A espuma esvoaça a tarde quente desta cidade adormecida no trânsito.
Sinto o odor efémero das quimeras vendidas ao avulso pelos cantos perdidos do tempo, da noite que se espera descansada e nada, é tão cedo ainda que desespero pelo som dos abutres subindo penhascos verdes onde tudo está seco.
O cheiro explana a vigília de muros onde as paredes nos ocupam, param a visibilidade, encostam-nos a um fim calado, um rumo sem voz, mas distantes vontades ainda ali, o encruzilhar do tempo num sorriso repleto, a voz amarga do fim da tarde e nós sentados no quintal do tempo, as areias navegantes vertiginosas dançam antigos onde me fazem recordar os meus pais abraçados nesse mesmo quintal, uma senhora de longe embrenha-se, olhando com vaidade o creso ali estampado, o siso nu enquanto a malta espera pela noite e ela vagarosamente a surgir.
O cheiro salubre desce no intervalo de nuvens, a chuva ameaça cansar-nos, seguimos trilhos incolores como a terra queimada a crescer à beira da estrada, o vento acompanha-nos solidário e sentimo-nos menos sós, eu e a senhora sentada na escadaria de uma casa perto das ondas do mar.
Perdi o nome das coisas, esqueci-me de mim próprio tal o entusiasmo por esta maresia divagante a esconder-se de mim, fungos e funcos náufragos relatam-me as suas vivências cheias de qualquer coisa ainda por descobrir, tento, ainda que em silêncio, resmungar contra todos, é uma vontade de me cansar tal a necessidade de mergulhar mares encostados à silhueta dos rostos que admiro, a vida que me explana em vias sem retorno de casas viciadas em felicidade sorvidas pelo vento soberbo das ruas da minha vida. Sim.
Ainda a senhora sentada num banco distante a observar-me, sinto como ela me transmite vontade, sinto o calor da sua ausência nesta comarca de dilúvios, neste resto de tantas coisas enfeitando-se de breu, um escuro claro na metamorfose das fomes, dos desejos, dos quereres que animam e entusiasmam tanto quanto preciso.
Há quem fale da sombra de árvores díspares pela rua estendidas, sombreando a voda de caminhantes eufóricos e nada mais, nada mais que isso é um sentido sem retorno, acredito que nada volte depois de uma partida assim tão conturbada, uma confusão de espinhos e espinhas a gatearem-me a garganta, a ofuscarem-me tanto dos sonhos pretendidos, tanto da vida imaginado, bancos ao longo da avenida onde sonhos se esticam e explanam com misericórdia, o lamento das ostras e dos defuntos desta saudade ainda que vivos, o remorso de tantas idas ao infortúnio cansadas, não, não é disto que espero para me acompanhar para os dias que me restam e serão garantidamente muitos.
Talvez me sinta confortado nesta sala de rua ao longo de vidas no esplendor árido de vidas vividas e com uma vida para continuar, a sério, o esplendor é um vício que não me cansa, não farta, é nele, pois, que me vingo de mim mesmo.
do livro Reflexões Profundas,
Vítor Burity da Silva
Crónicas