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Domingo, Novembro 24, 2024

O Irlandês, de Martin Scorsese

O fim do ano chegou com uma estreia de peso na Netflix: O Irlandês, megaprodução que subverteu a lógica dos lançamentos comerciais ao estrear em uma plataforma de streaming ao invés das salas de cinema.

De passagem, filme de Martin Scorsese aborda estratégia da máfia, ao apoiar invasão na Baía dos Porcos. Para recuperar seus lucrativos casinos e prostíbulos, criminosos e governo Kennedy armaram anticastristas. Mas o fracasso foi retumbante.

O Irlandês

Dirigido por Martin Scorsese, o filme, que tem Robert De Niro, Joe Pesci e Al Pacino em seu elenco, conta a história de um motorista de caminhão que se envolve com a máfia. Durante suas três horas e meia, Frank Sheeran, o irlandês do título interpretado por De Niro, vive os dramas de quem não consegue se ver além de uma mera bucha de canhão do gangsterismo norte-americano da segunda metade do século passado.

O filme é excelente. Este artigo, porém, pretende abordar não o núcleo da trama, mas um de seus apêndices: as cenas que mostram a revolta da máfia com a Revolução Cubana por ter sido enxotada de Havana junto com seus casinos (convém lembrar que a relação entre a máfia e a ilha caribenha dos tempos de Fulgêncio Batista foi mostrada também em O Poderoso Chefão).

Sem rodeios, uma de suas passagens mostra como a máfia contribuiu com apoio logístico e armamento pesado para a invasão da Baía dos Porcos, em 1961, ocasião em que a própria população cubana pegou em armas e pôs os invasores para correr. O episódio foi responsável por alavancar a fama e o prestígio internacional da revolução liderada pelos irmãos Castro e por Ernesto Che Guevara.

Mas do que se tratou tal invasão?

Em 17 de março de 1960, Dwight Eisenhower, então presidente dos EUA, ordenou a criação de um exército de cubanos exilados. A partir daí, deu-se início ao treinamento que culminou no primeiro confronto direto entre os dois países após 1959.

Com barcos, armas e equipamentos de comunicação fornecidos pela CIA, a invasão foi liderada por Howard Hunt, veterano que participou do golpe na Guatemala que derrubou o presidente Jacobo Arbénz, em 1954. O desembarque ocorreu em uma praia pantanosa conhecida como Playa Girón. Mesmo com uma formidável rede de espiões e com armamento de ponta, em menos de três dias a invasão foi derrotada.

Uma cena do filme traz um noticiário televisivo abordando o assunto. O apresentador informa como Fidel Castro humilhou os EUA – a conclusão é do próprio âncora –, que ainda teve que lidar com críticas da comunidade internacional por ter enviado grupos paramilitares armados à ilha. Russell Bufalino, mafioso interpretado por Joe Pesci, não esconde sua frustração ao perceber que nada adiantou dar bazucas às milícias anticastristas.

Bufalino é quem organiza o engajamento da máfia na campanha presidencial de John Kennedy, chegando a fraudar votos em troca da retomada de seus negócios na ilha “para nosso pessoal recuperar casinos, autódromos, barcos de camarão e tudo o mais que tinham em Havana”, explica Sheeran enquanto expõe as verdadeiras razões do entusiasmo de seu chefe. Foi sob a gestão de Kennedy que a invasão ocorreu.

Bufalino sonhava com o retorno à época em que Cuba era um grande prostíbulo a serviço dos EUA. Um escoadouro do dinheiro sujo da máfia. Para isso, contou com o compromisso de Kennedy, que até a batalha de Playa Girón procurou esconder as intenções de um confronto bélico com Fidel Castro. Em sua primeira tentativa, no entanto, percebeu a dificuldade que seu país teria em fazer a recém-criada pátria cubana voltar a ser colónia.

Mas isso é só uma nota de rodapé. Alguns poucos minutos no latifúndio de tempo que é a obra de Scorsese – mas também um bom motivo para assistir a ela.


por Gustavo Barbosa | Texto original em português do Brasil

Exclusivo Editorial PV / Tornado

Publicado originalmente no Outras Palavras

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