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Terça-feira, Dezembro 24, 2024

Nós e eles?

Maria do Céu Pires
Maria do Céu Pires
Doutorada em Filosofia. Professora.

Sobre o (não) acolhimento de Refugiados

Todas as dicotomias expressam uma visão simplista e, muitas vezes, deturpada do que acontece quer no mundo físico, quer na realidade social. Assim se verifica também com a que separa dois pretensos grupos: “nós” e “eles”. Não é só a diferença que aqui se plasma, é também a ideia da superioridade de um “nós” a que “eles”, supostamente, se devem conformar e adaptar.

Na verdade, quem assim coloca a questão assume uma posição de arrogância, auto avaliando-se como melhor, como mais evoluído a todos os níveis, técnico, cultural, social. “Eles” são inferiorizados, rejeitados, como se pertencessem a um submundo que necessita de evoluir e de aprender. E todos os juízos negativos recaem sobre o seu modo de vida e sobre os seus valores. Mais, todas as suas opções são sempre justificadas à luz de qualquer característica negativa. Mesmo quando não têm opção e, por exemplo, fogem da fome e da guerra, a sua luta pela sobrevivência é sempre “explicada” em função de factores perniciosos.

… acolhimento de refugiados…

Neste tipo de atitude face ao que é diferente está subjacente uma visão substancialista da identidade: “nós” somos assim, “eles” são de outro modo. Esta visão esquece que a nossa história de humanos é uma história de intercâmbios, de “caminhadas”, de misturas. Os indivíduos e as culturas não são entidades estáticas mas, pelo contrário, constituem-se, sempre, em relação e o seu desenvolvimento decorre como um processo contínuo de trocas.

A ideia de “pureza” quer individual, quer cultural, não existe Basta um exercício simples, o de olhar com olhos de ver o centro histórico de uma qualquer cidade ou vila para encontrar as marcas das diferentes civilizações e culturas. No caso português, particularmente a judaica, a árabe, a cristã e também a africana e a indiana. Basta pensar só um pouco na nossa língua, nos nossos costumes, na nossa alimentação. Basta este pequeno exercício para percebermos que “nós” somos “eles” e “eles” são “nós”. Somos, todos, um “caldo” genético, social e cultural.

Por isso, quem faz esta separação, ignora que a identidade é sempre relacional e que a atitude mais inteligente não é a dos muros, mas a de abertura ao “outro”. Parece também ignorar que os Direitos não são apenas de uns, de “nós”, mas são também “deles”, pela evidente razão de que são intrínsecos a todos os seres humanos! E, como todos somos seres vulneráveis, temos o dever de acolher quem, num dado momento se encontra em dificuldade. Este dever é político mas é também ético. Como bem lembrava Rufina Garcia “somos todos refugiados”.

O que acontece é que algumas pessoas já se esqueceram.

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