O que tem sido apresentado à opinião pública como uma greve decretada pelos sindicatos de enfermeiros pode ter outras leituras. Os profissionais de enfermagem tanto podem ser vistos como assalariados como empresários.
É que alguns (muitos? poucos?) são assalariados no serviço público e simultaneamente são empresários no privado, uns a título individual, outros como patrões de empresas prestadoras de serviços, outros ainda são assalariados no público e no privado.
Assalariados no público e no privado, assalariados no público e patrões no privado, empresários de sociedades anónimas e a título individual, no entanto todos se apresentam perante a opinião pública acolhidos debaixo do manto protector e facilitador de obtenção de reconhecimento público de “sindicatos” e todos invocam as leis do trabalho para justificarem ao “patrão” Estado as suas reivindicações de trabalhadores, de explorados pelo capital! Já quanto ao sector privado, onde são patrões, não há revindicações! Claro.
Ora, estes “sindicatos” onde se reúnem os interesses de patrões e assalariados são típicos do corporativismo! Portugal foi um Estado corporativo até ao 25 de Abril de 74. A contrapartida da consensualização de interesses do trabalho e do capital, arbitrada pelo Estado, é a renúncia à greve ou a sua proibição.
Estas corporações, de facto, sob a máscara de sindicatos, aproveitam-se do estatuto da greve enquanto trabalhadores para obterem lucros patronais! É o dois em um. A Ivone Silva fez uma rábula numa revista em que jogava com esta ambiguidade: segundo as conveniências de umas vezes Olívia Patroa e de outras Olívia Costureira. É esta rábula hipócrita e oportunista que os sindicatos de enfermeiros estão a representar, mas uma rábula macabra, que joga com a saúde e a vida dos cidadãos.
No presente, esta organização corporativa de patrões e assalariados na área da prestação de serviços de enfermagem, que até tem um fundo de maneio de origem anónima (talvez os enfermeiros patrões saibam alguma coisa) apresenta-se ao maior patrão, o Estado (os contribuintes), aquele que paga a base fixa e segura dos seus rendimentos, com a máscara dolorosa dos assalariados reunidos em sindicato para defenderem as suas justas revindicações, constitucionalmente garantidas a trabalhadores por conta de outrem. Chama-se a isto mamar em todas as tetas. É legítimo? É merecedor de consideração e respeito?
Vistos como empresários, os enfermeiros estão a agir em cartel. Sendo que “Cartel é um acordo explícito ou implícito entre empresas para fixação de preços ou cotas de produção, divisão de clientes e de mercados, de atuação coordenada entre os participantes para aumentar os preços dos produtos, obtendo maiores lucros, em prejuízo do bem-estar do consumidor.”
A dita “greve” dos ditos “sindicatos” corresponde a esta definição de cartel. E até à de cambão: isto é, a acção concertada para obterem a compra de determinados bens ao preço definido entre os elementos do cambão.
Não me parece que um governo, independentemente da sua matriz ideológica, deva aceitar negócios propostos por um cartel ou por um grupo de empresários que acertaram entre si um cambão. E todo esta mistificação sob o manto nada diáfano de sindicatos e de sagrados direitos… Isto, mesmo sem considerar que se trata de um bem essencial, a saúde e a vida dos cidadãos.