Não se trata aqui de falar abstractamente da política de direito. Pretende-se situar especificamente em S. Tomé e Príncipe o estado actual da política do direito. Não se trata de ser exaustivo. Pretende-se cingir a aspectos que permitem uma visão geral do assunto.Pela política do direito tem-se em vista o percurso seguido para a formação do direito, incluindo o direito efectivamente criado.
A Assembleia Nacional é a sede por excelência do direito. Aí o direito é criado. Mas a função legislativa não é exclusiva do legislativo, estando atribuída também aos dois polos do executivo, o Presidente da República e o Governo. É o Presidente que valida, pela promulgação, o direito criado nos outros dois órgãos. Já o direito criado pelo Presidente basta por si mesmo, a sua assinatura é suficiente. Impõe ainda o papel da Administração, para a publicação, sem a qual o acto permanece desconhecido dos cidadãos. Essas funções não são limitativas. É preciso estar-se atento a aplicação, por onde é ainda possível a criação do direito.
A sociedade assume-se democrática, sustentada por partidos políticos. Estes são o primeiro degrau da política do direito. Se a iniciativa parte deles, começará por ser individualizada, produto de um só partido, que pode depois alargar a diligência a outros partidos. Se a iniciativa parte do Governo, a diligência recairá nos partidos, porque são estes que garantem o funcionamento do órgão legislativo.
Iniciada nos partidos, a política do direito ecoa na sociedade, tornando-se aí matéria de confrontação, sem que disto resulte o direito. A confrontação projecta-se no Parlamento donde decorre uma síntese geradora do direito. A síntese pode ser objectiva e democrática se integra a diversidade das formas de pensar. Ela será meramente subjectiva se desconsidera as opiniões das minorias, admitindo apenas a orientação política do partido maioritário. Exemplos mais recentes disto são os projectos de lei sobre o Tribunal Constitucional e a Comissão Eleitoral Nacional. Resulta a desconsideração por toda população representada pelos partidos minoritários.
Na sede dos partidos, a política do direito não está livre da predação. O ambiente aí geralmente não é democrático. Partidos funcionam de forma monolítica, o que afasta da política do direito os pensamentos diferentes daquele que dirige o partido. Mais, os Estatutos não são respeitados e líderes que tenham levado o partido a derrota nas eleições não se desprendem da liderança, factos que revelam mentalidade não necessariamente democrática que os partidos dizem acolher e respeitar. Em tais ambientes é dificilmente democrática a síntese partidária da política do direito.
As relações entre o Governo e os partidos não funcionam da forma como deviam. O Governo não concerta com os partidos os assuntos que interessam o conjunto da colectividade. Exemplos recentes, residem ainda nos projectos de lei sobre o Tribunal Constitucional e a Comissão Eleitoral Nacional.
A aplicação pode contrariar o direito criado, originando até um outro direito, em vários aspectos diferente tanto do direito aplicado como do substrato estratégico da política determinante do direito aplicado. Em 2014, três partidos sem assento parlamentar apoiaram-se no direito eleitoral para se associaram numa coligação de candidaturas tendo em vista as legislativas desse ano. A lei eleitoral autoriza claramente a coligação de candidaturas. No entanto, o Tribunal Constitucional não autorizou a coligação solicitada. Tal decisão teve implicações opostas às dos interesses dos partidos que a solicitaram. Eram pequenos partidos habituados a um número de votos que não lhes permitia assentos no Parlamento. Coligados, a situação mudava, pois, quer o direito que as candidaturas coligadas sejam vistas como se de uma só candidatura se trate, sendo que os votos dos partidos coligados se acumulam permitindo o seu aproveitamento. Em candidaturas individuais esses votos seriam inutilizados e inaproveitados. É o que a decisão jurisdicional veio manter para dar satisfação aos políticos que nisso tinham interesses. Noutros termos, se a coligação fosse autorizada como manda a lei os resultados das eleições legislativas de 2014 não teriam sido os que foram.
Realizaram-se as presidenciais em 2016. Observaram-se inúmeras irregularidades na 1.ª volta dessas eleições, sendo que as mais evidentes foram as violações da neutralidade imposta ao Governo pelo direito eleitoral no período da campanha e no dia de reflexão. Instado a decidir, por requerimento das candidaturas lesadas, o Tribunal Constitucional decidiu que tudo era legal. É evidente que as irregularidades condicionam os resultados eleitorais. Os defensores da decisão jurisdicional pretenderiam que o Tribunal defendeu os equilíbrios para contrariar as instabilidades, mas como defender os equilíbrios quando à partida existe desequilíbrio provocado pela violação da lei? Mais, cria-se desequilíbrio gritante e duradouro, instalando-se na mentalidade geral a desvalorização da violação da lei quando se desponta o risco da instabilidade. A coerência perde o seu sentido natural porque não se aplica a mesma lógica para a salvaguarda das estabilidades individuais. Aí, acontece, em função dos interesses e das perspectivas em vista, que a lei seja aplicada friamente. É preciso que se diga, o ordenamento jurídico quer que a legalidade e a estabilidade estejam juntas. Se se pretende o bom senso ou a equidade, a coerência deve ser mantida, permitindo a harmonia para a defesa dos equilíbrios gerais, sejam individuais ou colectivos.
Pela aplicação não se trata apenas de tirar o direito do seu casulo teórico, remetendo-o para o espaço complexo da sociedade. Entre os dois momentos, emerge a interpretação de que necessariamente se socorre o aplicador do direito.
Pela interpretação abre-se uma pluralidade de orientações para o direito. Mas a interpretação fica em si, não tem força aplicativa e não deforma o direito. Já a aplicação pode questionar o direito criado, criando também o direito e, consequentemente, espaços de conflitos mediante questionamentos por todos cujos interesses tiver lesado. Assim também será, quando o intérprete, não tendo autoridade para aplicar, usurpa o poder de aplicação.
O aplicador do direito adquire poderes que o direito não lhe atribui. Serão poderes para suprir as insuficiências da norma jurídica, compatíveis ou não com o fundamento que sustenta o direito criado, ou seja satisfazendo plenamente a prática pretendida com o direito criado ou desviando-se dela para criar práticas outras distantes da prática originalmente pretendida.
À diferença da Administração, subordinada ao poder político, existem instituições, aplicadoras do direito, como os Tribunais, a Comissão Eleitoral Nacional ou o Conselho Superior de Imprensa, que devem ser neutras, independentes e imparciais. Importa que tais obrigações sejam rigorosamente respeitadas, sendo necessárias reformas que invistam essas instituições de autoridade para a defesa dos seus estatutos.