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Terça-feira, Julho 16, 2024

O baile de tartufos e o Congresso do PCP

A situação de epidemia tem implicado a adoção de medidas excecionais que visam defender a saúde coletiva. Estas medidas visam conter a propagação viral e minorar a crise económico-social crescente, enquanto se protege a capacidade de ação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Todos estamos envolvidos, todos somos afetados.

“Na frente de todos nós
povo soberano e total
que ao mesmo tempo é a voz
e o braço de Portugal”

Ary dos Santos

 

A situação de epidemia tem implicado a adoção de medidas excecionais que visam defender a saúde coletiva. Estas medidas visam conter a propagação viral e minorar a crise económico-social crescente, enquanto se protege a capacidade de ação do Serviço Nacional de Saúde (SNS). Todos estamos envolvidos, todos somos afetados.

A todos é pedido que trabalhemos

É neste contexto que o PCP organiza o seu congresso.

À semelhança do ocorrido nas comemorações do 25 de abril na Assembleia da República, nas comemorações do 1º de maio e na Festa do Avante, logo as forças de direita se insurgem contra a realização do congresso do PCP: “falta de vergonha” dizem uns, “ninguém vai compreender”, dizem outros….

Os argumentos inflamatórios aparentam circular sem que alguém pareça deter-se para pensar (um pouco que seja) nos motivos da clareza da Lei 44/86 que permite a realização daquele congresso (e o de todos os outros partidos):

As reuniões dos órgãos estatutários dos partidos políticos, sindicatos e associações profissionais não serão em caso algum proibidas, dissolvidas ou submetidas a autorização prévia.” (Lei 44/86 de 30 setembro, Artº. 2, alínea e).

A Lei em questão é aquela que regula o regime do estado de sítio e do estado de emergência. É uma Lei que, quando implementada, faz perigar o funcionamento e a garantia das liberdades individuais e dos direitos cívicos motivo pelo qual (sábia e prudentemente) nela estão inscritas as salvaguardas para o regresso à normalidade democrática. É neste sentido que o que parece incompreensível é a aparente naturalidade e acefalia com que se critica o exercício dos direitos político-partidários que visam acautelar a própria manutenção da democracia. Acresce que para aqueles que condenam a realização do congresso do PCP parecem aceitáveis as manifestações “inorgânicas” (por definição desorganizadas) que muitos críticos de iniciativas partidárias aplaudem, frequentam e estimulam por alegarem desgostar do “sistema”.

De entre os diversos argumentos contra a realização do congresso do PCP é inexoravelmente apresentado o da “exemplaridade”:

“É fundamental que os políticos não percam a autoridade moral e política, não podendo exigir às empresas, às famílias e aos portugueses um sacrifício suplementar, e depois darem sinais contraditórios”
(Francisco Rodrigues dos Santos, Presidente do CDS-PP).

 

“Estaria a desrespeitar os milhões de portugueses que são obrigados a permanecer nas suas casas”
(André Ventura, Presidente do Chega).

Ora, sendo verdade que as regras de recolhimento devem ser respeitadas e que esse apelo é feito a todos os que habitam em território nacional, não é menos verdade que a situação de trabalho é sempre uma das exceções apresentadas. Na verdade, este infeliz argumentário da direita revela um aspeto triste sobre o PSD e o Chega: os seus congressos não são locais de trabalho político, mas sim de “alegre convívio congressista” como caracterizou Adão Silva, presidente da bancada do PSD, no debate parlamentar.

Acresce que neste argumento da “exemplaridade” existe uma outra assumpção que perpassa. Ao pretender-se o cerceamento das reuniões de órgãos estatutários de partidos está implícita a noção de que “os políticos” ou “a classe política” é uma casta à parte da generalidade da população como se quem exercesse uma atividade profissional não pudesse também participar nos órgãos de decisão partidários. É possível que a influência do patronato nos partidos da direita tenha “assalariado” os órgãos de direção política, mas à esquerda não é isso que se verifica. De facto, o que a direita política parece pretender é reduzir as pessoas ao trabalho que se destina à formação de mais-valia para outrem impedindo a realização daquele que se destina à melhoria das condições de vida e à defesa dos direitos democráticos. O verdadeiro trabalho político.

Um outro argumento que é amplamente utilizado é o da contribuição para a minimização do risco epidémico, em solidariedade para com os profissionais de saúde e apoio ao SNS.

Embora seja verdade que os momentos de reunião partidária juntam um conjunto significativo de pessoas é tão-somente necessário garantir o cumprimento das regras higio-sanitárias que se têm demonstrado importantes para evitar a propagação do vírus nos locais de trabalho. Apenas os demagogos (ou quem apresenta falta de higiene diária) poderão dizer que uma reunião de órgãos partidários apresenta menor proteção sanitária que uma cantina fabril; uma deslocação em transportes públicos ou uma reunião de comissão na Assembleia da República. Como tal, mais uma vez, a questão que parece colocar-se é a da necessidade de manter o funcionamento das estruturas que protegem a democracia e a Constituição da República Portuguesa, por comparação com o funcionamento “do sector privado”, precisamente em solidariedade para com todos aqueles que estão a trabalhar (na saúde e em outras áreas) para garantir a proteção social e os seus instrumentos (SNS, escola pública e demais serviços da administração pública).

Algumas estruturas partidárias adiaram os seus congressos, convenções e reuniões. É compreensível que perante a confusão instigada pelos apelos populistas possam ter cedido a essa tentação facilitista de adiamento, optando por uma atitude não confrontacional. Mas a direita política tem que ser enfrentada e o trabalho social que a democracia confere aos partidos tem que ser exercido. Afinal, quem cuida de representar a vontade popular?!

Não há dúvida que qualquer transigência nos direitos políticos é recuar, assim como o seria adiar as eleições para Presidente da República.

Contrariamente à boçalidade da afirmação de Telmo Correia:

“o negacionismo é de esquerda e o congresso do PCP é o seu exemplo”
(Telmo Correia, CDS-PP)

haverá que afirmar claramente que a pandemia não infectará a democracia.


por Maria Catarina Sanches Torga | Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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