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Sexta-feira, Dezembro 20, 2024

O cerco à Ucrânia e a catástrofe ocidental

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Hoje como ontem, o apaziguamento de exigências inaceitáveis é o caminho mais curto para a guerra e a dissuasão é o caminho mais seguro para a evitar. Nesta corrida contra o tempo joga-se o nosso futuro.

  1. O desastre Biden

Numa análise assaz pobre sobre a guerra contra a Ucrânia, o Economist de 8 de janeiro acerta no entanto em algo essencial: a preocupação primeira de Putin é a ameaça que para ele representa a democracia ucraniana e o seu potencial efeito de contágio na Rússia.

Uma semana depois, uma caricatura do mesmo Economist avança uma explicação subentendida para o drama ucraniano que lhe tinha falhado antes, e que é o desastre Biden. Ficou por explicar, contudo, por que razão o Economist só partilhou esta descoberta com os seus leitores no dia 15, e não no dia 8, e mais importante ainda, por que não em 2020, antes das eleições americanas.

A evidente senilidade do Presidente americano, que obrigou os serviços da Casa Branca (ou seja os que são supostos divulgar a posição do Presidente) a corrigir o convite implícito deste a Putin a invadir a Ucrânia – desde que a incursão seja pequena – não é nada que não se fizesse notar há um ano atrás.

Ao ver a forma como as redes de influência norte-americanas tornaram Biden na escolha incontornável, não posso deixar de me lembrar da forma como o que os argelinos chamam ‘Le Pouvoir’ (o poder de facto) conseguiu manter na cadeira presidencial durante duas décadas Abdelaziz Bouteflika, que nos últimos tempos do seu mandato estava desprovido das capacidades mínimas de discernimento.

O mesmo ‘deep state’ (tradução para inglês dos EUA do ‘Le Pouvoir’ do francês argelino) que inventou uma conspiração russa que teria dado o poder a Trump, ludibriou a opinião pública num ponto essencial: as preferências de Putin nas eleições num país ocidental não se fazem notar necessariamente através do que se publica na ‘Russia Today’.

O problema é que o ‘Big Business’ (que quer fazer dinheiro não interessa como) e Putin – como vários outros inimigos da democracia – tiveram aqui uma notável confluência de interesse em ter alguém incapaz à frente dos EUA, e toda a encenação sobre a conspiração russa que manobraria Trump serviu essencialmente para esconder este facto.

A Ucrânia é a reedição europeia do que foi o Afeganistão o ano passado. Mais do que na Jihad ou na Rússia, há que ver que o problema está no Ocidente, e na sua incapacidade de fazer face aos seus inimigos.

  1. Macron promete assinar a rendição!

O primeiro objectivo da ofensiva russa sobre a Ucrânia é o de desfazer a OTAN. Macron, contrariamente a Biden, não está senil, é mesmo intelectualmente o mais brilhante dos líderes ocidentais, e compreendeu isso seguramente. No entanto, como as suas declarações de perseguição aos ‘negacionistas’ covidianos revelam, há qualquer coisa de pouco saudável na sua lógica política.

No acto inaugural da Presidência francesa da União Europeia, quando discursa perante o Parlamento Europeu, Macron oferece a primeira grande vitória a Putin, ao declarar a necessidade de a União Europeia fazer um pacto com Putin à margem da Aliança Atlântica, o que nas circunstâncias, não pode querer dizer outra coisa do que desfazer a OTAN e entregar à Rússia a Ucrânia, em condições que fazem lembrar a forma como outrora se entregou a Checoslováquia a Hitler.

É o estilo Daladier no seu pior, mascarado de gaulista para consumo interno. O palco interno é o que agora o interessa, por que a Presidência Europeia é para Macron apenas uma peça da campanha eleitoral. Em qualquer caso, os competidores potenciais de Macron são Marine Le Pen, de posições ostensivamente pró-russas e cujo financiamento é abertamente russo, e Valérie Pécresse, que começou por frequentar os campos soviéticos para a juventude, tomou posições contra a diplomacia francesa e a favor da Rússia em momentos políticos cruciais e que em nada se demarcou desta política de apaziguamento. Ou seja, com ou sem Macron, Putin joga sempre em casa.

