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Sábado, Julho 27, 2024

O debate sobre a saúde

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

Não há lei, regulamento ou sistema que possam substituir a ética moral e profissional e não há talvez domínio em que isso mais se aplique do que na saúde, incluindo todos os seus agentes e, por força maior, os das ‘ordens’ que supostamente zelam pelo cumprimento de princípios éticos profissionais.

O CDS/PP, de acordo com notícias veiculadas por toda a imprensa nacional, vai propor a censura – e portanto a demissão – do Governo numa iniciativa que deverá ser debatida esta semana.

1. Do debate que não existe…

‘Googlei’ o tema e apareceram-me um sem número de chavões daqueles que encheram o noticiário político nos nossos 45 anos de democracia (‘O governo está esgotado’ foi o mais citado) misturado com cansativas aritméticas parlamentares e com vagas alusões a temas onde se constataram problemas no funcionamento do sistema da saúde na imprensa nos últimos tempos.

A comunicação social de resto adora este tipo de situações, dado que lhe dá a sensação de que o frenesim superficial e popular criado sobre um determinado tema espelha o sentir da opinião pública. Trata-se da mesma falta de profundidade e rigor de análise com que qualquer um de nós discorria antigamente sobre o tema à mesa do café, e com que hoje os discutimos nas redes sociais; ou mesmo com a imprensa frequentemente abaixo do nível do debate que podemos encontrar nessas mesmas redes sociais.  

Dei o benefício de dúvida à iniciativa tomada pelo partido da oposição e consultei o seu site (às 10H. de Bruxelas de 2019.02.16) mas nem uma linha existia sobre esta iniciativa que se anuncia como feita para mudar o Governo do país.

Ao fim de 45 anos, os portugueses deixaram a justo título de acreditar nesta forma de exercer os seus direitos democráticos, teatralizada em parceria numa bolha partidário-mediática, como num jogo de marionetes onde os verdadeiros actores não aparecem em cena.

Creio também que o problema não está em multiplicar o número de partidos que reproduzem os vícios dos antigos sem frequentemente assegurar sequer as suas poucas virtudes, mas numa modernização e reforma de procedimentos que só será frutífera se popularmente entendida e assumida e, em função disso, constitucionalizada.

2. … Ao falso debate

E, justamente, nas redes sociais, dei com um debate em que os polos da questão foram frequentemente o da ‘saúde privada’ versus ‘saúde pública’, o que apenas serve para cimentar um velho sistema político-partidário que usa e abusa de uns quantos chavões ideológicos para mobilizar as hostes, mas que no fundo prossegue políticas e interesses semelhantes.

Temos depois que não há neste domínio soluções milagrosas, existem os sistemas claramente ineficientes e outros que moderam os problemas sem por isso os ultrapassarem. Todos teremos conhecimento de histórias umas mais e outras menos abonatórias da forma como utentes dos serviços de saúde foram tratados, mas na realidade, se olharmos para o retrato que nos dão os principais indicadores internacionais de saúde, Portugal evoluiu de forma positiva, mais positiva que a média mundial, pelo que não há razões para pensar que a política de saúde portuguesa seja um desastre.

Depois temos os slogans como o dos ‘seguros de saúde para todos’. Em Portugal existe um seguro de saúde universal designado de ‘sistema nacional de saúde’. Propor ‘seguros de saúde para todos’ como se se tratasse de algo novo é por isso publicidade enganosa que só se pode entender pelas intenções encobertas pela promessa.  

Penso que este debate ideológico é estéril: há condições em que uma solução privada ou pública se portam melhor e outras em que é irrelevante se se trata de solução pública ou privada.

3. Os debates a fazer

Portugal funciona cada vez mais como uma parceria público-privada onde os lucros são privados e os custos do contribuinte, sendo a situação da saúde apenas mais um exemplo. O empresário ou independente fora da ‘parceria’ é crivado de impostos e é privado de oportunidades abertas e concorrenciais de negócio.

O primeiro princípio a observar é o da igualdade de todos perante a lei, sendo que o Estado em vez de ser o primeiro a sabotar o princípio deveria ser o garante do seu cumprimento.

Depois não se entende que o Estado – como aliás qualquer sistema de seguro privado ou público – não estabeleça de forma clara os limites máximos para a cobertura de cuidados de saúde bem como de sistemas independentes de verificação e controlo da necessidade e factualidade dos cuidados de saúde prestados.

É inconcebível que sejamos confrontados com uma situação de sobrefacturação de muitas dezenas de milhões de euros pelos principais grupos privados de saúde quando o cidadão é perseguido e os seus elementares direitos ignorados em situações de gravidade incomparavelmente menor.

Aquilo que teremos de debater é qual o sistema de controlo de qualidade e custos da saúde a aplicar, que organismos, que responsabilidade, que independência.

Mas para além disso, a melhor forma de controlar custos é a de ter em conta o princípio consensualmente aceite de que a saúde tem mais a ver com modos de vida do que com tratamentos. Um Serviço Nacional de Saúde deve assim começar por promover estilos de vida, combate à poluição e alimentação saudáveis como a forma mais eficaz de promover a saúde.

Depois, creio que a possibilidade de escolha entre prestadores de saúde é um princípio salutar a ser inscrito no ‘Serviço Nacional de Saúde’ bem como também acho positiva a cooperação entre prestadores de saúde e sistemas complementares de seguros de saúde (públicos ou privados) desde que tudo isto funcione de forma rigorosa e transparente.

Aqui, há naturalmente lugar para um debate, desde que ele seja claro e não se escondam negócios e interesses corporativos atrás de chavões ideológicos ocos de conteúdo.

Finalmente, temos de ter em conta que não há lei, regulamento ou sistema que possam substituir a ética moral e profissional de todos os que trabalham com um fim público, mesmo que num quadro legal privado, e que não há talvez domínio em que isso mais se aplique do que na saúde, incluindo todos os seus agentes e, por força maior, os das ‘ordens’ que supostamente zelam pelo cumprimento de princípios éticos profissionais.


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