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Terça-feira, Julho 16, 2024

“O Chá do Príncipe” de Olinda Beja

Delmar Gonçalves, de Moçambique
Delmar Gonçalves, de Moçambique
De Quelimane, República de Moçambique. Presidente do Círculo de Escritores Moçambicanos na Diáspora (CEMD) e Coordenador Literário da Editorial Minerva. Venceu o Prémio de Literatura Juvenil Ferreira de Castro em 1987; o Galardão África Today em 2006; e o Prémio Lusofonia 2017.

Não se requer muita força para levantar um cabelo, não é necessária uma vista aguda para se ver o sol e a lua, nem se precisa de um grande ouvido para se escutar o ribombar do trovão.”
Sun Tzu

Somos todos filhos da mesma história.
DMG

Breves anotações dispersas sobre “O Chá do Príncipe”

Das ilhas maravilhosas chega-nos mais uma obra com cheiro a Atlântico com o trópico lá dentro. Um baobá santomense e africano traz do baú ancestral contos que libertam para o mundo tesouros escondidos como quem liberta as asas de um Picanço-de-São-Tomé  que o abraça; irrompe com o sagaz ímpeto de uma escrita iluminada, aglutinadora das tradições oralizantes santomenses e africanas.

A viagem é longa, e muito instrutiva, orientadora, cronométrica  e didáctico-pedagógica, ou não fosse a autora uma prolífica pedagoga e  exímia contadora de histórias que nos convida como que retomando o velho hábito da fogueira ancestral para nos contar coisas antigas, mas sempre novas , renovadas  e  actuais, porque fazem parte do nosso património. Um legado precioso e único para o mundo.

Não estranho por isso que cada conto seja antecipado por sábios provérbios que, sendo universais, não deixam de ser profundamente santomenses

Ao tomar como tarefa a escrita de uma espécie de posfácio para tão grande e ilustre senhora da literatura santomense, lusófona e africana de língua portuguesa a quem chamei de “mãe África”, referência de todas as literaturas de expressão portuguesa, senti uma enorme responsabilidade, tamanha foi a honra. Quero com isto dizer, e sem que de forma alguma force o tom das palavras, que, no decorrer da mesma, me encontrei com um arco de tempo em todo o seu esplendor e sortilégio, como quando um filho bebé nos procura contar uma história sem ter lido um único livro, mas que sempre foi um bom ouvinte.

Tal era o entusiasmo, a tensão que me tomava e dominava, tal o encantamento a cada página folheada, tal a angústia da descoberta a cada passo, que por diversas vezes me vi obrigado a interromper o contacto que com ele ia tendo e mantendo regularmente com as personagens. Mas era uma tarefa que deveria ser morosa, não por qualquer dificuldade da leitura e sim pelo enorme envolvimento que se estabeleceu entre mim e o corpo deste vervente e “enorme” livro de contos que abracei como se estivesse a abraçar fraternalmente a poeta com alma de uma anciã antiga que nos delícia com sua sabedoria altruísta.

Verdadeiramente, os contos só acabam quando as crianças – adultos ou os adultos – crianças descobrem outros mistérios por dentro do mistério que nelas habita.

E sempre ouvi dizer que quem conta um conto, acrescenta um ponto. Nestes contos, “bebidos” da grande tradição oral africana com muita poesia nas entranhas, Olinda convoca-nos quase sussurrando para o reencontro da nossa grande família, para todos juntos nos sentarmos à volta da fogueira ancestral e retomarmos algo que já faz parte de nós e da nossa alma. A candura da sua depurada escrita revela-nos muito do ser que serenamente vai lendo o mundo de forma muito singular e única.

Escrita que convoca, impele, apela, desafia, interroga, planta, revolve, canta e colherá finalmente o fruto inicial da impossibilidade da indiferença perante esta poeta e contadora de histórias.

Creio que a chave da leitura desta obra nos remete para a geografia microcósmica da poeta – contadora de histórias, que respira São Tomé e Príncipe e que amplexa todo o universo, como que estendendo os braços curtos das ilhas maravilhosas que se vão tornando largos nesse diálogo, libertando um raro manancial para entendermos melhor os contornos e as origens daquilo que vulgarmente designamos por ficção narrativa santomense.

Bayete, poeta, por mais esta tremenda e ousada oferenda que nos apela à descoberta!

 

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