“Não se requer muita força para levantar um cabelo, não é necessária uma vista aguda para se ver o sol e a lua, nem se precisa de um grande ouvido para se escutar o ribombar do trovão.”
Sun Tzu
“Somos todos filhos da mesma história.”
DMG
Breves anotações dispersas sobre “O Chá do Príncipe”
Das ilhas maravilhosas chega-nos mais uma obra com cheiro a Atlântico com o trópico lá dentro. Um baobá santomense e africano traz do baú ancestral contos que libertam para o mundo tesouros escondidos como quem liberta as asas de um Picanço-de-São-Tomé que o abraça; irrompe com o sagaz ímpeto de uma escrita iluminada, aglutinadora das tradições oralizantes santomenses e africanas.
A viagem é longa, e muito instrutiva, orientadora, cronométrica e didáctico-pedagógica, ou não fosse a autora uma prolífica pedagoga e exímia contadora de histórias que nos convida como que retomando o velho hábito da fogueira ancestral para nos contar coisas antigas, mas sempre novas , renovadas e actuais, porque fazem parte do nosso património. Um legado precioso e único para o mundo.
Não estranho por isso que cada conto seja antecipado por sábios provérbios que, sendo universais, não deixam de ser profundamente santomenses
Ao tomar como tarefa a escrita de uma espécie de posfácio para tão grande e ilustre senhora da literatura santomense, lusófona e africana de língua portuguesa a quem chamei de “mãe África”, referência de todas as literaturas de expressão portuguesa, senti uma enorme responsabilidade, tamanha foi a honra. Quero com isto dizer, e sem que de forma alguma force o tom das palavras, que, no decorrer da mesma, me encontrei com um arco de tempo em todo o seu esplendor e sortilégio, como quando um filho bebé nos procura contar uma história sem ter lido um único livro, mas que sempre foi um bom ouvinte.
Tal era o entusiasmo, a tensão que me tomava e dominava, tal o encantamento a cada página folheada, tal a angústia da descoberta a cada passo, que por diversas vezes me vi obrigado a interromper o contacto que com ele ia tendo e mantendo regularmente com as personagens. Mas era uma tarefa que deveria ser morosa, não por qualquer dificuldade da leitura e sim pelo enorme envolvimento que se estabeleceu entre mim e o corpo deste vervente e “enorme” livro de contos que abracei como se estivesse a abraçar fraternalmente a poeta com alma de uma anciã antiga que nos delícia com sua sabedoria altruísta.
Verdadeiramente, os contos só acabam quando as crianças – adultos ou os adultos – crianças descobrem outros mistérios por dentro do mistério que nelas habita.
E sempre ouvi dizer que quem conta um conto, acrescenta um ponto. Nestes contos, “bebidos” da grande tradição oral africana com muita poesia nas entranhas, Olinda convoca-nos quase sussurrando para o reencontro da nossa grande família, para todos juntos nos sentarmos à volta da fogueira ancestral e retomarmos algo que já faz parte de nós e da nossa alma. A candura da sua depurada escrita revela-nos muito do ser que serenamente vai lendo o mundo de forma muito singular e única.
Escrita que convoca, impele, apela, desafia, interroga, planta, revolve, canta e colherá finalmente o fruto inicial da impossibilidade da indiferença perante esta poeta e contadora de histórias.
Creio que a chave da leitura desta obra nos remete para a geografia microcósmica da poeta – contadora de histórias, que respira São Tomé e Príncipe e que amplexa todo o universo, como que estendendo os braços curtos das ilhas maravilhosas que se vão tornando largos nesse diálogo, libertando um raro manancial para entendermos melhor os contornos e as origens daquilo que vulgarmente designamos por ficção narrativa santomense.
Bayete, poeta, por mais esta tremenda e ousada oferenda que nos apela à descoberta!
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