro
Que fugiu do hospital pra se tratar?A gente é torto igual a Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se vira sozinho
Decerto então nada vai darO Brasil é o que tem talher de prata
Ou aquele que só come com a mão?
Ou será que o Brasil é o que não come
O Brasil gordo na contradição?
O Brasil que bate tambor de lata
Ou que bate carteira na estação?O Brasil é o lixo que consome
Ou tem nele o maná da criação?
Brasil Mauro Silva, Dunga e Zinho
Que é o Brasil zero a zero e campeão
Ou o Brasil que parou pelo caminho:
Zico, Sócrates, Júnior e FalcãoA gente é torto igual a Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se vira sozinho
Decerto então nada vai darO Brasil é uma foto do Betinho
Ou um vídeo da Favela Naval?
São os Trens da Alegria de Brasília?
Ou os trens de Subúrbio da Central?
Brasil Globo de Roberto Marinho?
Brasil bairro, garotos Candeal?
Quem vê, do Vidigal, o mar e as ilhas
Ou quem das ilhas vê o Vidigal?O Brasil alagado, palafita?
Seco açude sangrado, chapadão?
Ou será que é uma Avenida Paulista?
Qual a cara da cara da nação?A gente é torto igual a Garrincha e Aleijadinho
Ninguém precisa consertar
Se não der certo a gente se vira sozinho
Decerto então nada vai dar
Fonte: Centro de Memória Sindical | Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial Rádio Peão Brasil / Tornado