O economista e ex-ministro do governo Dilma Rousseff aborda as facetas do golpe parlamentar executado em 2016 e os retrocessos sociais e políticos que o país está vivendo.O golpe não foi apenas contra a presidenta legitimamente eleita, Dilma Rousseff. Não é contra Lula, o melhor presidente da história recente do país. Não é contra o PT.
O golpe foi contra, sobretudo, os 54,5 milhões de votos que elegeram a presidenta em eleições livres e limpas. O golpe cassou o voto desses cidadãos e, com isso, passou a implantar um programa neoliberal e uma ortodoxia fiscal, sem o apoio de um único voto popular. Eles estão desmontando todo o progresso nacional, social e democrático, que tinham sido conquistados no início deste século pelos governos do PT.
Assim, o golpe é contra os 42 milhões de brasileiros que ascenderam à classe média, nos últimos 13 anos. É contra os 36 milhões de cidadãos que deixaram a pobreza extrema para trás. É contra as políticas sociais que praticamente eliminaram a miséria absoluta no Brasil. Miséria histórica, atávica, contra a qual os representantes do golpismo pouco ou nada fizeram, nos mais de 500 anos que governavam o país.
O golpe é contra um processo de desenvolvimento que conseguiu tirar o Brasil do Mapa da Fome. Fome secular, vergonhosa, que os golpistas nunca conseguiram saciar. O golpe é para colocar de novo o Brasil no Mapa da Vergonha e tirar a comida do prato dos mais pobres.
O golpe é contra a igualdade e pela desigualdade. Os que apostam no governo do golpe também apostam na desigualdade como elemento essencial para o suposto bom funcionamento do mercado e da sociedade.
O golpe é contra a valorização do salário mínimo, que aumentou 77%, nos últimos 11 anos. O golpe é pelos salários baixos para os trabalhadores, pois, para os golpistas, salários arrochados são essenciais para o combate à inflação e para a competitividade da economia.
O golpe é também contra a geração de 23 milhões de empregos formais, ocorrida nos últimos 12 anos. Quem aposta no golpe, aposta no desemprego, que já atinge 14,2 milhões de trabalhadores, para reduzir os custos do trabalho. Aposta também na redução dos direitos trabalhistas, na terceirização sem regras e na volta da precarização do mercado de trabalho. Aposta na retirada de centenas de direitos trabalhistas, no fim da CLT de Getúlio Vargas e da Justiça do Trabalho. O golpe está promovendo um ataque frontal às organizações sindicais indispensáveis para a representação dos trabalhadores. Por isso, o golpe promove a Reforma Trabalhista, que entrou em vigência agora em novembro, e que fará o Brasil voltar ao estágio histórico da República Velha.
O golpe é também contra os aposentados, a previdência e o estado de Bem-Estar, criado pela Constituição Cidadã de 1988. Por isso, o governo ilegítimo quer aprovar uma reforma da previdência que vai penalizar a aposentadoria dos trabalhadores mais pobres e menos qualificados.
O golpe é contra a Petrobras e pela Petrobax. O golpe é contra a política de conteúdo nacional, que reergueu nossa indústria naval e reestruturou a cadeia econômica do gás e petróleo. O golpe é contra a nossa maior empresa e tudo o que ela conquistou.
O golpe é pela privatização de tudo o que for possível e pela desnacionalização de tudo o que o capital estrangeiro tenha interesse. Por isso, o golpe já mudou a lei do pré-sal, reduzindo as exigências ambientais e de conteúdo nacional e isentou as multinacionais de petróleo de impostos, em uma renúncia fiscal que chega a R$ 1 trilhão.
O golpe é entreguista e sucumbiu ao interesse internacional. O golpe rasgou nosso passaporte para o futuro, que é o pré-sal, a única fonte adicional de recursos na educação, e entregou antecipadamente e de forma obscura todas as exigências da Shell. A Eletrobrás e os bancos públicos são os próximos alvos. Até mesmo nossas terras estão expostas a esta internacionalização selvagem.
