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Domingo, Dezembro 22, 2024

O cisma ortodoxo

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

A UE – em particular a Alemanha – não parece ter plena consciência daquilo que está em jogo, sendo que continua a imperar uma visão mercantilista pela qual é mais importante promover um bom negócio do que promover uma política coerente à qual se submetam as oportunidades do negócio, sendo o exemplo mais evidente o acordo germano-russo para a construção de um gasoduto que possa fornecer gás sem ter de passar pela Ucrânia.

  1. A excomunhão de Constantinopla

O Middle East Middle East Research Institute dá-nos a mais profunda e bem documentada análise do cisma ortodoxo, pelo qual o Sínodo da Igreja Ortodoxa de Moscovo – significativamente reunido em Minsk, fora das fronteiras russas – declarou a sua independência (e na verdade, utilizando mesmo a figura da excomunhão) do Patriarcado ecuménico de Constantinopla.

Desde o grande cisma do século XI, em que Roma se retirou da Pentarquia (feita dos cinco patriarcas; Roma, Constantinopla, Alexandria, Antioquia e Jerusalém) este é o maior cisma ortodoxo e separa o maior patriarcado, o russo, do resto da igreja ortodoxa, tendo como razão o reconhecimento por Constantinopla da independência (autocefalia) da igreja ortodoxa de Kiev.

A excomunhão poderá de resto ter implicações também no teatro de guerra sírio e constitui um sintoma muito negativo para o processo de reaproximação entre católicos e ortodoxos posteriormente ao encontro do Patriarca Atenágoras com o Papa Paulo VI em 1964.

O cisma religioso foi acompanhado de declarações políticas ucranianas, americanas e russas, sendo estas últimas de longe as mais preocupantes, na medida em que colocaram em questão a necessidade de defender a igreja russa na Ucrânia como se esta enfrentasse alguma perseguição pelas autoridades ucranianas e em moldes muito semelhantes aos utilizados por Moscovo antes de desencadear a invasão do país em 2014.

  1. O aumento do tom de ameaça de Moscovo

A declaração da “guerra santa” foi feita na sequência da anulação da cimeira dos governos ucraniano, russo, alemão e francês prevista para Setembro e do anúncio unilateral de “eleições” nos territórios ucranianos informalmente controlados por Moscovo.

A invasão da Ucrânia pelas forças russas causou já mais de 10.000 vítimas, um profundo rasto de destruição e cerca de um milhão e oitocentos deslocados para o resto do país, com cerca de quatrocentos mil refugiados na Rússia. Para além da destruição, no território sob controlo russo reina o caos.

As sucessivas iniciativas diplomáticas têm servido para manter o conflito sob controlo, mas não conseguiram por hora trazer a paz e a estabilidade à zona. A agressão russa contribuiu para que o país esteja hoje mais unido do que antes na rejeição da Rússia e apostado numa aproximação à União Europeia.

A invasão da Ucrânia é apenas o mais ostensivo e mais próximo acto agressivo de Moscovo que, sob a direcção de Putin, apostou numa lógica puramente imperial, colocando em questão tudo o que se pensava ter sido adquirido com o fim da cortina de ferro.

  1. A ambiguidade europeia

A causa próxima da invasão russa foi a assinatura pelas autoridades ucranianas de um acordo de associação com a União Europeia, a que Moscovo tinha aplicado o seu veto. A aquiescência das autoridades ucranianas ao veto de Moscovo levou a uma sublevação popular e a eleições, com finalmente a assinatura do acordo que depois de um demorado processo de ratificação entrou em vigor o ano passado.

A União Europeia condenou a invasão russa, submetendo o país a um sistema de sanções, e tem prestado – aqui mais a Alemanha do que a União Europeia – assistência aos desalojados ucranianos das regiões ocupadas. Tem também prestado alguma assistência económica e humanitária à Ucrânia.

Moscovo tem apostado na explosão da União Europeia por todas as formas mais ou menos convencionais. Tem apoiado todos os movimentos que exprimam discordâncias com a União Europeia e tem apostado em todos os movimentos que possam semear a divisão entre os Estados membros e, crucialmente, entre a União Europeia e os EUA.

A UE – em particular a Alemanha – não parece ter plena consciência daquilo que está em jogo, sendo que continua a imperar uma visão mercantilista pela qual é mais importante promover um bom negócio do que promover uma política coerente à qual se submetam as oportunidades do negócio, sendo o exemplo mais evidente o acordo germano-russo para a construção de um gasoduto que possa fornecer gás sem ter de passar pela Ucrânia.

Para fazer face à agressão de Moscovo é essencial ter uma visão integrada de todas as peças do tabuleiro; desarmadilhar o palco de conflito étnico-religioso que está a ser montado; abandonar a lógica puramente “neoliberal” do acordo de associação; reforçar o apoio ao Estado de Direito na Ucrânia e reforçar os laços com a população ucraniana.

 

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