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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

O livro em branco

José Carlos S. de Almeida
José Carlos S. de Almeida
Professor de Filosofia do ensino secundário. Licenciado em Filosofia e em Direito.

“Ligámos ao pescoço de cada homem o seu agoiro. No Dia da Ressurreição havemos de mostrar-lhe um Livro que ele encontrará desenrolado. Lê o teu Livro. Isto basta para a tua tarefa de hoje.”

ALCORÃO, XVII, 14-15

Também Hareth iben Axraf possuía aquela virtude paciente e nocturna de fixar numa renda demorada e vida agitada de Yathrib, o comércio e o homens, as histórias fabulosas que as caravanas que atravessam o Hedjaz íam escrevendo e guardando no rosto vermelho dos homens do Levante e na areia fina do deserto, espécie de livro sem fim, posto por Deus à disposição dos homens, onde as rodas dos carros e as patas dos camelos inscrevem os vários passos da coisa humana, os seus actos, até que um dia, alguém, sobre o Hedjaz, os decifre, por virtudes de navegação aérea, riscos e sulcos na areia, escrita misteriosa, que o vento apagará e levará sabe-se lá para onde, talvez para junto de Deus, para que Ele os vá lendo com o tempo e possa, em ocasião ajustada, julgar os povos destes sítios.

Vinda a noite e a mansidão da Lua, acercava-se de Hareth iben Axraf a vontade de escrever tudo o que durante o dia ouvira, de descrever o entusiasmo com que escutara as narrativas fantásticas dos condutores das caravanas. E deixava também registo dos seus medos e dos seus desejos de viajar. E então, à luz de um candeeiro, anotava num caderno, com uma caligrafia delicada, todas as impressões novas e os fragmentos sábios das gentes de Yathrib. Como numa longa pintura.

Perdia-se, dessas vezes, Hareth iben Axraf no enredo das histórias que escrevia, vítima de maquinações fantásticas e perturbadoras, viajava nelas e na noite que lentamente o inundava quente, carícia meiga e silenciosa que só o rapaz sabia, por ter carne jovem e imaginação sem freio, e tudo se confundia, o que os homens lhe contaram e o que a noite segredava, e nem as letras separavam, antes, pois possuíam formas estranhas para dar corpo a tanta maravilha, uniam ali no papel, a noite, as viagens dos comerciantes e o longo Hedjaz. Era estranho aquele comércio das letras, sistema de trocas directas bem se vê, que sente quem escreve à noite.

E era à noite que Hareth iben Axraf escrevia.

Por vezes, cansado no meio de tanta escrevinhação, acordava-lhe o desejo súbito, pois os desejos sempre são súbitos, e é por serem desejos de nada, que são desejos e não caprichos, desejo agora da pele branca e perfumada de Séfora, sua amiga de olhar inexplicável, melhor maneira de traduzir o que os olhos dizem sempre a mais do que algum dia se poderá escrever. Por isso, largou tudo em direcção à sua Séfora, e quem o visse então, exclamaria, Olhem, ali vai Hareth iben Axraf, quase correndo, quase voando, e fossem os braços antes asas, e ele voaria decerto sobre as casas brancas de Yathrib, fendendo o ar como daqui a pouco o corpo do seu desejo. Mas os braços não eram asas e isso sabia-o bem Séfora que irá amar noite fora e sentir nos recantos do corpo as mãos de Hareth iben Axraf, como pássaros que se espantam no estilhaçar do dia. Ainda bem que os braços não são asas, murmurará Séfora, de olhar inexplicável, sentindo a algazarra infantil dos dedos do seu jovem amante desembaraçando o seu corpo doas sedas e dos receios, menos estes que aquelas, nunca há mil e uma noites, o tempo é sempre pouco e pouco se fala, na sua boca apenas cabe outra boca, a de Séfora, cantos doces, de doces cantos ouviu um dia, parecem que se querem esconder um do outro, não por vergonha, mas por mágicas e difíceis acrobacias, quase satânicas, que isto do amor onde não entre o Mal, morre o desejo por ser desejado como peixe fora de água e definham os amantes em longas prédicas bem intencionadas.

Por isso Hareth iben Axraf corre pelas ruas de Yathrib, que hoje se chama Medina, mas nem ele pensou em tal coisa, não vá a noite adormecer Séfora e levá-la para muito longe. As suas sandálias nem pisam o chão e nem repara nalguns vultos que se escondem aluados pelas ruelas simétricas de Yathrib. Quem é este jovem que assim corre, o mundo não acaba amanhã, mas quando o Livro quiser, isso é que acaba, se Hareth iben Axraf não encontrar ainda esta noite os olhos de Séfora, céu do mundo, por redondos serem e por lá morar o que é de sagrado e envia as chuvas benfazejas para todo o Hedjaz. E nos olhos de Séfora também chove, aí o mundo não acaba, antes nasce, e isso só Hareth iben Axraf sabe. Mas tal saber nunca escreverá, porque a paixão não se escreve: sabe-se e é tudo.

