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Quarta-feira, Janeiro 29, 2025

O Irão, a Guarda Islâmica, a Poesia e o Covid 19

Beatriz Lamas Oliveira
Beatriz Lamas Oliveira
Médica Especialista em Saúde Publica e Medicina Tropical. Editora na "Escrivaninha". Autora e ilustradora.

Na verdade inicialmente as autoridades iranianas não enfrentaram o Covid 19 como uma ameaça real, mas agora vieram a público esclarecer que têm planos de poderem mobilizar 300.000 soldados e voluntários para enfrentar o vírus.

24 de Fevereiro

O vice-ministro da Saúde do Irã0, Iraj Harirchi, enxuga o suor do rosto, durante uma conferência de imprensa com o porta-voz do governo da república islâmica Ali Rabiei em Teerão. A 25 de fevereiro soube-se que testou positivo para o novo corona vírus, no meio do surto epidémico do Irão.

 2 de Março

Uma equipe de especialistas da OMS chega a Teerão, para apoiar a resposta contínua ao surto de doença por corona vírus-2019 (COVID-19) no país.

O avião que transportava os membros da equipe técnica, continha uma remessa de materiais médicos e equipamentos de proteção para apoiar mais de 15.000 profissionais de saúde, além de kits de laboratório suficientes para testar e diagnosticar cerca de 100.000 pessoas. A OMS expressou a sua sincera gratidão ao Governo dos Emiratos Árabes Unidos por fornecer o avião fretado que permitiu à OMS levar com sucesso que sua equipe e material médico viajassem para a República Islâmica do Irão

3 de Março

O site foreignpolicy.com noticiava em impressionante título:

O isolamento político e económico do Irão não impediu o COVID 19 – mas as sanções ameaçam transformar um surto numa catástrofe.

O líder supremo do Irão Ali Hosseini Khamenei de 80 anos, ordenou que as forças armadas da República Islâmica ajudassem o Ministério da Saúde a combater a propagação do novo Covid 19.

A decisão do líder supremo, Ayatollah Ali Khamenei, ocorre quando o Irão tem o maior número de mortos pelo novo vírus e pela doença de COVID-19 fora da China, o epicentro do vírus.

Nesta data um parlamentar iraniano teria dito aos colegas para interromper o contacto com o público, pois havia 23 casos do novo Covid 19 entre os membros do parlamento.

Abdolreza Mesri

Este membro do parlamento, Abdolreza Mesri, foi referido pelo programa Young Journalists Club da televisão estatal iraniana.

Abdolreza Mesri foi eleito pela segunda vez como um dos representantes de Kermanshah, uma grande província iraniana, a mais de quinhentos km de Teerão, na 9ª Assembleia Consultiva Islâmica a 2 de março de 2012. Antes de ser eleito deputado, era embaixador do Irão na Venezuela.

Os primeiros casos de COVID 19 no Líbano, Geórgia, Líbia, Qatar, Nova Zelândia, entre outros, foram trazidos por viajantes vindos do Irão. A epidemia provavelmente entrou no Irão vinda da China com a qual o país tem grandes relações comerciais.

O site em língua farsi da Wikipedia parece ter sido interrompido no Irão depois de um político ou amigo próximo do líder supremo do país falecer com infeção pelo Covid 19, revelou um grupo ativista.

Esse tipo de informação pode ser ou não ser verdadeiro. Essa pessoa falecida seria Mohammad Mirmohammadi, mas as autoridades iranianas e os órgãos de comunicação social estatal não o confirmaram.

Enquanto a República Islâmica está a sofrer ,juntamente com a Itália, a maior taxa de mortalidade pela epidemia fora da China, as autoridades enfrentam críticas crescentes do público iraniano sobre o surto, e o medo e preocupação, veiculada por rumores e boatos, de que o número de casos do vírus possa ser maior do que o atualmente relatado.

Na verdade inicialmente as autoridades iranianas não enfrentaram o Covid 19 como uma ameaça real, mas agora vieram a público esclarecer que têm planos de poderem mobilizar 300.000 soldados e voluntários para enfrentar o vírus.

4 de Março

As mortes que ocorreram no Irão, na Itália, e na Coreia do Sul, representam 80% dos novos casos de vírus fora da China, segundo a Organização Mundial da Saúde.

