Os períodos de seca prolongada poderão transformar Portugal num País desertificado, sem vegetação e sem agricultura. Eugénio Sequeira, especialista em solos, ambiente e ordenamento do território traça um cenário catastrófico que pode ser real em menos de um século. Com o aumento dos incêndios e dos riscos de cheias, a degradação das águas de superfície e a redução dramática da recarga dos aquíferos, o processo de desertificação “será muito acelerado”, garante o antigo presidente da Liga para a Protecção da Natureza (LPN). O também membro do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável acusa ainda a administração Trump de postura “criminosa” ao abandonar o plano de energia limpa de Obama e o Acordo de Paris.
Jornal Tornado: Um estudo da universidade britânica Newcastle, publicado em Maio (com a participação de Selma Guerreiro, especialista em hidrologia e alterações climáticas) concluiu que Portugal e Espanha podem ser atingidos até 2100 por períodos de seca de dez ou mais anos. Encarando o pior dos cenários, que efeitos realistas terão estas secas frequentes no território português e na vida dos cidadãos?
Eugénio Sequeira: O avanço do Deserto do Sáara até ao Tejo, porque a morte dos sobreiros e das azinheiras é inevitável nesse cenário. Com o desaparecimento do sistema montado, o que provocará a erosão, degradação do solo, da biodiversidade e da capacidade produtiva (cereais, pasto, etc.), todo o Sul ficará sem vegetação, sem agricultura…
O maior problema é que esta destruição causa a degradação das águas de superfície e dos aquíferos. De facto, para além da redução das águas das barragens e da qualidade dessas massas de água (eutrofia, carência química e biológica de oxigénio, emissão de metano) causa a degradação das águas subterrâneas como já se verifica com os níveis de nitratos nos aquíferos dos barros de Beja, em especial a subida no aquífero de Ferreira do Alentejo, e não só.
E no resto do território?
Igualmente, a Norte do Tejo, o processo de Desertificação será muito acelerado, com aumento dos incêndios “ditos florestais”, aumento dos riscos de cheias, degradação também das águas de superfície e redução dramática da recarga dos aquíferos. O despovoamento que o tipo de propriedade e de exploração agrícola em minifúndio com o abandono dos jovens e da actividade agrícola já inviável do ponto de vista económico e social irá agravar toda a situação.
Igualmente a redução dos caudais dos rios vai causar aumento da erosão costeira, a degradação das condições de vida nos estuários dos rios e portanto dos viveiros das nossas espécies piscícolas (sardinha, corvinas, robalos etc.) com iguais consequências nas populações dessas zonas e na qualidade de vida. Então a actividade primária estará condenada e o país ficará limitado ao litoral, e totalmente dependente para efeitos de abastecimento (alimentação, água, emprego…), totalmente dependente do exterior.
Perante tal antevisão dramática, que mudança de atitudes vê como urgentes?
Os acordos internacionais prevêem uma redução das emissões de gases com efeito de estufa a fim de minorar os efeitos das alterações climáticas: Na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas (UNFCCC) os países concordaram em limitar o aumento da temperatura média global da superfície desde os tempos pré-industriais a menos de 2ºC. Para atingir este objectivo, as emissões globais de gases com efeito de estufa deveriam assim atingir o seu pico o mais rapidamente possível e diminuir de forma célere depois disso. As emissões globais devem ser reduzidas em 50 %, por comparação com os níveis de 1990, até 2050 mas não chega e não se prevêem nem a descida da temperatura nem mesmo o cumprimento dos Objectivos. Considerando que as alterações climáticas já em curso aumentam dramaticamente uma série de riscos de catástrofes (seca, fogos, falhas de abastecimento, Desertificação, cheias, poluição das águas…) seria aconselhável cumprir pelo menos as prioridades para a acção estabelecidas no “Sendai Framework”.
E essas prioridades são…
A redução do risco de fogo – ordenamento florestal com gestão correcta da florestas; a redução da poluição das águas subterrâneas, provocando a redução do escoamento; o aumento da infiltração da água; a redução dos usos antes das captações de água, entre outras… Mas nada disto está a ser promovido!
