A videoconferência do ‘Eurogrupo’ marcada para dia 7 a que dedicámos a nossa última crónica no Tornado acabou por se arrastar até dia 9, terminando com um acordo que mais parece uma lista de lavandaria com os mais diversos milhões ou biliões que sob as mais variadas formas e intenções poderão ser emprestados aos Estados ou – no caso dos fundos de coesão – desviados da sua função original.
A existência de acordo é em si mesma positiva, no sentido que assinala a capacidade de a União Europeia subsistir perante o enorme abalo causado pela sua incapacidade de reacção, mas deixa na sombra todas as questões essenciais que temos pela frente.
Começando pelo ponto mais óbvio, países como Portugal, mesmo antes da crise, já tinham esgotado a capacidade com que poderiam recorrer ao crédito, em condições tidas por normais, e agora, por maioria de razão, menos ainda o poderão fazer, pelo que a lista de créditos em preço e prazos que não são dados a conhecer, não tem, no essencial, qualquer interesse, e menos terá ainda se, como se teme, for associada a condições mais gravosas do que aquelas propiciadas pela presente política monetária do Banco Central Europeu.
Continuando depois com a proposta feita pela Governadora do Banco Central Europeu de utilização de ‘coronabonds’ apoiada pela maioria dos membros da UEM, sempre me pareceu fútil (teria tido algum sentido em 2011 quando Durão Barroso avançou com ela) e apenas compreensível como forma de tentar descartar as suas responsabilidades, mera manobra dilatória.
A esse propósito assinalo a conclusão lapidar do chefe da equipa económica do Financial Times (Martin Wolf, ‘Temos de nos focalizar nos nossos próximos passos’, Financial Tiles, 2020-04-08) ‘fala-se muito de Eurobonds, mas a única acção que é relevante é a do Banco Central Europeu. Não há alternativa.’
No momento presente, quanto mais alucinadas são as declarações, atitudes e previsões dos nossos dirigentes mais apoios parecem granjear, e esse estado de coisas é potenciado por incógnitas que continuam a obscurecer a presente pandemia e pelo tardar de alguma análise informada e inteligente.
O que sabemos ao certo é que, no final de Março, o índice de produção industrial dava já a China a recuperar fortemente e quase ao nível de Janeiro (The Economist, 11 de Abril de 2020, p. 16), contrariamente à situação de todos os outros grandes produtores mundiais.
Está por saber o impacto da intenção anunciada pelas principais potências industriais não europeias do mundo democrático – Japão, Coreia do Sul, EUA – de deslocalizar as suas cadeias de produção para fora da China e mais ainda entender se a declaração do Primeiro-ministro português de depender menos da China tem alguma base objectiva, mas parece claro que a China não se deixou enredar no vírus que produziu.
A base da economia portuguesa constituída pelo turismo está totalmente destroçada, mas não parece haver ninguém que se incomode com isso, nem no Governo, nem na opinião pública, e, pelo contrário, parece haver mesmo a intenção de tornar o desastre pior do que o indispensável.
Numa situação marcada pela ‘corona-obsessão’ todo o disparate parece ter sucesso garantido e ninguém parece interessado em ver o que há a fazer.
Se me parece claro que há que recorrer imediatamente à subvenção a fundo perdido, só uma visão realista e ponderada permite saber a forma como poderemos recuperar da profunda catástrofe económica em que estamos mergulhados.
Creio mesmo que só essa visão poderá vir a sair do actual jogo de sombras e mobilizar a sociedade para a recuperação económica e política.
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