Quando chega, já Séfora de olhar inexplicável estava à janela e sorri e Hareth iben Axraf também sorriu. Trocavam agora de risos e dentro em pouco de braços e de carícias e de segredos e de perfumes. Ofegantes e espantados no silêncio. Onde perco a boca, perguntará o jovem, vasculhando o quarto e o corpo de Séfora, de olhar inexplicável, ainda rindo, já não sabemos se por prazer recompensado ou de novo renovado. Quem saberá as cores das noites de Yathrib, as noites doces, terra de mel e leite, também, abençoada pelas Palavras e por Alá que encomenda a sua escrita, grande escritor por mister forçado na criação do Mundo.

Que Hareth iben Axraf vai escrevendo outro livro na pele lisa de Séfora, dirá esta mais tarde, olhando o seu corpo arranhado, comemoração escrita e luminosa, incendiando muitas noites e a memória.

Respirarão fundo, enfim, os jovens, que ele tinha corrido muito e ainda não descansara e assim é que está certo, porque no amor também se corre e quando se pára ou se acorda, nunca mais reconhecemos os mesmos lugares. Só Séfora, meiga Séfora de olhar inexplicável, outra Lua, é ainda porto seguro, talvez Djedda imaginada e poderia aí Hareth iben Axraf dormir descansar dormir, Oh, inventa-me uma história, não digas nada. E ficam calados, parece que toda a cidade repousa naquele momento, expectante. E ficam calados, dizia, e eu também não deveria perturbar o silêncio dos amantes, mas desta vez Séfora levantar-se-á, cisne branco orgulhoso que acorda a superfície do leito e irá buscar um presente que oferecerá ao rapaz, não como recompensa, que nisto do amor tudo é gratuito, por vias de graça divina e mandamento natural, mas por prazer malicioso, cuja razão não se deve perguntar, porque o que acontece tem de acontecer e é inútil inquirir razões.

Fica espantado Hareth iben Axraf com a oferenda, pois era um livro em branco, livro diferente por não se achar sequer iniciado com qualquer sinal que se lesse, livro que não é livro ou então único livro possível, branco no branco, e sorri Séfora, sua amiga de olhar inexplicável. Um livro em branco é o que Séfora oferece a Hareth iben Axraf, jovem dado a estas coisas das letras e dos sinais, que nesse momento, ainda não recomposto, como que acorda. Um livro onde tudo fique registado, até as marcas das noites em que não nos vimos, explica Séfora sem mais explicar e nada pergunta o rapaz que guarda o estranho presente. E explicado ficando e ninguém mais falará disso durante o resto da noite, se bem que, quando o jovem partir ou largar, é quase dia pois aqui amanhece mais cedo que noutras terras para lá do mar que nunca conhecerá, mas que ouvirão mais tarde esta história, irá cismando pela rua naquele livro.

Abalado que foi da casa de Séfora, depressa regressará a casa, talvez querendo começar desde já a escrever naquele livro, forma clara de trazer presente a sua amiga de olhar inexplicável, adorná-la de riscos preciosos alvorecendo a seda da sua voz. Mas porque já era tarde ou o escrevente se sentia ainda embalado naquela dormência, quem poderá saber se amar não é apenas uma forma de navegação alterada e solitária, que, chagado a casa, logo adormeceu, menino pequeno sem pecado, apenas com aquele que não é pecado por ter encomendado a sua alma ao olhar de Séfora e assim, desalmado ou de alma mais plena, se ter abrigado em tão curiosa hospedaria, não temendo o castigo que sempre resulta de quem pernoita clandestino e sem avisar os guardas da cidade.

Adormecido está, sonhando vai, e para tão longe que no outro dia nem se lembrará por onde passou, que terras viu, em que portos nunca vistos penetrou. De nada se lembrará porque, sozinho ou com Séfora, distante foi e outros lugares sentiu e descobriu, arte nómada e subversiva, e por isso não se recorda. E assim ficam esclarecidas as razões dum problema que atormentará a mente humana muitos séculos depois.

Tornando à história. Quando Hareth iben Axraf acordar terá como decidido de nesse dia não visitar Zuahaib aç-Caif, condutor de caravanas e adepto feroz de Maomé, que lhe concedia carícias benevolentes nos banhos, local insuspeito onde os homens se lavam e se perfumam e riem no meio das brincadeiras e dos jogos inventados a propósito. Mas disto não se dirá mais nada, pois sendo o delicado Zuahaib aç-Caif mais avançado na idade, mãos finas ou afinadas, que o trabalho dos corpos exige um ourives barroco e muitas noites em claro, melhor o contaria, embora correndo nós o risco, ou o perigo, se perigo for, de ele não vos contar a verdade toda como eu aqui vos conto.

Estando já crescido o dia quando Hareth iben Axraf despertou, depressa foi este buscar o livro em branco, o presente de Séfora, e estando em maré de escrever, por ter coisa de lembrar que já nem se lembrava e ser a escrita tarefa moça ou luarenta, logo se dispôs a escrevê-lo. E por ser assim, assim fez. E sentou-se Hareth iben Axraf perto da sua janela, talvez pensando que estaria mais perto de Séfora, dos seus olhos, e fosse deste modo a escrita mais fiel e comovida como a sua lembrança.

