Dhaka é hoje uma das maiores megalópoles do mundo (mais de 23.000.000 habitantes estimados em 2023) , e entre estas, é a mais densa, com mais de 30.000 habitantes por quilómetro quadrado, à imagem de resto do país que tem cento e setenta milhões de habitantes numa área comparável à da Grécia.
Quando aterrei pela primeira vez na cidade, há onze anos, era já a mais congestionada que já alguma vez conheci, e continua a sê-lo, apesar dos impressionantes investimentos feitos em múltiplos e enormes viadutos e em linhas de metro (o metro não existia então e os viadutos eram uma raridade) e do facto de a composição do tráfego ser hoje muito diferente, com o quase total desaparecimento dos veículos de tracção animal ou mesmo humana e a diminuição do número de riquexós, com a multiplicação dos veículos motores, muitos de grande cilindrada.
O Bangladesh desenvolveu-se nos últimos quinze anos a um ritmo vertiginoso, e conseguiu passar de caso perdido e de país condenado à miséria – profecia de um dos maiores inimigos da criação do país, Henri Kissinger – ao lugar cimeiro do subcontinente indiano na maioria dos indicadores humanos e socioeconómicos (só o pequeno arquipélago das Maldivas, com escassas centenas de milhares de habitantes e que não serve de termo de comparação o ultrapassa).
Posto isto, os problemas existem e são importantes, sendo que os verdadeiros amigos do país – e depois de muito trabalhar com o Bangladesh, tenho um enorme carinho e estima por este e incluo-me no seu número – não devem ser condescendentes com eles.
Mas tão pouco devem deixar de entender que os países cujo modelo político nesse mesmo subcontinente foi mais influenciada pela lógica de Henri Kissinger, feita de aliança ocidental ao integrismo islâmico: o Paquistão e o Afeganistão, são hoje indisfarçáveis desastres políticos e socioeconómicos.
Há cinquenta anos, havia pelo menos um argumento para que os EUA e o Ocidente apoiassem os regimes militares em aliança com a ideologia islamista: conter a União Soviética; hoje, nem sequer esse argumento existe, sendo a política ocidental desprovida de qualquer racionalidade.
A aplicação ao Bangladesh do modelo político paquistanês, abertamente reivindicada pela oposição política do Bangladesh, formada pelo partido descendente da ditadura militar com o fanatismo islâmico e implicitamente defendida pela aliança ocidental, é a receita incontornável para desviar o Bangladesh do caminho da abertura e desenvolvimento para o transformar num novo Paquistão ou mesmo Afeganistão.
Só a intoxicação da opinião pública ocidental pela máquina de propaganda que veio parcialmente à luz com o ‘Qatargate’ aliada à lógica de transformar a estratégia política internacional numa forma de enriquecimento rápido, exposta no Bidengate, permite entender como o Ocidente apoia esta lógica suicida.
Como o compreendi há vinte anos no Iraque, já então era possível pôr a realidade de pernas para o ar através de poderosas estratégias de desinformação. Pela minha parte, tentarei contribuir para que o desastre iraquiano não se repita no Bangladesh.