Desde há cerca de um século convencionou-se separar o poder monetário em dois, um deles nas mãos dos bancos centrais, foi denominado de política monetária, e outro, nas mãos dos Estados, foi denominado de política orçamental.
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O renovado ataque alemão
Em 2012, Mario Draghi, em nome do Banco Central Europeu, anunciou que faria tudo o que fosse necessário para salvar o Euro que se iniciou a recuperação da economia e da confiança europeias através da compra mutualizada de activos financeiros, públicos e privados.
A decisão foi vivamente contestada pelo Banco Central e várias entidades alemãs, e depois de o Tribunal de Justiça Europeu ter dado razão a Draghi em 2015, foi instaurado um novo processo ainda não concluído.
Desde há cerca de um século convencionou-se separar o poder monetário em dois, um deles nas mãos dos bancos centrais, foi denominado de política monetária, e outro, nas mãos dos Estados, foi denominado de política orçamental.
Ambos têm capacidade e exercem poder de criação de moeda mas, no contexto da doutrina das oligarquias banqueiras que se tornou dominante a partir da década de setenta do século passado, chamada de “Consenso de Washington” e popularmente conhecido como “neoliberalismo”, o poder orçamental foi cada vez mais visto como negativo – o ideal é que ele não faça mais do que redistribuir impostos – e o poder monetário dos bancos centrais é tido como o único que deve ser utilizado.
É neste contexto que surgiu o “quantitative easing” (QE), expressão e política inventados pelo Banco Central do Japão no início do século. O QE é uma extensão tida por “não convencional” da tradicional compra de títulos de divida pública de curto prazo pelos bancos centrais com o objectivo de fazer baixar a taxa de juro. Com o QE, as compras abrangem títulos de longo prazo, tanto públicos como privados com o objectivo de aumentar a massa monetária mesmo para além dos seus efeitos sobre a taxa de juro.
O que o BCE fez foi aplicar à Zona Euro o que a generalidade dos bancos centrais ocidentais tinham já antes feito. A particularidade da decisão do BCE tem a ver com o facto de, contrariamente ao que se passa nos outros casos, o domínio de aplicação do que se convencionou chamar “política monetária” é constituído não por um mas por vários domínios orçamentais, que são tantos quantos os Estados que aplicam a Zona Euro.
A criação de moeda pelos bancos centrais difere da criada pelo Estado de numerosos pontos de vista, mas no contexto do Euro, tem uma diferença adicional fundamental. Enquanto no Reino Unido, por exemplo, a dívida do banco central (eufemisticamente chamada de volume do balanço) e a dívida do Tesouro têm ambas o mesmo domínio territorial que é o Reino Unido, no caso do Euro os domínios são diferentes, o primeiro é o da Zona Euro e o segundo o dos Estados.
Quer isto dizer que a política monetária do BCE corresponde a aumentar a dívida de toda a zona Euro, enquanto os objectivos dessa política são vistos pelos Estados credores (a Alemanha é o chefe de fila) como os de servir a dinamização das economias devedoras.
O actual processo colocado pelas instituições alemãs na justiça europeia tem como objectivo central impedir a continuação da actual política de QE pelo Banco Central, continuação que será previsivelmente defendida se se confirmarem os prognósticos negativos sobre a actual situação económica.
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O braço de ferro orçamental italiano
Com a chegada ao poder dos chamados populistas em Itália, iniciou-se uma nova contestação ao Euro, esta, assente nas suas regras orçamentais, contestação que desembocou num braço de ferro entre as autoridades alemãs e europeias no qual Mário Centeno, como presidente do Eurogrupo, tem tentado encontrar um compromisso.
A construção do Euro é animada de uma versão radical do “consenso de Washington” que é a alemã, dita ordoliberal e visa acabar com qualquer criação monetária por via orçamental e fazer do Banco Central Europeu o templo de uma ortodoxia.
A contestação às regras orçamentais do Euro tem sido uma constante, muito em especial depois da crise de 2008 e só desceu de tom depois de a política expansionista do BCE ter começado a surtir efeitos palpáveis a partir de 2014.
A Itália, embora escapando a crises de pagamentos como as que tiveram lugar no resto do Sul da Europa, tem observado um crescimento económico medíocre e, paradoxalmente, só este ano viu uma revolução política varrer os partidos do sistema por uma coligação dominada pelo projecto de relançar subvenções ao rendimento das classes mais desfavorecidas, em total oposição às exigências orçamentais.
A Itália tem uma posição negocial mais forte do que a dos pequenos Estados como Portugal ou a Grécia. Enquanto o Euro pode sobreviver sem problemas à saída de qualquer dos pequenos países do Sul da Europa, o mesmo não é verdade com a Itália cuja saída colocaria seriamente em causa a capacidade de sobrevivência do Euro.
Em qualquer caso, as consequências imediata de uma ruptura seriam certamente muito mais gravosas para o dia-a-dia dos italianos que para o do resto da Zona Euro, e talvez por isso a generalidade dos observadores considera que a Itália vai ceder no actual braço de ferro, o que pela minha parte, não acho que seja um dado adquirido.
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A degradação das condições políticas
O actual braço de ferro italiano e contestação judicial alemã dão-se numa situação politicamente muito instável. O chamado “populismo” tem avançado progressivamente em toda a Europa, tendo já levado ao BREXIT e as alternativas populistas destinadas a salvar o sistema – como a de Macron – parecem condenadas ao fracasso, enquanto ninguém sabe o que teremos na Alemanha depois do anúncio da renúncia de candidatura de Angela Merkel à liderança no próximo Congresso do seu partido.
Angela Merkel parece ter compreendido que uma presidência alemã do BCE poderia ditar o fim do Euro, e tem tudo feito para afastar essa hipótese do tabuleiro, mas ninguém saberá dizer o que vai acontecer nesse ou nos restantes tabuleiros europeus.
A reforma do Euro que preconizei em 2014 parece-me continuar a ser necessária, mas vejo-a hoje como politicamente muito mais difícil de atingir. O último ano dos mandatos dos líderes do BCE e da Comissão Europeia parece-me assim afigurar-se como muito turbulento, e mais turbulento ainda o que irá passar-se após o seu termo.
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