A conclusão do processo de transição para a nova administração norte-americana, bem que poderá assinalar o fim de um período de interregno; não apenas uma transição de líder, mas também uma passagem na formação de um mundo multipolar que sucede ao mundo unipolar tão do agrado norte-americano.
Logo que conhecido o resultado das eleições de Novembro passado e após a relativa apatia do período de espera que elas acarretaram, sucedeu-se o regresso da agitação. Esta espécie de vazio criou o espaço para convulsões geopolíticas como o golpe de Estado abortado na Coreia do Sul, os exercícios militares chineses em torno de Taiwan, as crises políticas em França e na Alemanha, as eleições canceladas na Roménia, as manifestações na Geórgia, a queda de Bashar al-Assad na Síria e o regresso do Estado Islâmico, a intensificação da disputa pela influência no Sahel e o reforço da acção da Rússia na Ucrânia, próprias de um mundo em tensão, onde emergem as fracturas do mundo multipolar.
A quase perfeita concordância destes incidentes com o fim da campanha presidencial norte-americana deve servir para recordar o alcance da influência que os EUA ainda mantêm no mundo, mas tratando-se de acontecimentos de consequências diversas e por serem fruto da falta de estabilidade de um poder político norte-americano que já não é universalmente aceite, não seria estranho se o seu avolumar terminar rapidamente com a tomada de posse de Trump.
Num mundo sujeito a tão rápidas e profundas transformações, com as perspectivas para o novo ano a anteciparem a flexibilização das políticas monetárias (seja para contrariar a incerteza económica ou por razões comerciais), a persistência do fraco crescimento global (apesar das previsões da Goldman Sachs de uma trajetória optimista para a economia americana), a antevisão da IA como um sector promissor (embora subsistam fundadas dúvidas relativamente à sua dimensão e utilidade) e a influência da instabilidade da situação geopolítica global, a incerteza relativa ao futuro económico das políticas climáticas ou a dinâmica do comércio mundial, serão necessárias garantias que as democracias liberais cada vez menos parecem capazes de assegurar.
Com uma Europa habilmente enfraquecida pela sucessão de crises económico-financeiras – primeiro a crise financeira global de 2008 e logo depois a crise das dívidas soberanas, em 2012 – e pelas contradições inerentes a um processo de alargamento mal estruturado e realizado para contento da Alemanha, dirigida por uma sucessão de políticos débeis e incompetentes (que têm ignorado sistematicamente os interesses das suas populações e agora mergulharam-na numa guerra substancialmente contrária aos interesses nacionais e regionais que deveriam defender), a balançar actualmente entre as pulsões federalistas e as crescentes tendências nacionalistas e com os EUA embalados pela promessa de grandes transformações representada pela administração Trump (de quem, num horizonte de quatro anos, serão de esperar acções rápidas e incisivas), restarão os BRICS e o Sul Global, que ainda precisam revelar capacidade de acção, adaptação e colaboração na implementação de um sistema global funcional desejavelmente estável e seguro, mas onde os valores da liberdade e da democracia serão testados ao limite face à emergência dos novos poderes que se prefiguram de natureza autoritária.