Quem pretendeu assistir à última reunião do INFARMED (dia 09.01.21) pôde fazê-lo, pelo menos, através da SIC Notícias (entre as 10.06 e as 12.00). Quem ainda quiser fazê-lo poderá utilizar as modernas funções de ‘recuo’ que a tecnologia atual proporciona sobre o programa “opinião pública”. Penso que seria um exercício útil e salutar para assistir à inconcebível (tentativa de) criação de um facto mediático-sensacionalista.
A XV reunião do INFARMED decorreu com toda a serenidade. Os diversos peritos preletores apresentaram os resultados das análises que têm feito à evolução da pandemia. As apresentações foram objetivas, desapaixonadas e plenas da denominada neutralidade científica. Do ponto de vista do ouvinte desafeto à saúde (pública) imagino que a dose de cientificidade tenha sido excessiva e dificilmente acompanhável, mas para quem pertence à área da saúde foi muito interessante e significativo.
Aconteceu nessa reunião que o Prof. Doutor Manuel Carmo Gomes, depois da sua explicação e análise científicas, decidiu avançar com propostas concretas sobre como articular indicadores, ou critérios técnico-científicos, com medidas sócio-políticas como o confinamento. Segundo Manuel Carmo Gomes o gradualismo das medidas de confinamento e a metodologia de testagem deveriam ser repensadas porque existe sempre algum atraso na possibilidade de análise dos dados o que faz com que “andemos atrás da epidemia”. Propôs que deveria bastar apenas um dos seguintes indicadores para que fossem implementadas medidas de “resposta agressiva”:
- Rt menor que 1,1
- Percentagem de testes positivos menor de 10%
- Incidência menor que 2000 novos casos/dia
Alguns minutos depois, a seguir à intervenção da Professora Doutora Carla Nunes, a emissão televisiva retomou a sua programação em estúdio na qual já circulava em rodapé o seguinte:
- “Manuel Carmo Gomes fez hoje uma intervenção crítica da ação do Governo na gestão da pandemia”
- “especialista vai deixar de participar nas reuniões semanais do IINFARMED”
E a “pivôt” utilizou a expressão “vai ser afastado”, referindo-se a Manuel Carmo Gomes.
De seguida entrevistou Rui Moreira, presidente da Câmara do Porto que, apesar de assumir que não assistiu à reunião, reagiu com pesar à alegada saída de Manuel Carmo Gomes dizendo que deverá haver liberdade de opinião e que está preocupado porque parece ter-se chegado a uma situação onde as pessoas se demitem por não serem ouvidas, o que contribuiu para reforçar a ideia de um afastamento político por “voz incómoda”.
Entretanto a Ministra da Saúde esclareceu que o Professor Doutor Manuel Carmo Gomes pediu – ele próprio – para ser dispensado das apresentações nestas reuniões do INFARMED e garantiu que este especialista continuará a colaborar com o Governo nomeadamente integrando a ‘Task Force’ para as vacinas.
Às 14.44 o Jornal Económico publica o seguinte o título: “Marta Temido desvaloriza afastamento de crítico do Governo das ‘reuniões do Infarmed’” e prossegue “noticiando” o seguinte: “Ministra da Saúde reduziu decisão de Manuel Carmo Gomes a “uma questão de agenda”. Também nesta mesma peça de (deplorável) jornalismo pode ler-se que “Salientando que Manuel Carmo Gomes é membro da comissão técnica da vacinação contra a Covid-19, a ministra garantiu “não serão essas as razões” da parte do Governo para uma decisão que descreveu como “uma questão de agenda” do epidemiologista.”
“Não serão essas as razões da parte do Governo”?!
Às 14.46 o jornal Público publica uma notícia intitulada “Manuel Carmo Gomes deixa de falar nas reuniões do Infarmed e rejeita ’exploração política’“, onde se poderá ler o seguinte:
“Vou continuar a apoiar as reuniões do Infarmed, poderei estar presente para esclarecer dúvidas. Agora, deixo de estar obrigado a fazer apresentações, porque estou muito sobrecarregado com a Comissão Técnica de Vacinação…”
Também rejeitou que a sua decisão esteja relacionada com um putativo desacordo em relação às medidas adotadas pelo Governo:
“Não é verdade. Isso é exploração política. A senhora ministra da saúde até me incentivou a falar, quando sabia o que eu ia dizer, porque conversámos antes .
As 16.29 Manuel Carmo Gomes foi entrevistado na Edição da Tarde da SIC Notícias onde esclareceu que necessita de tempo para apoiar a task force de vacinação; o grupo de epidemiologia de apoio ao Ministério da Saúde e leccionar, agora, que as aulas se iniciarão.
Terá sido suficiente para encerrar o caso?
Terá sido o suficiente para os críticos da “comunicação governamental” perceberem que face à atual campanha dos órgãos de comunicação social corporativos não há estratégia de comunicacional que valha?
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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