Em 2 de Março de 2022 publiquei no Jornal Tornado um artigo sobre a Área Metropolitana de Lisboa em que inseria a final um breve apontamento sobre as minhas relações com o concelho(i):
“Estou no Seixal, como é costume dizer por aqui quem intervém no espaço público, há 50 anos, através dos meus pais que compraram numa urbanização um lote onde, deixando os filhos a estudar em Lisboa, mandaram construir uma casa. 20 anos depois regressaram a Lisboa deixando a moradia com a etiqueta de “residência de verão”. Nos últimos dez anos, em que, infelizmente já desaparecidos, passei a ser eu assegurar a presença, tenho habitado indistintamente em Lisboa e na freguesia da Amora, Seixal (no início com deslocação diária a Lisboa no comboio da ponte) e muito recentemente, no quadro da pandemia, fixei a minha residência efectiva nesta última localidade.
… quando quis esclarecer uns assuntos relativos à agora minha casa na Amora, o processo desta na Câmara tinha desaparecido na mudança de instalações… e até hoje não terá sido encontrado !”
…
Um auto de contra-ordenação assente em declarações falsas
No mesmo artigo deixei escrito:
“Em Abril de 2018 recebo em Lisboa uma comunicação da Câmara do Seixal dando-me 10 – dias – 10 para responder às acusações de um auto de contra ordenação que me imputava ter – em Julho do ano anterior! – incumprido as regras de separação de lixos deixando 2 – documentos – 2, a saber um minúsculo cartão e um print de uma reserva de passagem aérea para Paris, não percebi bem se fora de contentor ou em contentor onde não deveria ser deixado. Coima entre o mínimo de… e o máximo de…
Julgo que nestas coisas a prática usual é ir a correr pagar a coima pelo mínimo, tipo estacionamento indevido, salvo quando se pode provar que se tem estacionamento válido, mas aqui como oferecer testemunhas de que quase um ano antes NÃO se tinha deitado à beira da estrada um cartão e uma folha A4? Contudo, resolvi apresentar defesa porque a) efectivamente recordava-me de na cozinha da minha casa da Amora ter depositado estas duas peças de papel no saco próprio, não tendo sido eu que as levou para o exterior b) no cartão a que o auto de contraordenação recorreu para estabelecer a morada – em Lisboa – do suposto prevaricador figurava um número de telefone fixo da Amora, que a burocracia da contraordenação impediu fosse utilizado para esclarecer a situação c) o auto, assinado por dois funcionários da Divisão de Fiscalização Municipal, um como autuante outro como testemunha, dava os dois bocados de papel como abandonados na freguesia de Fernão Ferro, a que onde raramente me desloco e em local onde nunca tinha estado d) os mesmos autuante e testemunha fotografaram os objectos em questão, e no mesmo auto inseriram uma foto de um repolhudo monte de lixo da freguesia de Corroios e disseram ser da localização dos objectos encontrados.
Sem prejuízo de apresentar defesa, escrevi ao presidente da Câmara Joaquim Santos, que não me conhece de lado nenhum, a sugerir que revogasse o despacho que determinara a instauração de auto de contraordenação, com o fundamento de este ser inviável, vista a contradição das provas apresentadas (não falei em falsificação de provas embora fosse disso que se tratava). Não me respondeu, daí a dias soube que a instrutora ia ouvir as testemunhas que indiquei… e nunca mais ouvi falar do processo.“
Na altura o então Presidente da Câmara anunciou no Boletim Municipal “a implementação do Sistema de Gestão da Qualidade na autarquia, com novas metodologias adotadas em todos os serviços de acordo com a norma ISO 9001: 2015. Depois de uma avaliação por uma entidade certificadora externa, em dezembro do ano passado, todos os serviços da Câmara Municipal do Seixal conquistaram a certificação da qualidade” o que me fez comentar que talvez a certificação da qualidade tivesse chegado à Câmara Municipal do Seixal, mas o Estado de Direito ainda não.
Aproveito este artigo para dar notícias actualizadas do Estado de Direito na Câmara Municipal do Seixal.
Uma ruptura tratada com boa vontade e profissionalismo mas de forma… encapuçada
Tendo em conta estas “experiências” quem me dera poder viver no concelho – de facto a minha residência quase efectiva situa-se num dos seus extremos – sem ter relações com a Câmara. Uma dessas relações, legalmente obrigatória, e mal regulada, tem a ver com o abastecimento de água para consumo doméstico(ii).
Corria o segundo ano da COVID-19, ou seja 2021, quando foram detectados problemas nos canos – já com 50 anos – da moradia, que puderam ser resolvidos a tempo(iii). No entanto veio a descobrir-se que uma torneira situada nas traseiras, igualmente vetusta, havia rebentado sem que se reparasse e embora vedada de emergência e depois substituída pelo canalizador, era de esperar na leitura desse mês os consumos registados fossem superiores aos habituais, que eram de 4/5 m3.