O golpe é contra os programas que abriram as portas das universidades brasileiras para estudantes das escolas públicas do ensino médio, para os pobres, para os afrodescendentes e para os indígenas. A Emenda Constitucional nº 95, que congelou os gastos primários por 20 anos, vai inviabilizar a expansão e a melhoria desses e de outros serviços públicos essenciais. O golpe vai comprometê-los e sucateá-los. O golpe é pelo retrocesso da educação de qualidade e pela exclusão educacional.
O golpe é pelo fim das universidades públicas e gratuitas. O golpe quer que o Banco Mundial se transforme no novo formulador de políticas públicas de nosso país e quer nos convencer que gastamos muito no ensino médio, quando dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) comprovam que investimos 1/3 dos países ricos na educação básica.
O golpe é pela privatização do conhecimento. O golpe é contra as novas oportunidades e pelos antigos privilégios. Por isso, os golpistas acabaram com o Ciência Sem Fronteiras, reduzindo em 99% o número de alunos brasileiros enviados ao exterior para intercâmbio na graduação, dando fim à mobilidade estudantil.
O golpe é contra a produção científica e a favor de uma visão obscurantista do conhecimento. Por isso, já cortou 44% do orçamento da Ciência, Tecnologia e Inovação e projeta mais um corte de 15% em 2018. O golpe censurou e amordaçou estudo científico do Inep, que tratava de proposta do novo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica e demostrava o retrocesso patrocinado pela atual equipe do Ministério da Educação.
O golpe é contra o SUS, o Farmácia Popular e o Mais Médicos, programa que leva assistência básica à saúde a mais de 63 milhões de brasileiros, que antes estavam desassistidos. O golpe é contra a saúde pública e pela mercantilização da medicina. O golpe sucumbiu a interesses corporativistas e quer impedir por decreto a abertura de novos cursos de medicina no Brasil, por cinco anos. O golpe é contra médicos cubanos e pacientes brasileiros. O golpe é pela doença que rende lucros. O golpe é uma patologia.
O golpe é contra os direitos das minorias e pela volta a um passado colonial e escravista. O golpe mudou a definição e afrouxou a fiscalização contra o trabalho escravo em nosso país, gerando reações contrárias da própria Organização Internacional do Trabalho.
O golpe é machista e misógino. Por isso, contrariou a Organização das Nações Unidas e parou de mapear e divulgar periodicamente os crimes de ódio contra as mulheres.
O golpe é contra a política externa ativa e altiva. O golpe é contra a soberania e por uma nova dependência. O golpe é contra o Mercosul e a integração regional. O golpe é para desintegrar a projeção dos interesses brasileiros no cenário mundial. O golpe é para nos alinhar de forma submissa aos interesses das potências tradicionais. O golpe é contra o grande protagonismo que o país assumiu recentemente. O golpe é para nos apequenar.
O golpe foi contra uma presidente honesta e a favor dos corruptos, como ficou provado nas decisões parlamentares recentes. O golpe derrubou o governo que mais combateu a corrupção, que multiplicou as operações da Polícia Federal de sete para quase 300 por ano, que fortaleceu e deu autonomia real a todas as instituições de controle, que engavetou o engavetador–geral da República e que deu total transparência ao Estado brasileiro. O golpe é contra apurações isentas e pela impunidade das elites de sempre. O golpe é cínico e hipócrita. O golpe é uma grande mentira.
O golpe é contra o futuro e pela restauração do passado. O golpe é contra a esperança e pelo ódio, para o ódio. O golpe é intolerante. O golpe é mesquinho. O golpe é contra a liberdade, a cultura e contra a diversidade. O golpe é por um país excludente, no qual poucos têm direito a muito e muitos têm direito a quase nada.
O golpe é contra os trabalhadores e trabalhadoras, a inclusão social e a distribuição de renda. O golpe é contra os negros, contra as mulheres, a favor da discriminação de gays e lésbicas e contra os povos indígenas. O golpe é plutocrata e elitista. O golpe é contra a grande nação que estávamos construindo. O golpe é contra a democracia. Contra o Brasil.
O golpe é, sobretudo, contra você, cidadão brasileiro!
Por Aloísio Mercadante. Economista, é professor licenciado da PUC-SP e Unicamp. Foi deputado federal e senador pelo PT-SP, ministro-chefe da Casa Civil, ministro da Educação e ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação | Texto original em português do Brasil
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