Em 2012, no quadro da cooperação em matéria de luta contra a fraude, condição necessária para Portugal ser beneficiário de financiamentos comunitários, as autoridades europeias de investigação e luta contra a fraude (o ‘Organismo de Luta antifraude’) alertadas por magistrados portugueses, iniciam uma investigação à utilização de fundos comunitários pela empresa ‘Tecnoforma’.
José António Cerejo no jornal ‘Público’ dedicou ao assunto vários artigos que reflectem no essencial o que aconteceu. Contudo inverteu a ordem de alguns acontecimentos: o inquérito não decorreu da queixa de uma parlamentar europeia, mas foi aberto antes e decorreu de constatações do trabalho conjunto da magistratura portuguesa e do OLAF, que depois vieram a saltar para a imprensa e daí para a queixa da deputada que se limitou a colar-se a um processo existente. Aqui, como em muitas outros temas, a ordem dos factores não é arbitrária.
6,7 Milhões desviados
O trabalho de investigação do OLAF terminou em 2015, tendo este organismo europeu considerado que verbas europeias excedendo 6,7 milhões de euros tinham sido desviadas e que deveriam ser devolvidas. Dado que não existe um ‘procurador europeu’ esta decisão foi remetida para fins de investigação criminal às autoridades portuguesas.
Em 2017, o Ministério Público considerou que não houve qualquer irregularidade e portanto ilibou de responsabilidades a empresa e os vários decisores políticos que atribuíram verbas à empresa.
Em situações destas, quando as autoridades europeias consideram ter existido fraude e as portuguesas consideram que não, faz vencimento a decisão europeia, sendo o Estado português condenado – e portanto, através dele, o cidadão contribuinte – a devolver a verba em causa.
Esse procedimento é normalmente efectuado por acerto de contas – uma das várias práticas que me parecem lamentáveis orçamentalmente – pelo que ela não é registada como tal nas contas nacionais como deveria ser, mas não deixa por isso de ser paga.
Procuradoria cria “Imposto de facto”
Quer isto portanto dizer que a Procuradoria-Geral da República decidiu cobrar um imposto – que ronda um euro por cidadão adulto português – para ilibar a Tecnoforma.
Num sistema democrático, seria normal que os impostos fossem democraticamente aprovados e controlados, mas nesta matéria o défice democrático português não para de crescer.
Diz-nos agora a imprensa (Diário Económico de 14 de Novembro de 22017) que a Procuradoria-Geral da República pondera abrir um processo se factos novos se vierem a apurar. Mais uma vez temos a tentativa de inversão da ordem dos acontecimentos.
O OLAF apresentou o seu relatório em 2015, indo a matéria investigada até 2012, dando às autoridades portuguesas o tempo necessário para actuar, procedendo contra os responsáveis pela fraude, tanto no governo como na empresa.
O Ministério Público concluiu que não havia qualquer ilícito e levou dois anos para chegar a este desfecho. A matéria investigada vai até 2012, e não há portanto prescrição, contrariamente ao que se tem dito. Não há nada de novo a investigar, há apenas que actuar sobre o que existe.
Neste processo é especialmente importante a suspeição de que a fraude contou com a conivência das autoridades, nomeadamente pelo facto de o anterior Primeiro-Ministro ter sido administrador da Tecnoforma.
De novo a “complexidade” como desculpa
O OLAF garante que o actual líder do PSD foi remunerado como administrador da Tecnoforma enquanto exercia o cargo de deputado, o que o inibia tanto de receber uma subvenção por exclusividade como um subsídio de reintegração.
Não se percebe onde está a ‘especial complexidade do processo’. Ou o OLAF sabe o que diz, e isso é verdade, ou não, e o Ministério Público poderá prová-lo publicamente. Nada aqui é novo ou complexo, trata-se apenas de actuar com transparência, rigor e respeito pelos portugueses.
A questão, portanto, coloca-se da seguinte forma: ou o Ministério Público demonstra que o OLAF se enganou, e portanto que é legítimo pedir este imposto extraordinário aos portugueses, ou suscitar uma crise europeia, ou os portugueses têm de concluir que vão pagar um imposto Tecnoforma para cobrir a teia de interesses e compadrios com a qual as instituições portuguesas têm levado o país ao descrédito e à ruína.