No livro em que relata seus últimos dias de vida, após ter sido diagnosticado com um câncer esofágico devastador, o jornalista e escritor britânico Christopher Hitchens (1949-2011) lembra o momento em que, pela primeira vez, a sombra da morte realmente o assustou: “Mais de uma vez em minha vida, acordei com a sensação de estar morto.
Mas nada me preparou para o começo da manhã de junho em que recobrei a consciência sentindo-me como que acorrentado a meu próprio cadáver”.
É com esse sentimento angustiante de proximidade da morte que se encontra não um ou outro brasileiro – mas, sim, o conjunto da população. O Brasil se tornou, nesta semana, o epicentro mundial da pandemia do novo coronavírus, ao ultrapassar os Estados Unidos e despontar, tragicamente, como o país com a maior média diária de mortes por Covid-19. Só na terça-feira (9), a doença mais mortal no Planeta hoje ceifou a vida de 1.954 brasileiros e de 1.947 norte-americanos.
Nos Estados Unidos, a mudança de estratégia no enfrentamento à pandemia foi fundamental para conter o avanço do vírus. É fruto direto da derrota de Donald Trump nas eleições presidenciais de novembro passado – uma contundente reação do povo estadunidense à política negacionista de seu ex-presidente. Com a posse do novo titular da Casa Branca, o democrata Joe Biden, a média semanal de mortes no país – que estava em alta – caiu de 18 mil em dezembro para 14 mil em fevereiro.
O Brasil, porém, continua a ser governado por um líder de extrema-direita que tenta impor uma política genocida ao povo. Jair Bolsonaro sabota o combate à pandemia, ridiculariza os cuidados mais básicos de prevenção (como o uso de máscara), estimula aglomerações, retarda a campanha de vacinação e condena milhares de brasileiros à morte.
Com tamanha e tão criminosa irresponsabilidade, não é de surpreender que, infelizmente, o País tenha batido novamente, nesta quarta-feira (10), o recorde diário de contaminações e mortes por Covid-19. Nas últimas 24 horas, foram nada menos que 79.876 novos casos (mais do que um estádio do Maracanã lotado) e 2.286 óbitos. Um a cada três novos casos no mundo está no Brasil. Desde o início da pandemia, já são 270.917 mortes, para um total de 11,2 milhões de infecções.
Enquanto isso, somente 4,26% da população foi vacinada – o que atrasa ainda mais o controle da pandemia no País. Para piorar, passado o drama da falta de oxigênio hospitalar que atingiu alguns estados – sobretudo na região Norte –, dissemina-se agora a crise da lotação de leitos de UTI (unidade de terapia intensiva), que precipita o óbito de pacientes com Covid-19.
Em 12 estados e no Distrito Federal, mais de 90% das vagas em UTIs estão ocupadas. Só no estado de São Paulo, 38 pessoas morreram neste mês à espera de leitos, sendo 12 delas na cidade de Taboão da Serra, na região metropolitana. Em Rondônia, a ocupação nas UTIs é de 100%. Capitais como Aracaju, Porto Alegre, Porto Velho e Rio Branco também já registram filas de pacientes.
A omissão de Bolsonaro diante do descalabro tem levado gestores estaduais e municipais a articularem saídas alternativas. Nesta quarta-feira (10), 21 governadores assinaram um contundente documento que propõe o Pacto Nacional pela Vida e pela Saúde. A ação dos governantes tem três eixos: acelerar a vacinação, difundir medidas preventivas e ampliar os leitos hospitalares, com a integração dos sistemas hospitalares.
“O coronavírus é hoje o maior adversário da nossa Nação. Precisamos evitar o total colapso dos sistemas hospitalares em todo o Brasil e melhorar o combate à pandemia. Só assim a nossa Pátria poderá encontrar um caminho de crescimento e de geração de empregos”, assinalam os governadores no documento.
No país que virou epicentro da pandemia e que está cara a cara a morte, as bandeiras da “Vacina Já” e da retomada do auxílio emergencial são cada vez mais urgentes. Nada, porém, sobressai com mais clareza do que a necessidade de derrotar o bolsonarismo – para que tantos brasileiros deixem de se sentir “acorrentados ao próprio cadáver”.
Texto em português do Brasil
Exclusivo Editorial PV / Tornado