Passámos o 25 de Abril sob ‘Estado de Emergência’ que nos privou de muitas das liberdades, direitos e garantias fundamentais, em especial, a da livre circulação. No mecanismo constitucional que levou a esta brutal supressão de direitos, existe uma condicionante essencial que é a da fundamentação, que não foi preenchida de forma aceitável pelo senhor Presidente da República, falha que o parlamento português nada fez para colmatar.
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A ausência de fundamentação
Diz o decreto presidencial que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou uma pandemia. Mas foram várias as pandemias que foram declaradas este século pela OMS sem que ninguém se lembrasse de declarar o Estado de Emergência. Isto obviamente não serve para fundamentar o que quer que seja.
Diz também o mesmo decreto que foram vários os países europeus que declararam a restrição à liberdade e que portanto Portugal deveria fazer o mesmo. Sendo verdade que a maioria dos países europeus que nos estão mais próximos – mas não todos, nem da mesma forma – tomaram medidas semelhantes, será a mera menção deste facto algo que se possa chamar de ‘fundamentação’?
E se eu fundamentasse o meu desrespeito por normas ambientais com base no facto de que há mais gente a fazê-lo? Seria essa uma fundamentação legítima à luz da Constituição da República Portuguesa que celebramos a 25 de Abril?
Mas pior ainda, o primeiro decreto presidencial que prolonga o ‘Estado de Emergência’ salta para novas pretensas fundamentações, que vão das ‘autoridades de saúde’ terem passado à fase de mitigação (como se chavões ocos como este não necessitassem de explicação), a uma declaração citada fora de contexto da Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, sem qualquer justificação para o malabarismo argumentativo. O segundo decreto resolve saltar ainda para outra fundamentação diversa: ‘Por estas razões e tal como reconhecido pelos cientistas consultados, o Presidente da República considera que a realidade demonstra o acerto da estratégia seguida’.
Mas quais ‘cientistas consultados’? Os charlatães e profissionais do catastrofismo sem qualquer crédito científico diariamente citados na imprensa institucional? Mas que realidade demonstra o acerto da estratégia seguida? A ficção e a fantasia das declarações políticas dos nossos responsáveis?
Só uma opinião pública absolutamente alienada pelo pânico criado pelos responsáveis e ampliado pela comunicação institucional aceita passivamente barbaridades destas.
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O novo lápis azul
Para entender o pânico, teremos necessariamente de entender a lógica da desinformação na qual ela assenta. A primeira fase foi a de esconder a realidade, simbolizada pelo famoso tweet do director geral da OMS que, quase um mês depois de alertado por Taiwan, dizia não haver provas da transmissibilidade do vírus de pessoa a pessoa; a segunda fase foi a da criação mitológica do sucesso no combate ao vírus se fazer pela ditadura do ‘Fique em Casa’, exemplificado pelas desumanidades dos Guardas Vermelhos em Wuhan, e a terceira fase, em que nos encontramos, é a da censura a quem divirja do discurso da mentira e do pânico tornados oficiais.
Sendo verdade que, numa primeira fase, as tradicionais redes geopolíticas de desinformação como a iraniana, a russa, a chinesa ou mesmo a venezuelana ocuparam o papel principal no lançamento do pânico, isso deixou rapidamente de acontecer, sendo que é a imprensa institucional ou as grandes empresas de redes sociais como o ‘Facebook’ que asseguram a prevalência da desinformação, censurando as opiniões divergentes, nomeadamente as vindas dos mais credenciados cientistas, sob o argumento de não ser conforme às directivas da OMS.
O ‘Impertinente’ – que nos tem dado alguma luz nesta matéria – entrevistou a 13 de Abril o antropólogo genebrês Jean Dominique Michel que há trinta anos se dedica à análise da política de saúde e cujas palavras me parece essencial ler para entender os desafios que enfrentamos.
Os cientistas mais reputados, como o director do Instituto Universitário Hospitalar de Marselha, classificado em primeiro lugar nos rankings internacionais da especialidade, são censurados, insultados e perseguidos pela administração, imprensa institucional ou instituições fáticas por denunciarem a mentira. Mesmo o entrevistado, viu uma petição censurada pelo gigante das petições Avaaz, por pôr em causa a desinformação.
A mentira institucional doméstica a que o antropólogo suíço se dedica procura esconder a razão pela qual este tipo de pandemia, de que tivemos vários precursores este século, mais do que prevista há muitos anos pelos especialistas, apanhou os responsáveis sem preparação na maior parte dos países europeus.
Como não podem explicar porque não há testes, porque não há equipamento protector do pessoal de saúde ou porque não há espaço nos cuidados intensivos, é-lhes mais fácil inchar os malefícios e o inesperado da presente pandemia. Como diz Michel, quase todos os anos, no Inverno, por altura dos picos gripais, há falta de espaço nos cuidados intensivos hospitalares da maior parte dos países europeus, mas como é mais fácil dizer que isto é imprevisto, assim ficamos.
Depois é claro que há também os interesses da indústria farmacêutica apostada em vender a preços astronómicos remédios que não funcionam ou a captar dinheiro para as suas vacinas. Aqui, creio que temos de ter em conta que os negócios se adaptam mais ao que está na moda do que o contrário. De outra forma, ninguém seria capaz de explicar como a indústria petrolífera – apontada sistematicamente como a responsável por todos os males – é uma das grandes vítimas colaterais da presente psicose.
A entrevista é longa e densa, e mesmo duas semanas depois continua a ser de leitura imprescindível, mas creio que é na explicação antropológica ao estabelecimento da ditadura que ela me parece mais notável.
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As causas antropológicas da ditadura
É neste domínio que a entrevista se revela mais importante. Jean Dominique Michel, na esteira do filósofo alemão Sloterdijk, vê na presente psicose securitária europeia a génese da cópia do modelo totalitário chinês.
Porque esta é uma das verdades que nós procuramos sistematicamente não ver, a ditadura que foi imposta por toda a Europa nos anos trinta – e foram tão ou mais escassos do que agora os países que não aderiram voluntariamente à psicose colectiva – só foi possível pela geração de uma psicose de massas que nos conduziu ao totalitarismo, e isto é particularmente verdade em Portugal. Os resistentes, os dissidentes, existiram, mas foram isso mesmo, uma pequena minoria que só em condições humanas diferentes se tornou maioritária.
As proclamações de vários dos pretensos especialistas que monopolizam a imprensa institucional que nos anunciam que nada será como antes, porque acabou a socialização, acabou a privacidade, acabou a emancipação, não estão a pensar em epidemiologia, estão a contar com o mais que provável permanecer da sombra da pandemia para moldar o nosso pensamento a um novo normal que é o da ausência de liberdade.
Para quem julga que o 25 de Abril é algo de ritual e passado, creio que é bom que comece a ver os sinais de que é essencial defender a liberdade!
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