Desta vez, a reacção do Kremlin não se fez esperar – logo que, dia 25, a Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano aprovou quase por unanimidade (419 contra 3) o reforço das sanções contra a Rússia, replicando decisão anterior do Senado no mesmo sentido e com a mesma força simbólica de grande consenso bi-partidário (98 contra 2), Pútin, que se encontrava de visita à Finlândia, sinalizou que iria retaliar.
“Até agora, temos sido bastante contidos e pacientes, mas não podemos continuar a deixar sem resposta os sucessivos actos de insolência contra o nosso país.” – afirmou, em substância, o presidente russo.
Dito e feito. Pouco depois, as autoridades russas anunciavam que, até dia 1 de Setembro próximo, os EUA terão de retirar do país 755 dos seus diplomatas (reduzindo o seu pessoal para o nível da representação russa em Washington – 455), e interditavam, ao mesmo tempo, a utilização de duas propriedades até agora ao serviço da embaixada americana – uma casa de campo e lazer nos arredores de Moscovo e um armazém na capital.
É uma resposta e tanto, que parece ter surpreendido, pela sua amplitude, as autoridades americanas, e configura, em qualquer caso, um regresso ao estilo “olho por olho, dente por dente”, que foi a prática comum durante a Guerra Fria.
Tudo leva a crer que as medidas retaliatórias agora anunciadas foram as mesmas que o Kremlin chegou a articular no final do ano passado, em resposta à decisão do então presidente Obama de expulsar 35 diplomatas russos, na sequência das denúncias feitas pelos serviços de inteligência de provável ingerência electrónica russa nas eleições americanas.
Na altura, Pútin, embora reservando-se o direito de retaliar, absteve-se de o fazer, na expectativa de que, com Trump na Casa Branca, fosse possível reverter o clima de crescente confronto com Washington.
Seis meses volvidos, essas expectativas parecem ter-se evaporado quase por completo.
Submetido a constante pressão política, quer por parte dos democratas, quer parte dos republicanos (divididos em quase tudo, mas tendencialmente unidos em matérias de defesa e segurança), com uma administração caótica e níveis record de baixa popularidade, Trump não só não conseguiu operar qualquer mudança em relação à Rússia (apesar do encontro cordial com Pútin, durante o recente G20 de Hamburgo), como se vê agora ainda mais impossibilitado de o fazer, dado que a nova lei praticamente retira do presidente a possibilidade de reduzir ou extinguir as sanções sem aprovação prévia do Congresso. Nesta matéria, Trump tem, agora, as mãos atadas.
Europa também visada
A nova lei americana pretende também penalizar as empresas europeias que se envolverem em relações com a Rússia, ficando assim em perigo a construção do Nordstream 2, um gasoduto que faria chegar o gás russo ao centro da Europa através do mar Báltico, evitando a habitual travessia pela Ucrânia.
O sentido extra-territorial da nova legislação – que parece pretender criar dificuldades aos russos para poder colocar as empresas americanas de gás de xisto em vantagem no mercado europeu – suscitou de imediato protestos da Alemanha e da Áustria e a própria Comissão Europeia, em Bruxelas, admitiu ter que adoptar contra-medidas no plano comercial.
Não será fácil fazê-lo, uma vez que nem todos os países europeus estão unidos nesta questão. Os Estados do centro e leste da Europa, em particular os do Báltico, querem evitar a todo o custo ficar dependentes dos fornecimentos russos, estando por isso mais inclinados a aceitar a pressão dos EUA.
Mas se a Alemanha se opuser aos aspectos extra-territoriais da legislação americana, isso poderá – um tanto paradoxalmente – dar alguma margem de manobra a Trump, que poderá sempre dizer que não quer entrar em conflito com um dos principais aliados dos EUA. Afinal de contas, cabe ainda ao Presidente definir como a nova lei deve ser aplicada.
De regresso à Guerra Fria?
De qualquer forma, o que a nova legislação americana e a resposta russa sinalizam é uma acentuada perda de confiança mútua que parece estar a conduzir o mundo de regresso à Guerra Fria.
Desde há pelo menos uma década, de parte e de outra têm vindo a ser tomadas decisões que derrubam as medidas de contenção e os controlos de armas, designadamente nucleares, estabelecidos há um quarto de século atrás, quando caiu o muro de Berlim.
A NATO, contrariamente às promessas feitas por Kohl a Gorbachev, quando da reunificação da Alemanha, ocupou todo o espaço antes submetido pelo Pacto de Varsóvia e rodeia hoje todo o perímetro ocidental das fronteiras russas, com Moscovo mais perto que nunca dos seus lança-mísseis.
Por seu turno, em 2007, a Rússia, em resposta ao avanço da NATO até às suas fronteiras, deixou de observar o Tratado de Forças Nucleares Intermédias, que limitava o desenvolvimento de mísseis de médio alcance, cujo curto raio de acção deixa pouco tempo para reagir. Segundo os americanos, Moscovo teria desenvolvido e já instalado mais mísseis desse tipo, particularmente ameaçadores para a Europa.
Como chama a atenção o New York Times deste domingo, num ciclo infernal de medidas e contra-medidas, agora é o Congresso americano que já tem em análise propostas para expandir as capacidades e o número de armas nucleares, pondo assim em perigo todo um conjunto de acordos e tratados que, de há um quarto de século a esta parte, vinham estabilizando os arsenais nucleares da Rússia e dos EUA, ou seja, 90% das 15.000 armas atómicas existentes no mundo inteiro.
Se as duas maiores potências se afastarem – como estão fazendo – dos acordos existentes, toda a política de controlo e contenção dos armamentos nucleares estará posta em causa. E a possibilidade de um regresso à Guerra Fria – agora com mais países dispondo da arma atómica – tornar-se-á uma certeza.