A questão das sanções à Hungria por violação dos princípios fundadores da União Europeia de respeito pelo Estado de Direito, pelas liberdades fundamentais, pela igualdade e pela democracia, por uma Europa aberta, enfim tem uma componente de ordem moral: defendemos o Bem, que se opõe a uma componente pragmática, ou cínica, ou maquiavélica: sendo todos os atores políticos amorais (uns mais que outros, é certo) porque se levantou uma questão de moral política entre a República Húngara e a União Europeia?Por princípio a moral está arredada da política. Nem os órgãos da UE se regem pela moral, embora tenham de dar justificações morais (ou baseadas na moral e na lógica dos interesses) aos seus cidadãos, nem o governo húngaro de Viktor Orbán. A questão é sempre de dupla entrada: porque esticou Viktor Orbán a corda até este ponto de afrontamento e provocação; porque decidiram as instâncias dirigentes da UE e, logo, as suas principais formações políticas e os estados mais poderosos enfrentar Orbán (para já no Parlamento Europeu, de onde talvez não passe)?
A primeira resposta é uma eliminação de probabilidade: não foi pelas razões apontadas publicamente e para satisfação das opiniões públicas, de falta de democracia e recusa de receber refugiados.
Como sempre, a razão é a da conquista de poder. A resposta está nos objectivos que cada grupo pretende conquistar. A resposta está na estratégia.
Viktor Orbán não é um Duce, nem um Fuher, talvez nem tenha ouvido falar em Makinder, o teórico inglês de geoestratégia que considerava a Europa Oriental uma espécie de cordão sanitário entre a Alemanha e a Rússia. Orbán é um licenciado em direito, funcionário público, antigo bolseiro da fundação George Soros, estagiário no Pembroke College de Oxford, que trata da vida e age racionalmente de acordo com planos e directivas. É um major de intendência (sem desprimor). Não é um general (mesmo com a má fama dos generais). Viktor Orbán é o relações públicas, ou, em termos tauromáticos, o forcado que surge à cabeça do chamado Grupo de Visegrado.
O Grupo de Visegrado integra a Hungria, a Polónia, a República Checa e a Eslováquia, os quatro países do antigo Bloco Leste com economias mais desenvolvidas e que entraram na UE e na NATO, após a implosão da URSS. Parece ser possível chegar á conclusão após várias atitudes que tomaram desde a sua entrada na UE que estes quatro estados da Europa Oriental têm uma estratégia que passa por se afirmarem como um bloco entre a Alemanha/França, cultural e socialmente conservador, oligopolista em termos económicos (as grandes empresas estatais nas mãos de oligarcas que sustentam o regime), logo anti-liberais, e que pretendem jogar um papel autónomo do da UE da Europa Ocidental (Alemanha/França) nas relações com a Rússia e também com os Estados Unidos. A este grupo de quatro estados poderia vir-se a juntar a Áustria, a Grécia, onde existe a possibilidade de votação contra a UE após os sacrifícios do resgate, a Itália neofascista de Salvini e incluir num futuro próximo a Bulgária, a Sérvia e os estados dos Balcãs.
Numa entrevista à revista Geopolítica, o filósofo e politólogo russo Aleksandr Duguin afirmava que a Rússia seria agora um aliado natural do Grupo de Visegrado, em parte devido a Orbán. E que, embora ainda subsista muita russofobia na Polónia, isso se deve a memória histórica, mas que será ultrapassada pelos interesses reais. A Rússia poderá ser um sócio importante da Polónia.
Mais, a Rússia está interessada em apoiar o Grupo de Visegrado, não porque lhe interesse particularmente retomar esta sua zona de influência tradicional, o que não é possível, mas porque, com a neutralidade da Europa Oriental, consegue de forma indirecta enfraquecer a UE (Bruxelas).
É esta estratégia conjugada da Rússia com o Grupo de Visegrado, que atrai a maioria dos movimentos conservadores e populistas na Europa e na América, que são contra uma UE capaz de ser um ator global, uma grande potência. Por isso, até a China ajudaria um projecto de Grande Europa Oriental a partir do Grupo de Visegrado, que poderia converter-se num centro de reorganização de todos os espaços europeus, enfraquecendo a União Europeia como um todo.
As votações no Parlamento Europeu para abrir um processo de sanções à Hungria são reveladoras do que está em jogo. Claramente, a constituição de um polo geopoliticamente neutral, ideologicamente tradicional, política e socialmente conservador na Europa Oriental, entre o Ocidente e a Rússia (Eurasia). “Uma espécie de civilização especial dentro da civilização europeia.” Afirmou Aleksandr Duguin, na entrevista que pode ser lida em: Aleksandr Duguin: El Grupo de Visegrado como el proyecto de la Gran Europa Oriental
Os dirigentes do PCP conhecem estas teses. Os seus deputados no PE também. Fica claro que o PCP apoia tudo o que enfraqueça o projecto europeu de sociedade liberal e de Estado de Direito. Uma União Europeia como um grande espaço de direitos sociais e políticos (o melhor dos grandes espaços, apesar das justas críticas que os seus cidadãos lhe possam fazer). Que prefere regimes de oligarcas, conservadores, nacionalistas e defensores de identidades de base étnica.
A velha URSS era assim.
Por opção do autor, este artigo respeita o AO90
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