Mal começaram ainda, as negociações do divórcio entre a Grã-Bretanha e a União Europeia, vulgo Brexit, já esbarraram num rochedo – Gibraltar.
Nas grandes linhas de orientação traçadas por Bruxelas para as próximas conversas com Londres, indica-se que nenhum futuro acordo entre eles poderá ser aplicado naquele enclave britânico em território espanhol sem um entendimento prévio entre Londres e Madrid.
Isso significa, obviamente, entregar à Espanha, que defende a partilha da soberania sobre Gibraltar – território que foi seu até 1713 – um poder acrescido de pressão.
Londres reagiu de imediato, afirmando que Gibraltar estará inteiramente coberto pelas negociações do Brexit.
Mais – afirmou a primeira ministra Thereza May – “Nunca subscreveremos disposições pelas quais o povo de Gibraltar veja a sua soberania transferida para outro Estado contra a sua própria vontade livremente expressa”.A Espanha, da qual depende o trânsito de pessoas e mercadorias, gostaria de reassumir algum poder sobre a administração do território, mas a população do enclave (pouco mais de trinta mil pessoas em 7 kms²) tem-se pronunciado esmagadoramente (99% no referendo de 2002)
contra essa solução bipartida – que já teve até anuência britânica – preferindo continuar sob inteira e completa subordinação ao Reino Unido.
Agora, porém, as coisas complicaram-se porque essa mesma população – a exemplo do que sucedeu na Escócia e na Irlanda do Norte – votou maioritariamente no referendo do ano passado (96%) contra a saída da União Europeia e pode ser prejudicada pelo Brexit.
O preço da liberdade
O caso de Gibraltar é apenas mais um dos inúmeros nós de contradições do grande imbróglio que é o processo de saída dos britânicos da União Europeia.
Outros, como já se referiu, são a Escócia e a Irlanda do Norte, que, tendo votado maioritariamente pela continuação na UE, se vêem agora confrontados com as consequências negativas de um processo que não desejaram. A ponto de a Escócia já ter aprovado a realização de um segundo referendo sobre a sua completa independência.
Mas há mais – as próprias regiões britânicas que aprovaram a saída, casos do País de Gales e do West Midlands, por exemplo, podem vir a ser as mais prejudicadas.
Boa parte (de 40% a 60%) dos produtos dessas regiões (designadamente agrícolas – carne, leite, tabaco – mas também industriais, designadamente automóveis) é hoje exportada em condições preferenciais para a UE; com a separação, caso não haja um acordo favorável de acesso ao mercado único, essa produção passará a estar sujeita a taxas de importação. Por outro lado, essas mesmas regiões arriscam-se ainda a perder os recursos financeiros europeus de ajuda a zonas mais desfavorecidas – os chamados fundos estruturais.
Outro reflexo negativo decorrente do Brexit atinge diretamente a região de Londres – que votou o ano passado pela permanência na UE; com a saída, passará a ser mais difícil recrutar quadros europeus especializados numa série de áreas importantes para o normal funcionamento da capital britânica – dos serviços financeiros à hotelaria e o turismo, passando pela construção civil. Pode até estar em causa a continuação de Londres como grande centro financeiro mundial.
Tudo isto para já não falarmos das enormes somas que terão de ser pagas pelo divórcio, que alguns calculam em pelo menos 60 mil milhões de euros.
Parceiro relutante desde a sua adesão à Europa (1972), de que foi sempre um membro reticente e recalcitrante, opondo-se por instinto a quaisquer projetos de maior integração do continente, a Grã-Bretanha desfruta agora de uma sensação de alívio, como quem tivesse recuperado a liberdade, esperando poder melhor controlar o fluxo migratório nas suas fronteiras e recuperar a integridade do poder de decisão do seu Parlamento.
Aparentemente, a jangada de pedra desfez os laços que a ligavam ao continente. Mas o processo de separação promete ser mais complicado do que muitos previam e o futuro é ainda uma enorme incógnita. Para já, no começo do Brexit havia um rochedo.