Ao todo, mais de 94.000 pessoas contraíram o vírus em todo o mundo, com mais de 3.200 mortes.

8 de Março

Membros da Guarda Revolucionária do Irão, com máscaras de gás e roupas impermeáveis, fazem agora a aspersão com desinfetantes das ruas, serviços públicos e hospitais.

É possível colocar a hipótese de que ,além de reconhecerem a necessidade destas medidas de saúde publica, tenham sentido a vaga de medo que se avoluma na população que considerará, que tal como na Itália, não tenham sido logo tomadas as medidas mais drásticas que se impunham. É de má-fé imaginar que as autoridades iranianas só tenham acordado depois de elementos das elites políticas e dos seus familiares terem adoecido ou morrido.

A imprensa ocidental prefere colocar a tónica de que no Irão prevalece o interesse de manter o poder estabelecido nos radares da sobrevivência do governo, e que esse seria um interesse maior do que manter a saúde e prevenir a progressão da infeção no meio a um dos mais mortais surtos de vírus do mundo fora da China. Recuso-me a acreditar em tal teoria, sobretudo quando a vejo implantada pelo inquilino da Casa Branca.

Os líderes do Irão já conhecem o peso das sanções americanas por terem sido colocados todos de quarentena pela administração Trump, que aí não se preocupou (nem se preocupa agora) com a saúde da população que ficou com o fornecimento de medicamentos condicionado.

Claro que quando ouvimos o General iraniano Gholamreza Soleimani, que comanda a força voluntária da Guarda Basij clamar _”Preparamos todas as nossas instalações de saúde e quadros especializados que lutarão nessa jihad sagrada“, e sentimos uma vontade superior de rir, talvez nos esqueçamos da linguagem hiperbólica da poesia iraniana.

Lembro aqui que Ferdowsi é o poeta mais famoso do Irão, e escreveu o “Shahnameh”, epopeia nacional persa com mais de 60.000 versos. Ferdowsi escreveu este poema épico entre 977 e 1010 DC e foi traduzido com o título de ‘O Livro dos Reis’. Eram passados dez séculos desde que tu, ó Cristo, vieste visitar a terra! O livro conta a história do Irão desde tempos míticos até o período Sassânida no século VII, contando como histórias de heróis , governantes despóticos e demónios perversos que formam um contínuum que abarca a evolução humana. Ferdowsi demonstra a capacidade de leveza e de felicidade e infelicidade, em cada ser, encorajando seus leitores a tomar o lado do bem.

Imagino que de Ferdowsi já ninguém ri!

O Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica é um ramo da as Forças Armadas Iranianas, fundadas após a Revolução Iraniana em 22 de abril de 1979, por ordem do Ayatollah Khomeini. O Exército iraniano defende as fronteiras e mantém a ordem interna, de acordo com a constituição iraniana. A Guarda Revolucionária protege o sistema político da república islâmica do país. A Guarda Revolucionária baseia seu papel na proteção do sistema islâmico e na prevenção de interferências e golpes estrangeiros por parte dos militares ou “movimentos de oposição”.

O facto de a Guarda estar envolvida no esforço de socorro de uma grande catástrofe não é surpreendente no Irão. Os seus 125.000 soldados e 600.000 voluntários estão prontos para missões, frequentemente está na primeira linha quando há terramotos. Também em inundações recentes foram mobilizados.

Estas forças, têm médicos, epidemiologistas e virologistas, enfrentaram armas químicas durante a guerra de oito anos do Irão contra o Iraque nos anos 80. Expandiu-se na indústria privada após os anos da guerra para ajudar a reconstrução do país. Foram eles que fizeram uma grande campanha de vacinação contra a poliomielite.

O Corpo da Guarda Revolucionária Islâmica “é a principal instituição em qualquer ameaça contra o regime“, disse Afshon Ostovar, professor assistente da Escola Naval de Pós-Graduação nos Estados Unidos, que escreveu um livro sobre a Guarda Revolucionária.

E quando um americano que nem é poeta diz, nós não rimos, reverenciamos.

 

Afshon Ostovar

NOTA

Afshon Ostovar é analista sénior do Centro de Estudos Estratégicos da CNA e entrou para a Escola de Pós-Graduação Naval como Professor Assistente de Assuntos de Segurança Nacional. Vive em Washington, DC.


Por opção do autor, este artigo respeita o AO90


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