Alqueva recebe 45 mil toneladas de sal por ano
Os meses de Setembro e Outubro de 2017 em Portugal Continental foram os mais secos dos últimos 87 anos. De acordo com o IPMA, no final do mês de Outubro, todo o território encontrava-se em situação de seca severa (24.8 %) e extrema (75.2 %). Uma eficiente gestão dos recursos hídricos e controlo das barragens quanto aos caudais mínimos dos rios internacionais podia minorar o problema da seca?
As barragens não resolvem este problema, pois a maioria delas, com excepção das primeiras nos pontos mais elevados das montanhas, recebem água com efluentes de povoações, com água de drenagem de agricultura intensiva, e o exemplo disso é o Alqueva.
Portanto, água imprópria para regadio?
Esta barragem recebe os efluentes domésticos de cerca de 2,5 milhões de habitantes em Espanha – cerca de 25 mil toneladas de NaCl por ano (cloreto de sódio – sal da cozinha), mais a lexiviação de cerca de 12 kg de NaCl /ha/ano, da hidrólise dos xistos correspondentes (cerca de 6 milhões de hectares da bacia do Guadiana), que correspondem a muitos milhares de toneladas de NaCl por ano, mais ainda o sal dos lambedouros das vacas e das rações dos porcos, por exemplo. No mínimo, mais de 45 mil toneladas de NaCl que sem barragens e sem regadio voltava à origem, o mar, e que agora fica nos cerca de 300 mil hectares de regadio em Espanha e nos solos regados pelo Alqueva. O regadio em período de seca prolongada só deve ser feito com água pura da chuva e de escoamentos de zonas florestais e de chuva intensa, e nunca com água que recebe efluentes de grandes aglomerados urbanos, de pecuária e de fracções de lavagem de outros regadios.
“Crime com dolo”
Que mundo teremos daqui a meio século com o agravamento do aquecimento global?
A solução para o aquecimento global também será a solução para a sustentabilidade. A ganância, a exigência de soluções rápidas (como foram a destruição dos carvalhais…), a falta de ética, a estupidez e a ignorância humana é que são a causa quer do aquecimento quer da degradação dos ecossistemas e da destruição dos recursos.
A má qualidade do ar precipita a morte de milhares de pessoas por ano. Segundo o último relatório da Agência Europeia do Ambiente, só em Portugal 6.630 pessoas terão morrido prematuramente em 2015 e estima-se que cerca de 400 mil cidadãos da União Europeia morrem anualmente. Que comentário lhe merece estes números?
É apenas o início da catástrofe que se vai abater sobre a humanidade. Mas repare que ninguém reage. Nos países democráticos quantos votam? Ronda os 50%. E dos que votam quantos deles participam na vida dos partidos e na escolha dos programas e das equipas para exercer o poder? Quantos são militantes dos partidos? Ronda menos de 5%. Portanto, mais de 90% falam mas não fazem nada, mesmo que vejam as catástrofes acontecerem aos seus vizinhos. Mas acabará também por lhes acontecer!
A administração de Donald Trump já confirmou que vai abandonar as políticas ambientais (plano de energia limpa) promovidas pelo antigo Presidente Obama para travar o aquecimento global e quer ainda rasgar o Acordo de Paris. Como define esta postura?
Não tem outra classificação se não CRIMINOSA, pois está a pôr em causa a vida e a sobrevivência de muita gente. Será crime porque os ricos de países ricos vão sobreviver à custa dos outros povos. Será assim um “crime com dolo”.
Com o desaparecimento do sistema montado, o que provocará a erosão, degradação do solo, da biodiversidade e da capacidade produtiva, todo o Sul ficará sem vegetação, sem agricultura»
A Norte do Tejo, o processo de Desertificação será muito acelerado, com aumento dos incêndios “ditos florestais”, aumento dos riscos de cheias, degradação também das águas de superfície e redução dramática da recarga dos aquíferos»
O regadio em período de seca prolongada só deve ser feito com água pura da chuva e de escoamentos de zonas florestais e nunca com água que recebe efluentes de grandes aglomerados urbanos, de pecuária e de fracções de lavagem de outros regadios»
A ganância, a exigência de soluções rápidas (como foram a destruição dos carvalhais…), a falta de ética, a estupidez e a ignorância humana é que são a causa quer do aquecimento quer da degradação dos ecossistemas e da destruição dos recursos»