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Sábado, Dezembro 21, 2024

O efeito borboleta Cristiano Ronaldo e as guerras culturais

Rui Galiza
Rui Galiza
Jornalista

A notícia terá surpreendido muitos. Uma seleção nacional de um país com pouco mais de 10 milhões de habitantes, e que conquistou um título internacional de relevo em todo o seu historial, ser a mais seguida no Instagram, à frente do Brasil, França, Argentina e Inglaterra, poderá ser inusitado. Mas a própria rede social forneceu a resposta: “The GOAT influence is unreal” (GOAT – Greatest of All Times – o maior de todos os tempos)(i).

O GOAT é, naturalmente, Cristiano Ronaldo, e mesmo sendo relativo se é o maior de todos os tempos ou “apenas” um dos maiores de entre uma galeria de notáveis ao alcance de muito poucos futebolistas ao longo da história, um facto é cada vez mais inegável: Provavelmente Cristiano Ronaldo é o maior ícone português de sempre.

Sobre o GOAT já se disse, e escreveu, tudo ou quase tudo: Da infância de miséria à vida de luxo, da família às relações amorosas, do egoísmo em campo e obsessão em bater recordes à excelência futebolística, das acusações em tribunal às doações anónimas recorde a causas sociais (principalmente de apoio a crianças). Tudo junto é impossível ficar indiferente ao fenómeno CR7.

Durante muito tempo afirmou-se que a rivalidade com o argentino Leonel Messi seria a causa de toda a projeção. Um duelo entre um extraterrestre caído na Argentina e um terrestre nascido em Portugal, que de tanto trabalhar construiu uma nave espacial capaz de ombrear com a do ET… Mas o tempo, e agora que ambos estão já na fase descendente e a jogar em Ligas periféricas típicas de final de carreira, veio provar que o legado do português poderá ser mais forte. Afinal foi um duelo devidamente alimentado pela imprensa e pelas redes sociais, em que o português sempre foi o rafeiro, o underdog, o “mau rapaz” que não beneficiava dos favores da FIFA que sempre protegeu o “bom rapaz”, papel atribuído ao astro argentino nesta contenda. Depois sejamos sinceros: O Ronaldo é um indivíduo bonito, alto, musculado. Já o Messi mereceu a alcunha de “a pulga”, e estas coisas também contam, como todos sabemos…

Mas se tudo, ou quase tudo, foi já falado e escrito sobre o maior ícone português, faltará talvez analisar o papel do fenômeno Cristiano Ronaldo nas chamadas guerras culturais e, principalmente, responder a uma questão: Porque foi tomado por um dos lados da contenda como “inimigo”?

Em primeiro lugar há que dizer que a força do fenómeno tem causado que Ronaldo seja alvo de “entradas duras” quer por parte quer de conservadores, ou ditos conservadores, quer de progressistas, ou ditos progressistas. Tal ficou bem visível quando o jogador optou por ser pai de forma não tradicional. Apelidado de “estupor moral”(ii), foi então protegido na praça pública por parte de quem defende a família nas suas variadas formas. Já quando surgiram notícias do processo movido nos EUA por alegada violação, os antigos colegas de equipa da facção progressista, ou dita como tal, passaram para a equipa adversária, não descansando na sanha persecutória apesar de “detalhes”, como as absolvições por parte dos diferentes tribunais nos EUA que não identificaram grande matéria para corresponder aos ensejos da queixosa(iii) (iv).

Mas para além de uma certa instrumentalização do maior ícone do país, que até pode ser considerada natural, outras utilizações do fenómeno Ronaldo assumem um carácter eventualmente mais sinistro, até porque se baseiam não naquilo que o cidadão Cristiano Ronaldo dos Santos Aveiro faz, mas sim naquilo que é, ou seja, um homem português que elevou a níveis inimagináveis uma seleção de futebol que, tal como todas as seleções de futebol, é um dos símbolos máximos da nação. E isso, certa intelectualidade, progressista ou dita progressista, jamais lhe poderá perdoar. E assim, Cristiano Ronaldo é culpado! Culpado porque canta o hino com orgulho e com ele milhares de crianças, e isso não é bom. É culpado por ser homem, ao que parece heterosexual, branco e do hemisfério norte, e isso não é bom a não ser para quem se remete a um lugar humilde pelos pecados do passado. É culpado por ser idolatrado pelo chamado sul global, que deveria apoiar o “bom rapaz” Messi. Em resumo, é culpado por ter subido tão alto que dispensa o paternalismo rançoso da elite pseudo-intelectual que pulula pelas academias e media do país. Tão “pseudo”, e tão pouco intelectual, que nem consegue discernir que um extraterrestre futebolístico é um ser imperfeito, muito imperfeito, por natureza.

Enquanto isso, a carreira do CR7 está a chegar ao fim. Sejamos sinceros que, apesar de ainda marcar uns golitos, o que coloca ao serviço da seleção já é mais o marketing do que o futebol que outrora o notabilizou. Mas estamos a ver outras facetas no europeu que agora decorre. Ronaldo parece ter deixado para segundo plano a obsessão pelos recordes e está mais preocupado em fazer brilhar os companheiros de equipa. Parece tão focado nas funções de capitão de equipa como em proporcionar recordações para a vida às crianças que entram em campo com as equipas para cantar o hino. Em resumo, depois do furacão que abalou a sua vida e o fez passar por aquilo que todos nós mais tememos, parece ter alcançado a paz, junto da companheira que conheceu como lojista em Madrid, a quem os filhos gerados de forma não tradicional chamam mãe.

Diria que é uma excelente forma de se despedir dos relvados no que ao mais alto nível diz respeito.

Tudo indica que, apesar da cada vez mais próxima retirada dos relvados, Cristiano manterá o estatuto de ícone global. Se há imagens que permanecem para além do seu tempo, a imagem da borboleta que lhe pousou no rosto lavado em lágrimas quando se tornou evidente que a entrada de que foi vítima na final do europeu que Portugal ganhou não o iria deixar dar o contributo à equipa, talvez seja a mais icónica de todas. E talvez a pseudo-intelectualidade que o crítica não pelo que faz mas pelo que é, devesse aprender com essa imagem. É que mesmo sabendo nós que não era bem uma borboleta mas sim uma traça, o efeito borboleta Ronaldo, vai continuar a existir e a repercutir por todo o mundo. Já a vossa escolha de CR7 como inimigo da vossa ideia de sociedade, é tão fraquinha e tão sem razão de ser que o mais certo é não ter uma repercussão para além do vosso quintal, isto se tiverem sorte…

Pensem nisso.

Notas

(i) Instragram

(ii) Médico Gentil Martins: “Ronaldo é um estupor moral, não pode ser exemplo para ninguém”

(iii) Não sou CR7

(iv) Temos de falar sobre Cristiano Ronaldo

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