No entanto antes que chegasse a conta da água do fim do mês ocorre um desenvolvimento peculiar: num sábado em que dava um passeio pelas ruas vejo um carro da câmara conduzido por alguém com uma senhora ao lado, apear-se junto à minha casa e ir abrir o vidro que permite a leitura do contador sem que a outra ocupante se apeie sequer. Não se tratava de uma volta geral de leitura dos contadores, esta diligência era-me especificamente dedicada.
A conta desse mês foram 1002, 45 Euros. PAGUEI de imediato e pedi via CTT à Câmara revisão da facturação com fundamento em ruptura. No fim do mês seguinte enviei pelo telefone a leitura do contador. Na Câmara desconsideraram a leitura e tiveram a lata de fazer estimativa incorporando o valor anterior. Mais 300 e tal euros, que também PAGUEI, com nova carta a exigir deslocação ao local.
Com a deslocação tudo pareceu compor-se: o funcionário tirou até fotografia a um local no meio da rua por onde a água pública escorria há meses. E no mês seguinte apareceu um acerto com direito a receber parte desses 300 e tal euros. Só que por imperativo perfeitamente lógico de segurança, as tesourarias municipais não podiam reembolsar mais de 50 euros. E entretanto deixei de perceber as facturas que os CTT me enviavam, à razão de uma por mês.
O mais surpreendente é que os funcionários, competentes e esforçados, da Divisão Administrativa da Água com que contactei não se identificam no contacto com os munícipes, nem sequer – tive acesso a um depois – nos relatórios internos. Quando muito apõem umas letras no fim das mensagens. Recebi uma ou duas “assinadas” com iniciais É como se estivéssemos a dialogar com encapuçados. A gestão pública moderna, “certificada”, deve ser assim.
Em princípio de Janeiro de 2022 recebi um telefonema do sector de tesouraria do Departamento de Finanças da Câmara que me perguntou o meu NIB e procedeu à transferência de um montante cujo fundamento não pude reconstituir, mas que era superior aos 300 euros do valor estimado da segunda das facturas já aludidas. O que excedeu todas as minhas experiências anteriores com a Câmara do Seixal foi ter recebido tempos depois um ofício do Vereador Joaquim Carlos Coelho Tavares, datado de 18 de Janeiro, onde designadamente se podia ler:
Em resultado da situação que nos reportou, informamos que foi(ram) refaturada (s) a fatura (s) reclamadas (s) no que concerne às tarifas variáveis de saneamento e resíduos urbanos, como resulta do nº 3 do Artigo 44º do Regulamento de Abastecimento de Água e do Saneamento de Águas Residuais do Município do Seixal, da (s) quais irá rececionar outras (s) em sua substituição.
A (s) nova (s) fatura (s) têm prazo de pagamento de 20 dias. Alertamos que findo o prazo limite para cobrança voluntária da (s) mesma (s), fica (m) sujeita (s) a processo de corte e/ou execução fiscal.
Mais se informa que na presente data, o processo de reembolso do crédito já está em tratamento, pelo que contamos com a maior brevidade ter o cheque emitido
Não tivesse eu já na minha conta bancária um valor transferido pela tesouraria do município que me ressarcia parcialmente dos pagamentos feitos em excesso ter-me-ia indignado com as ameaças e sorrido com a promessa de emissão de um cheque. Esta mensagem inepta foi escrita a 6 mãos – tem 3 conjuntos de iniciais no canto inferior esquerdo – tudo com certificação de qualidade ISO e assinada por um vereador que tem o “Pelouro das Obras Municipais, Trânsito, Água e Saneamento, Energia e Proteção Civil”. Não é de admirar que com esta sobrecarga do eleito, tenha saído assim, no entanto se me permitem o Joaquim – Presidente e o Joaquim – Vereador quando nos meses seguintes voltaram em diversos contextos a mencionar este ofício deveriam ter aproveitado para pedir desculpa.
A questão de Direito
Uma das minhas interlocutoras na Divisão Administrativa da Água recusou-se a enviar-me a refacturação com o argumento de que, como já a tinha recebido via CTT (falso), teria de pagar um suplemento. Obtive-a em 4 de Fevereiro sem encargos numa Loja do Município. No entanto, querendo a seguir conferir os preceitos do Regulamento referidos no ofício de 18 de Janeiro assinado pelo vereador do Pelouro, verifiquei que a 1 de Fevereiro de 2022 tinha havido nova publicação deste no site do município, e que a redacção do Artigo 20º, nº 2 não correspondia à indicada no ofício para este artigo. Será que anteriormente a redacção do Regulamento suportava a decisão quanto à facturação do consumo da água?
A responsabilidade pela água da rede da Câmara que se perca dentro da rede da minha moradia é certamente minha, mas não se integra no conceito de “consumo doméstico” que encontra aliás regulado a nível nacional em termos sensivelmente próximos e com escalões que visam disciplinar os hábitos de consumo das famílias, mas com valores unitários por m3 diferentes conforme os municípios e os seus custos de produção.
