O fim do Banco Espírito Santo, a acção eufemisticamente designada por “resolução”, tem como causa a conjugação de vários factores, soberba, corrupção, sentimento de impunidade, incompetência. Mas o fim do BES, a sua morte, o seu assassínio é a pedra de fecho do arco do regime político e económico que os verdadeiros autores do 25 de Novembro de 1975 pretenderam implantar em Portugal. A derrocada do BES simboliza a vitória final do 25 de Novembro.
Antes do 25 de Abril de 74 o BES era o principal grupo financeiro do regime. Não era o único, o grupo Mello/CUF, o grupo Champalimaud/Sottomayor, o Pinto Magalhães e o Banco Português do Atlântico/Cupertino de Miranda, entre outros, também conjugavam a actividade financeira (banca e seguros) com a actividade industrial e operavam na Metrópole e Ultramar, mas o BES era o maior e o mais estreitamente ligado ao regime. Era o banco do regime.
O 25 de Abril, e principalmente as nacionalizações do 11 de Março de 1975, levaram na enxurrada alguns desses grupos, mas o BES, mesmo nacionalizado, continuou a ser o banco do regime, o mais internacionalizado, o que melhores pontes assegurava com o capital financeiro mundial, com a banca americana e europeia (francesa em particular), com as grandes famílias de banqueiros de Londres e de Nova Iorque. O BES e os Espírito Santo, mesmo com o banco e as empresas do seu universo nacionalizadas continuaram a ser os banqueiros portugueses de confiança no mundo da finança. Eram um capital, goste-se ou não.
Ao contrário da história oficial e do discurso que a vende como a verdade, não foi o PREC e o 11 de Março de 75 que “destruíram” a banca nacional: Foi o 25 de Novembro de 1975. Foi o 25 de Novembro de 1975 que impediu a regeneração do BPA, do Totta e Açores, do Sottomayor e a sua substituição pela banca de corsários que deu origem aos Millenium, BCP, BPN e, principalmente, à transferência da banca nacional para bancos internacionais, espanhóis em primeiro lugar, acompanhada da venda, através de privatizações da nata das indústrias de capital nacional. Não foi o juramento de punho fechado no RALIS, nem as cooperativas do Alentejo que levaram o 25 de Novembro a cumprir-se na economia e finança, mais do que na política!
O golpe do 25 de Novembro tinha dois objectivos, que deveriam ser atingidos após a saída de Portugal de Angola (por isso o golpe é após a independência da última colónia – 11 de Novembro): em primeiro lugar padronizar o regime político pelos princípios das mais conservadoras e estereotipadas democracias representativas da Europa, isto para não assustar os fascistas espanhóis e levar o estado espanhol a aterrar suavemente na integração europeia; o que implicou reduzir a cacos qualquer estrutura fora da norma, ou que cheirasse sequer a poder popular; daqui a violência do golpe se ter dirigido contra a extrema-esquerda. Esta fase foi apelidada pelos técnicos de marquetingue político de ”normalização democrática”! E, numa segunda fase, integrar o sistema financeiro português e as grandes empresas ainda de capital nacional no espaço económico e financeiro da Espanha, de modo a criar um mercado ibérico uniformizado e com massa crítica, que permitisse rentabilizar o investimento de outras economias europeias de maior dimensão, caso das economias francesa e alemã.
O golpe do 25 de Novembro tinha um pacote com programa financeiro e económico. Podia ser este. Mas nunca se fala dele. É esse pacote misterioso que justifica as privatizações de pontes, estradas, indústria química, cimenteiras, banca, as famosas PPP! Tal como os anúncios de vendas por fim de actividade nas montras das lojas francesas: Tout doit disparaitre! – tudo, de facto, desapareceu nos bolsos e nas contas dos patriotas do Compromisso Portugal, dos boys do Goldman Sachs, dos amigos de Soares, de Cavaco entre outros saqueadores.
Da exploração do sucesso do 25 de Novembro restava o BES na finança e na economia. E, mais grave e sacrilégio do ponto de vista dos vencedores do 25 de Novembro, o BES mantinha posições importantes em Angola – um espaço estratégico disputado por grandes potências como a França, o Brasil e os Estados Unidos – e num sector de ponta como eram as telecomunicações através da Portugal Telecom.
O 25 de Novembro não podia admitir esta sombra na sua vitória. O BES tinha de desaparecer da economia e da finança portuguesa. Não era admissível na venda de Portugal aos mercados que este resquício de soberania nacional se mantivesse fora do saque dos mercenários sem pátria. Carlos Costa, o governador do banco com o enganador nome de Banco de Portugal, cumpriu o papel de Brutus, de espetar a adaga nas costas do BES por conta do mercado global, acolitado pelo poder judicial que tratou das justificações legais para o óbito.
Dir-me-ão que os Espírito Santo (Ricciardi incluídos) não são flores que se cheirem, e alinharão contra eles e contra Ricardo Salgado em particular uma resma de acusações em forma de tropelias nos negócios – todas justificadas, concedo. Mas resta a questão de, com a “resolução” / dinamitização do BES e da redução do seu presidente a um pensionista de luxo, se encerrar um tempo histórico em que o Estado Português, os portugueses, dispunham de um banco do regime, de um banco que cumprira o seu papel em todos os regimes. Um banco que tinha o nome de uma família portuguesa – pouco recomendável, talvez seja, mas não me parece que os de Arnault do Goldman Sachs, dos Oliveira e Costa, ou o dos administradores do Santander, do BCP, do fundo Apollo do Novo Banco, do Banco CTT seus sucessores como croupiers nas roletas das novas bancas sejam melhores, nem mais recomendáveis, e vale acrescentar os nomes dos administradores da Da Vinci da ANA/aeroportos, ou os dos turcos da estiva dos portos, ou dos da Lusoponte.
Haverá alguém que responda pelo programa económico do 25 de Novembro de 1975? Pelo verdadeiro programa do golpe do 25 de Novembro que consistiu em instaurar a lei da selva e não aquele que nos tem sido salmodiado como o patriótico ato de normalização da vida cívica, do fim da anarquia que nos ia levando ao abismo da guerra civil que esteve por um fio, e outros ais Jesus que nos salvámos do comunismo, do regresso das tropas aos quartéis, dos iates às marinas de Cascais e Vilamoura e do resguardo dos lucros nos offshores?
Estou certo que o Jaime Neves nunca imaginou ter, afinal, derrotado Ricardo Salgado quando arrombou a porta do quartel da Polícia Militar na Calçada da Ajuda e não os majores Campos Andrada, Mário Tomé e Cuco Rosa.
E bem poderia ter sido o Ricardo Salgado a gritar: Viva a Revolução! Em vez do capitão Luiz Banazol, meu irmão por afecto e camaradagem, quando entregou a sua tropa aos vencedores do 25 de Novembro.
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