A Universidade de Díli (UNDIL) é a única entidade de Timor-Leste que subscreveu a Declaração de São Francisco sobre Avaliação da Investigação e a Declaração de Budapeste sobre Ciência Aberta.
O Jornal Tornado foi entrevistar o Pró-reitor da Universidade de Díli da Área de Investigação, Pós-graduação e Cooperação com a CPLP, Manuel Azancot de Menezes, académico doutorado em educação na especialização de administração e política educacional pela Universidade de Lisboa e um dos principais especialistas timorenses na área da educação e do ensino superior:
Qual é o estado da arte da investigação científica em Timor-Leste?
Se entendermos o conceito de “estado da arte” como sendo a produção do conhecimento sobre determinado tema podemos afirmar com propriedade que a investigação científica em Timor-Leste, reconhecida como tal pela comunidade científica internacional, é quase nula, à excepção das teses de doutoramento que são realizadas por académicos timorenses no Brasil, Portugal e Japão, entre outros países.
A verdade é que na maior parte das instituições de ensino superior do país não há cultura de investigação. Para muitos gestores de universidades e institutos superiores do país, a investigação é aquela que é produzida no âmbito das monografias e trabalhos de fim de curso e não se avança mais do que isso. Ora, a investigação empírica realizada nos cursos de graduação é importante mas está muito longe de ser considerada como investigação científica reconhecida pela comunidade científica internacional.
Um outro indicador desta constatação é verificável também pelo facto das universidades, institutos, centros de investigação, públicos e privados, não serem signatários, por exemplo, da Declaração de Budapeste sobre Ciência Aberta e da Declaração de São Francisco sobre Avaliação da Investigação que utiliza a sigla DORA (San Francisco Declaration on Research Assessment) .
Repare, a Universidade de Díli é a única entidade que fez avanços nessa matéria e, confesso, tenho muito orgulho em sermos pioneiros em Timor-Leste porque assumimos um compromisso internacional com a qualidade e a transparência na investigação científica. Este dado é importante para reflectirmos, todos nós, no sentido de percebermos o nosso estádio actual, como é que vamos caminhar e para onde queremos ir.
O que eu tenho verificado é que há uma preocupação de vários académicos do país em publicar artigos em revistas internacionais para somar métricas quantificáveis baseadas em revistas e outras publicações no pressuposto (errado) de que são as práticas recomendáveis para se avaliar a qualidade da investigação ou do académico que faz pesquisa.
Confesso que tenho uma outra visão, o nosso objectivo não deve ser coleccionar citações e métricas quantificáveis, com o estabelecimento e disputa de rankings, sabendo nós que por detrás de tudo isto há um grande negócio, pouco saudável em contexto de investigação científica.
Então, como avaliar a investigação científica?
A avaliação da investigação segundo recomendações da Declaração de São Francisco / DORA, pelo contrário, deve basear-se na avaliação pelos pares, na avaliação de outros cientistas e investigadores, em processos transparentes, por isso estamos a observar em todo o mundo a expansão dos repositórios de publicações de artigos científicos.
A principal recomendação da DORA é, precisamente, a não utilização de métricas, como o factor de impacto baseadas em revistas e o índice h, inferindo-se erradamente a qualidade de um investigador e de um artigo com base exclusivamente nesses critérios.
Aliás, já o referi neste mesmo jornal, a investigação científica deve ser avaliada pelos seus próprios méritos e não estar dependente do prestígio das revistas científicas ou dos excessos associados às métricas quantificáveis.
O défice de cultura científica em Timor-Leste tem a sua origem nos ensinos primário e secundário.
O que está mal começa no ensino primário e secundário?
Exacto! Porque nas práticas pedagógicas nestes níveis de ensino não se usam metodologias de ensino-aprendizagem que promovem o desenvolvimento de competências, a inovação e o pensamento crítico, factores essenciais à iniciação científica.
Pela minha experiência, o que eu verifico é que se privilegia o ensino expositivo e memorístico, sem estar centrado no desenvolvimento de competências dos alunos, portanto, há uma aprendizagem dos conteúdos de forma atomizada, sem qualquer relação e interacção com a sociedade.
Neste aspecto, o Ministério da Educação precisa de fazer muito mais, ou seja, quase tudo está por fazer, desde resolver a trapalhada que continua a existir com as línguas de ensino no pré-escolar e no ensino primário, criando dificuldades ao desenvolvimento da língua portuguesa, até às competências científicas e didáctico-pedagógicas dos professores, havendo necessidade de se abrir urgentemente uma Escola Superior de Educação para a formação inicial de professores e de gestores escolares, um projecto que tem o apoio total do Brasil.
O que fazer para desenvolver a investigação científica em Timor-Leste?
No caso da Universidade de Díli (UNDIL) pretendemos cumprir com as sábias orientações do nosso Magnífico Reitor, José Agostinho da Costa Belo Pereira, um gestor universitário muito atento à mudança e à inovação.
Neste momento temos dois grupos de investigação em actividade, um em ciências da educação e um outro grupo de investigação em saúde pública, este último com a participação de um cientista angolano que está a fazer pesquisa nos EUA.
Obviamente, temos ainda um longo caminho a percorrer, mas estamos a concretizar o nosso plano de desenvolvimento estratégico para o aproveitamento de sinergias com parceiros internacionais, em rede, nomeadamente com organizações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), tendo como desiderato a melhoria e o desenvolvimento da investigação científica.
A UNDIL é membro do Fórum da Gestão do Ensino Superior nos Países e Regiões de Língua Portuguesa (FORGES), uma organização muito dinâmica, membro Observador Consultivo da CPLP, e que no próximo mês de Novembro vai realizar na Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa, a sua 13ª Conferência internacional.
Também somos membros da Rede Académica de Ciências da Saúde da Lusofonia (RACS) com quem já temos várias acções e actividades conjuntas em perspectiva e andamento com o intuito de potenciar a qualidade da investigação científica na nossa universidade.
Em suma, a Universidade de Díli irá levar muito a sério a cooperação com a CPLP e vai estar atenta e preocupada com a investigação científica, com a sua qualidade, com a sua avaliação e com a partilha dos resultados da pesquisa realizada.
Em relação às restantes entidades de Timor-Leste, reconheço que actualmente o Instituto Nacional de Ciências e Tecnologia de Timor-Leste (INCT) está a tentar fazer o mapeamento da ciência no país, uma iniciativa muito louvável, mas é imprescindível que os gestores e investigadores assumam uma postura congruente com as recomendações internacionais em matéria de investigação científica.
O cumprimento das Declarações de Budapeste sobre Ciência Aberta e de São Francisco sobre Avaliação da Investigação, entre outras, é fundamental, devendo ser exigido a todas as universidades, institutos superiores e centros de investigação uma mudança de paradigma para que se possa apostar na qualidade e podermos merecer o reconhecimento internacional e a confiança da nossa sociedade.