A França é essencial por que a França é o único país que tem um exército que conta na defesa europeia. A Grécia tem forças armadas que contam, mas resume as suas preocupações estratégicas à sua defesa perante a Turquia; o Reino Unido tem defesa, mas a desastrosa estratégia impulsionada pela administração Trump fez com que deixasse de contar na Europa.

E é por isso que é fundamental ter a coragem de condenar esta capitulação de Macron, de enfrentar a demagogia da pretensa terceira via entre os EUA e a Rússia, o suposto distanciamento de Macron perante os EUA – porque se trata da mesma política de Biden – e a pretensa alternativa à direita.

É preciso reinventar a esquerda, abandonado os títeres que fazem a defesa das petro-ditaduras como a Venezuela e dos carrascos islamistas contra as mulheres muçulmanas, agarrando os princípios da liberdade, igualdade e fraternidade, dentro e fora de fronteiras.

  1. O bazar berlinense

Depois há a Alemanha, cujas forças armadas não pesam num cenário de confrontação, mas cuja lógica mercantilista foi a principal responsável pelo desastre ucraniano. O desastre começou quando a União Europeia – sob completa inspiração e influência alemãs – ofereceu à Ucrânia um acordo comercial que permitia a integração da economia ucraniana na europeia, e que era alternativo ao que a oligarquia ucraniana do Presidente Yanukovych tinha cozinhado com a Rússia, levando assim os ucranianos a revoltar-se contra ele.

O problema não esteve em fazer a oferta ou apostar em trazer a Ucrânia e o resto do mundo para o terreno democrático – contrariamente ao que afirma o campo do apaziguamento europeu exemplificado aqui pela imprensa suíça alemã – o problema está antes em entender que a democracia e a geopolítica não se podem tratar com a lógica da elite alemã, que é a do ‘Bazar Berlinense’.

A diplomacia alemã que impulsionou esta oferta à Ucrânia foi a mesma que simultaneamente impulsionou o gasoduto Nordstream que foi determinante no cerco estratégico à Ucrânia, ou seja, que se vendeu a ambos os lados do confronto, pensando apenas em negócios sem nunca equacionar as suas consequências políticas.

E quando se trata de assumir politicamente as consequências das posições tomadas, eis que a Alemanha só pensa em apaziguar a Rússia ignorando as suas responsabilidades e os seus anunciados princípios. Desde que a Rússia começou o actual cerco à Ucrânia e que exigiu a rendição da OTAN como condição para não invadir militarmente o país, que a Alemanha tudo tem feito para sabotar a defesa ucraniana.

Especialmente chocante foi o bloqueio de equipamento de defesa anti-drones com o inconcebível argumento de que esse mecanismo iria ‘despoletar a guerra’; ou seja, para as autoridades de Berlim, procurar defender-se de uma agressão é despoletar a guerra. A ameaça de ‘sanções’ que os diplomatas ocidentais têm agitado, foi já igualmente esvaziada pela diplomacia alemã de qualquer conteúdo dissuasivo, explicando que nunca deixariam passar nada que perturbasse significativamente as suas relações comerciais com a Rússia.

Curiosamente, o Reino Unido, antes como agora, aparece como a única potência que está a fazer algo de substantivo para suster o ataque russo, fazendo encaminhar armamento de defesa anti-tanque em voos que de forma difícil de entender fazem longos desvios para não atravessar território alemão.

Hoje como ontem, o apaziguamento de exigências inaceitáveis é o caminho mais curto para a guerra e a dissuasão é o caminho mais seguro para a evitar. Nesta corrida contra o tempo joga-se o nosso futuro.

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