O pesadelo de José Pedro Sequeira começou em 2012. A falta de trabalho e as dificuldades financeiras da produtora de vídeo que criara fizeram acumular várias dívidas, e com elas, uma penhora bancária sobre a casa de habitação permanente. Uma humilhação que era apenas o início de uma saga que poucos imaginam. “Algumas semanas após ter recebido o papel da penhora que me foi afixado na porta, recebi uma outra penhora da Segurança Social, reclamando que tinha prioridade sobre o imóvel”, revela.
Se o acordo bancário foi alcançado, ainda que a custo e após longas negociações, já as relações com a Segurança Social foram sempre complicadas. “Fiz um acordo para o pagamento de uma das dívidas à Segurança Social, mas, em relação às restantes, nunca consegui negociar, até porque estavam a cobrar-me dinheiro a mais”, conta o realizador.
“Primeiro paga, depois contesta”
Entretanto, “ao final de dois anos de tentativas frustradas e perderem documentos e registos relativos ao processo, lá admitiram estar a cobrar demais e reduziram-me a dívida que, note-se, foi aumentando em juros, como se de um negócio se tratasse”.
A resposta era sempre a mesma: “se não pagar, terá tudo penhorado e se pensa que tem razão, primeiro paga e depois contesta”. Há um ano, “enviei uma carta a pedir a prescrição de grande parte da divida por ter ultrapassado os prazos legais, da qual ainda não obtive resposta, sendo que o risco de ser penhorado continua e a Segurança Social vai mantendo o mesmo lema: ou paga, ou é penhorado e depois logo reclama”, acrescenta o realizador.
“A minha vida ficou um caos, pensei que ia perder tudo, têm sido uns anos miseráveis e de preocupação constante desde então”, confessa. “Senti que não temos uma instituição que olhe pelos interesses e pela justiça para a qual trabalhamos todos os dias e que as entidades do Estado são predadores, destituídos de qualquer sentido de justiça ou de equilíbrio, e que, tal como a mim, têm desgraçado a vida a muitos por esse país”, desabafa.
Esquerda aprova projectos de lei que proíbem venda de casa por dívidas fiscais
Desde 2014, mais de 6.000 famílias perderam a sua casa de habitação permanente por dívidas fiscais ou à Segurança Social. Mas, pesadelos como o de José Pedro Sequeira podem ter passado a ser parte da negra história das relações da Segurança Social e do Fisco com os contribuintes.
Três projectos de Lei aprovados no passado dia 8 de Dezembro pelo Parlamento garantem que mais ninguém poderá ficar sem casa por dívidas fiscais ou à Segurança Social. Aprovados na generalidade com os votos a favor de PS, BE, PCP e PAN e votos contra de PSD e CDS, os projectos vão agora ser debatidos em comissão parlamentar.
O que dizem os projectos
O projecto de lei do Bloco de Esquerda garante a impenhorabilidade e a impossibilidade de execução de hipoteca do imóvel de habitação própria e permanente por dívidas fiscais, enquanto o projecto do PS proíbe a venda do imóvel, mas não a penhora.
Isto significa que, no primeiro caso, o Fisco e a Segurança Social não podem sequer penhorar as habitações, ao passo que, no segundo, podem penhorá-las mas não vendê-las, impedindo também os seus proprietários de as transaccionar enquanto a dívida não for paga.
O projecto de lei do PCP, por seu turno, suspende as penhoras e vendas de habitação própria e permanente em processos de execução fiscal e determina a aplicação de um regime de impenhorabilidade desses imóveis.
Dentro de poucos meses, situações com a de José Pedro Sequeira vão fazer parte do passado, numa área que ainda precisa ainda de muitas mexidas para humanizar a relação do Estado com os contribuintes.
“As novas propostas são, sem dúvida, um ideal democrático e que não faz mais do que respeitar os direitos humanos principalmente numa Europa que se diz Europa”, comenta, a propósito, José Pedro Sequeira.
“Quando os nossos políticos falam tanto nos princípios europeus e agem com os pressupostos fins de que fazemos parte de uma Europa e que assim é que tem de ser, respeitem o povo português, respeitando as necessidades básicas como europeus de primeira e não de segunda como temos sido”, sustenta.
O que propõem os partidos para a protecção da habitação em caso de penhora fiscal
Partido Socialista
- Prevê a proibição de venda de casas de residência de família em processos de penhora
- Independentemente do montante da dívida ao fisco ou à Segurança Social, fique proibida a venda da habitação de morada de família em processos de execução fiscal
- Apenas as casas de valor superior a 574 mil euros podem ser vendidas, mas apenas findo o prazo de um ano para o pagamento voluntário da dívida
Bloco de Esquerda
- Garante a impenhorabilidade da habitação própria e permanente, bem como a execução de hipoteca sobre estes bens, evitando que este bem possa ser penhorado em processos de execução de dívida fiscal
- É considerado impenhorável e não passível de execução de hipoteca o bem imóvel com finalidade de habitação própria e permanente
- No caso de o contribuinte declarar mais do que um imóvel com finalidade de habitação própria permanente, considera-se impenhorável o bem imóvel de menor valor patrimonial
- Aplica-se aos processos iniciados a partir da entrada em vigor da lei, bem como aos processos pendentes.
Partido Comunista Português
- Não é admitida a penhora ou execução de hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente, quando se comprove a inexistência de rendimentos suficientes para assegurar a subsistência do executado ou do seu agregado familiar
- Nos casos em que, através da penhora de outros bens e rendimentos, seja possível satisfazer pelo menos dois terços do montante em dívida, não há lugar a penhora ou execução da hipoteca sobre imóvel que seja habitação própria e permanente
- São suspensas as penhoras e vendas de habitação própria e permanente em processos de execução fiscal e estabelece um regime de impenhorabilidade da habitação no âmbito desses processos executivos
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