
Foi no dia 16 de dezembro de 1971 que as forças militares paquistanesas apresentaram a sua rendição ao general indiano Aurora marcando assim o nascimento de uma nova nação no subcontinente indiano.
Pelo caminho terão ficado cerca de três milhões de vítimas de um genocídio levado a cabo pelos militares em colaboração com as milícias islamistas que tinha o duplo objectivo de eliminar a intelectualidade bengali unida na preservação da língua, cultura e história bengali e as minorias religiosas não islâmicas – especialmente a hindu – presentes no país.
A partição da Índia britânica num Estado confessional muçulmano e um Estado laico de maioria Hindu em 1947 foi uma imensa tragédia para o subcontinente, traduzida no imediato em monumentais massacres e limpezas étnicas que resultaram em cerca de um milhão de vítimas e numa das mais potentes molas do integrismo islâmico cuja ameaça à humanidade não deixou de crescer desde então.
O Paquistão evoluiu rapidamente para um modelo militar islamista onde, entre outras barbaridades, se fez do Urdu – língua baseada no Hindi com fortes influências das línguas dos colonizadores muçulmanos, usada por elites muçulmanas e apoiada pelo colonizador britânico – a única língua oficial do país, abolindo, nomeadamente, o bengali, língua quase exclusiva no Paquistão Oriental.

As primeiras eleições democráticas do país, realizadas apenas em 1970, resultaram na vitória por maioria absoluta da Liga Awami de Mujibur Rahman que tinha como principal ponto programático a consagração da língua bengali, e foi como resposta a essa vitória que os militares em aliança com os fanáticos islamistas desencadearam o genocídio.
A diplomacia de Henri Kissinger que, em conivência com a China, tudo fez para apoiar o genocídio, viria memoravelmente a declarar o novel país como um ‘caso perdido’, e durante bastante tempo os factos pareciam dar-lhe razão. O país enfrentou instabilidade política e caos económico. Em 1975, Mujibur Rahman e toda a sua família foram assassinados (salvaram-se os ausentes, como a sua filha na altura em Londres e hoje a Primeiro-Ministro do país) sucedendo-se períodos de governo militar cortando algumas experiências democráticas.
No princípio do século o Bangladesh conheceu um governo dominado pelo BNP – Partido Nacional do Bangladesh – partido conservador que tem as suas raízes num período de dominação militar e tem os islamistas como aliados tradicionais. O país tinha-se tornado, à imagem do Paquistão, num centro de organizações armadas jihadistas.
Como assinalava numa análise publicada em maio de 2009 um dos principais especialistas do terrorismo no Bangladesh, Paul Cochrane, a explosão a 17 de agosto de 2005 quase simultânea (num intervalo de 7 minutos) de 459 bombas em 63 dos 64 distritos do país foi um símbolo maior da capacidade terrorista.
O Governo que começou por usar a habitual mantra de que se tratava de atentados perpetrados pela Índia e Israel, acabou por admitir que não conseguia dominar a pletora de grupos jihadistas que proliferavam no país e que semeavam o terror dentro e fora de fronteiras. De acordo com o sistema que continua a vigorar no Paquistão, o chamado ‘caretaker government’, um governo provisório supostamente técnico que tem como missão exclusiva apenas preparar eleições, o governo BNP, ao terminar o seu mandato em 2006 foi substituído por um governo provisório.
Este, em vez de preparar as eleições em três meses, ficou dois anos no poder e só a custo permitiu eleições de que saiu vitoriosa em 2008 a Liga Awami dirigida pela Sheik Hasina (a filha sobrevivente do fundador do país). O governo foi confrontado, quase de imediato, em 2009, com um golpe militar que conseguiu, no entanto, derrotar.
A 7 de janeiro de 2024 vão-se realizar as quartas eleições desde 2008, com a Awami League no governo.
Nestes quinze anos, a Awami League conseguiu progressos enormes no país. Conseguiu finalmente julgar e sentenciar alguns dos principais responsáveis pelo genocídio islamista de 1971, que eram simultaneamente figuras maiores do integrismo islâmico internacional, conseguiu derrotar e pulverizar a generalidade dos grupos terroristas, laicizou a Constituição, começando uma política activa de protecção da mulher, promoveu um notável crescimento económico, acolheu mais de um milhão de refugiados da Birmânia e preservou o essencial de um regime democrático.
Entre as rosas, há também espinhos. As autoridades contemporizaram com militares e islamistas, cometeram-se abusos, não se conseguiu ultrapassar a cultura de violência política e desenvolveram-se os vícios típicos das longas permanências no poder.
O integrismo islâmico declarou guerra ao país, sendo para mim óbvio que depois da instalação dos Taliban no Afeganistão o seu mais importante objectivo para a Ásia do Sul é a reintrodução do integrismo islâmico no Bangladesh.
O Ocidente continua perdido na sua deriva wokista manipulada pelo islamismo e tem-se limitado a apoiar a agenda islamista financiada pelo Qatar que quer ver o Bangladesh reconduzido de novo aos caminhos do integrismo islâmico.
A incompatibilidade do islamismo com um sistema humanista e democrático foi demonstrada vezes sem conta nas últimas décadas e não é preciso fazer qualquer experiência no Bangladesh para voltar a confirmá-lo.
O caminho a percorrer começa pela denúncia e isolamento das redes islamistas dirigidas a partir do Qatar e do Irão e a construção de uma plataforma que assente no secularismo, entendido como a aceitação de toda a religião na medida em que toda a religião aceite não ser seguida por todos, no Estado de direito, nas regras democráticas e no humanismo.