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João de Sousa

Sábado, Novembro 23, 2024

O imensurável estrago de um homem só (e seus cúmplices)

Nesse momento de incertezas, uma obviedade é que não há a menor esperança de mudanças na gestão da crise social, sanitária, econômica e ética que vivemos enquanto o presidente for este que aí está.

O modelo presidencialista brasileiro confere um grande poder àquele ou àquela que assume o cargo máximo de presidente. Mas esse poder pode ser ainda muito maior se o dito não tiver pudores em desrespeitar a liturgia do cargo e atropelar os demais poderes, seus próprios aliados e mesmo seus opositores, a imprensa, a constituição, a boa educação e cortesia com as instituições nacionais e os demais países, e tantas outras nuances da diplomacia que se não são formalmente impostas, são esperadas de um líder de um país tão diverso, complexo e relevante para o resto do planeta.

Por saber disso, uma parcela da população brasileira ficou horrorizada e desesperançada com a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, vislumbrando um futuro sinistro. Talvez também por saber disso, seus eleitores mais extremistas vibraram e creram em mudanças radicais na sociedade brasileira, rumo à Idade Média, impostas pela vontade do presidente eleito. E exatamente por sequer pensarem sobre isso, muitos desavisados votaram no pior dos candidatos possíveis sustentando sua frágil convicção de que valeria a pena “experimentar algo diferente” na afirmação ainda mais inconsequente de que “se ele não fosse bom, eles o tirariam de lá.”

Bolsonaro não enganou ninguém, mantendo-se fiel ao que sempre demonstrou ser na vida pública. Sabedor de sua incapacidade de diálogo e do seu desinteresse por negociações democráticas, esvaziou todos os espaços colegiados que possibilitassem participação da sociedade em suas decisões. Escolheu a dedo ministros, assessores e gestores dos altos escalões do governo que não questionassem suas opiniões, e demitiu aqueles que não o atenderam nas suas mais absurdas vontades.

Agora que temos profundos retrocessos em todos os setores da sociedade e paralisia generalizada em todas as pastas do governo (com exceção do “ministério da destruição do meio ambiente”), fica evidente a falta que faz uma liderança decente nesse modelo. Não basta haver pessoas capacitadas no mais alto nível na sociedade civil, não basta um vasto corpo de servidores públicos experientes e compromissados, não bastam universidades estruturadas para pensar e propor soluções para os mais diversos problemas do país.

Mesmo com tudo isso à disposição do governo federal, o autoritarismo, a ignorância e a inconsequência de uma única pessoa são capazes de desmobilizar todos esses setores e empoderar uma massa de ineptos negacionistas, autoritários e atrasados para agirem contra a democracia e o povo, em nome de uma suposta liberdade individual e de um patriotismo às avessas.

E em um contexto de pandemia gravíssima como a que vivemos, resta ao mundo e a dezenas de milhões de brasileiras e brasileiros assistirem, atônitos, por meses a fio, a paralisia e a estupidez sendo narrada pelo jornalismo em todas as suas nuances e línguas, sem nenhuma expectativa de mudança no rumo dos acontecimentos.

Nesse momento de incertezas, uma obviedade é que não há a menor esperança de mudanças na gestão da crise social, sanitária, econômica e ética que vivemos enquanto o presidente for este que aí está. Trata-se de um indivíduo que nega a(s) crise(s), nega suas responsabilidades, distorce fatos, não escuta a sociedade, não demostra nenhuma empatia com o sofrimento alheio, não goza de nenhum respeito internacional, não tem equipe a altura do que precisa enfrentar e, pior, nunca a terá, pois não reúne confiança mínima para atrair ninguém respeitável que se disponha a associar o nome ao seu governo.

Sua substituição por meio de eleições levará pouco mais de 20 meses. A julgar pelos estragos que fez nesses últimos 27 meses da sua “gestão”, devemos nos preparar para um estado de degradação social tal que é difícil imaginar a recuperação ou…

Ou devemos exigir o afastamento imediato dessa figura grotesca da presidência. Por hora, o presidente da Câmara Federal, nomeadamente o deputado Arthur Lira (PP), deve ser diariamente responsabilizado por sua omissão em dar seguimento aos mais de cem pedidos de impeachment protocolados contra Jair Bolsonaro. O tal sinal amarelo que havia sido dado, como se sabe, é apenas uma brevíssima advertência antes do vermelho, a não ser que o semáforo esteja gravemente desregulado.

Ele e todos os demais parlamentares que optam por seguir priorizando suas plataformas políticas pessoais, enquanto ignoram os mais de 370 mil mortos, o colapso do sistema de saúde, o sofrimento psicológico generalizado da população e os milhões de famintos pelo país, serão inevitavelmente responsabilizados como cúmplices dessa tragédia. Agora que foi colocado contra a parede pelo STF, aguardemos para saber se Lira vai optar por uma justificativa imoral ou seguir o exemplo do seu colega, Senador Rodrigo Pacheco, e tomar, finalmente, as providências óbvias.


por Marcelo Bizerril, Professor associado da Universidade de Brasília (UnB), Doutor em Ecologia pela UnB, pós-doutor em Política e Gestão do Ensino Superior pela Universidade de Aveiro (Portugal), foi diretor do Campus de Planaltina da UnB em Planaltina (DF)  |  Texto em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado


 

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