Faria assim sentido que a água (involuntariamente) utilizada por razões acidentais devidamente comprovadas (com verificação in loco, como sucedeu neste caso) fosse paga de acordo com o respectivo custo unitário que certamente se encontraria calculado no concelho do Seixal.
E o nº 2 do Artigo 20º do Regulamento, dizia, e muito bem:
“A CM não será responsável pelo gasto de água em fugas ou perdas nas canalizações de distribuição predial ou dispositivos de utilização, sendo os custos decorrentes dessas situações suportados pelos respetivos utilizadores.”
Só que no ofício de 18 de Janeiro de 2022 da Câmara se adulterou a redacção do Regulamento, interpolando-se a seguir a “sendo os custos decorrentes das roturas” e antes de “da responsabilidade dos utilizadores” a frase “e do consequente aumento do consumo de água”
E, em consequência se incluiu o volume das perdas no valor dos consumos domésticos, inflacionados de forma a que quase toda a água perdida fosse facturada pelo quarto escalão, quando num concelho de outro distrito, num caso que me foi relatado por um colega economista foi facturada pelo primeiro escalão(iv).
Para os munícipes que, lendo o meu relato, achem bem que trate assim um “estrangeiro” que nem sequer é eleitor no concelho(v), lembro que a fuga de água identificada e fotografada no meio da rua não seu origem a qualquer acção correctiva.
A hora dos advogados na Câmara do Seixal
Como foi divulgado, mas talvez nunca aprofundadamente explicado, o Presidente Joaquim Santos, Eng.º Civil, foi substituído cerca de um ano depois da sua reeleição, pelo segundo nome da lista com que se apresentara a sufrágio, Paulo Silva, Advogado. Com alguma ingenuidade, pensei que a tomada de liberdades com provas em autos de contra-ordenação ou na transcrição de Regulamentos Municipais iria ser revertida e assim enviei a um centro de arbitragem com jurisdição nos conflitos de consumo um pedido de intervenção que acabava pedindo àquela entidade que:
-
Abra procedimentos de Mediação e de Arbitragem relativamente às questões colocadas determinando à Câmara Municipal do Seixal que junte o texto do Regulamento Vigente em 2021, e, caso existam, demonstrações legalmente auditadas comprovativas do comportamento dos custos unitários verificados no âmbito do fornecimento de água às habitações;
-
Determine a refacturação da água utilizada pelo requerente no período a que se refere a factura n.º … aplicando a todo o volume facturado o primeiro escalão da tabela vigente.
Por parte da Câmara interveio uma senhora advogada, identificada na Ordem como tendo escritório na Alameda dos Bombeiros Voluntários, Seixal(vi), que, longe de pedir desculpa pela adulteração do texto do Regulamento, mal transcrito pelo pelouro, entendeu “reforça-lo” com considerações que poderiam ficar bem num novo texto do Regulamento – se passasse na Entidade Reguladora – mas eu meu entender não na discussão do texto efectivamente vigente.
Não se mostrando efectuada qualquer tentativa de Mediação, conforme requerido, nem junta a informação sobre custos unitários, também requerida, considerei não haver condições para avançar para arbitragem, mas optei por fazer uma divulgação alargada do que estava em causa.
O drama
Encontrava-me a rever o conteúdo deste artigo quando recebi via CTT o Boletim Municipal de Janeiro de 2023 enviado a todos os que têm contrato de consumo doméstico de água, eleitores ou não eleitores, que informa que as Grandes Opções do Plano (GOP) e o Orçamento para 2023 haviam sido rejeitados pela Assembleia Municipal do Seixal, sendo que “A proposta teve votos a favor da CDU, a abstenção do BE, PAN e de um independente e votos contra do PS, PSD, CHEGA e de outro eleito Independente”.
Parece que o reforço da componente jurídica no elenco municipal, que não é sinónima do reforço do Estado de Direito, ainda não favoreceu a conciliação.
Notas
(i) As eleições autárquicas e a Área Metropolitana de Lisboa
(ii) Muito embora disponha de um furo, devidamente legalizado, de apoio à rega do jardim.
(iii) A Covid-19 tornou inviável a gestão telefónica da crise ou as visitas aos serviços centrais da câmara.
(iv) Evidentemente a Câmara reduz o valor das componentes de saneamento, enquanto mantêm o valor da água , o que poderá suceder por o valor do saneamento estar em parte consignado à AMARSUL gerida pela Mota/Engil.
(v) E que se puder, nunca se virá a inscrever como tal. Aliás o concelho de Almada, que também seguia a prática vigente no Seixal, continuou a segui-la após o advento da socialista Inês de Medeiros.
(vi) Ou seja, nos serviços centrais da Câmara.