E por ser assim, assim fez.

E eu vos relato agora o espanto tamanho do jovem, quando começou a escrever naquele livro em branco, oferta radiosa. Queria descrever nesse livro toda a sua memória dos seus dias, a memória de Séfora, de como a viu ágil pela primeira vez numa praça de Yathrib, ensinando a uns meninos, olhos curiosos que espreitavam, alguns jogos infantis, feitos com riscos e sinais esotéricos que traçava no chão e logo apagava, aprendendo os meninos a ler na areia o bailado das estrelas e o significado das diversas formas das nuvens, pois tem mais tento aprender o que manda o céu que o que é mandado na terra, mas isso ainda hoje ninguém percebeu.

Como atrás digo, Hareth iben Axraf queria escrever sobre Séfora, o seu andar manso e pequenino, como quem está sempre longe e é demorado, escrever nesse livro de páginas provocantemente brancas, lugar onde o branco chama, tudo o que se recordava de Séfora e Séfora recordava, trabalho de memória que esquece e agarra os dias para que não fujam mais, não aconteça encontrá-los mais tarde muito estranhos.

Queria o rapaz tudo isso, feito de vontades escondidas, só que tudo o que escrevia no livro em branco se apagava pouco tempo depois de ser escrito, por obra mágica, que Hareth iben Axraf desconhecia, coisa nunca vista, talvez haja um rio naquele livro que lava as palavras deixando tudo emudecido em volta, talvez não devesse macular o que é puro e diáfano, talvez os riscos que traçava se escondam por tão escondidos e tolhidos estarem onde estavam. Talvez isso e outras razões que o olhar inexplicável de Séfora poderia explicar, mas nada se deverá perguntar, antes ficar contente com tudo o que vai acontecendo. E prosseguirá Hareth iben Axraf essa estranha tarefa, escrita durante muitos dias, sempre à janela sem sequer sair para ver Séfora, não fosse esta um dia colher as histórias daquele livro a meio, se é que ela as conseguirá ler pois será coisa dificultosa decifrar o branco no branco, restos de lembrança e outros retratos que Hareth iben Axraf risca e não risca, mas de certo nunca apagará, e até sabe-se lá se não são desde logo apagados definitivamente quando escritos, nascem e morrem inglórios, antes não escrevesse mas os segredasse pelo cabelo de Séfora, missangas que se espalham, como se fossem histórias em que ninguém acredita por só acontecerem aos outros.

E por serem os riscos logo apagados, não estará já o livro todo escrito e seja defeito do escritor que não vê a clareza que ofusca, pensa Hareth iben Axraf enquanto escrevia coisas belas e claras que se juntavam e se perdiam afogadas na claridade das folhas do livro. E porque são coisas demasiado claras é que não se vêem, cogitava o rapaz, quando parava a meio daquela tarefa invisível, parece coisa de bruxaria, estar assim a escrever noite e dia, sem nada ver escrito, eram as palavras engolidas e tragadas, coisas do demónio ou do amor, é o mesmo, se assim contrariar a Natureza e as suas leis, crime por ser soberbo e poder pensar-se que o que está escrito os homens nunca poderão ver, mas isso é a Lei, isso é o Livro e Hareth iben Axraf é ainda rapaz moço e descuidado sem vocação vidente.

Pensamos nós.

Mas faltaria ao meu compromisso de contar os acontecimentos como aconteceram sem nada acrescentar à verdade, pois isso foi o combinado, se não vos avisasse que entretanto abalou Hareth iben Axraf para fora de Yathrib, deixando completo o livro, terminara a sua tarefa, ao que parecia, se assim se pode dizer, pois partiu de súbito com Zuahaib aç-Caif, condutor de caravanas e adepto feroz de Maomé, o Profeta, que lê o futuro e por isso, talvez ele possa ler o livro e revelar as histórias de Hareth iben Axraf e Séfora, sua amiga de olhar inexplicável.

Aviso-vos, mas ficou Séfora sem ser avisada que o seu amigo largara para o deserto, por uns tempos, para ver mais de perto o Hedjaz, pois quem escreve deve ter um saber de experiência feito, como dirá um poeta, mui viajado por vontade apaixonada e talento aguerrido, muito engenho, que Hareth iben Axraf nunca encontrará nos banhos nem em histórias que lhe contém. É que foi Hareth iben Axraf visitado no meio destes dias do livro em branco por Zuahaib aç-Caif que lhe propôs a viagem, guerra santa e de prazeres, pelas ondas do Hedjaz tão que seriam tão parecidas com searas de trigo se esta arei fosse da razão de o dar. Terei que interromper as minhas histórias, lamentou-se o amigo do homem, Mas o que é que escreves, perguntou Zuahaib aç-Caif admirado, tentando ler o que era sumamente branco. É uma viagem diferente, respondeu Hareth misterioso e divertido e mais nada disseram e assim ficaram em silêncio porque são amigos de olhar o mar e as dunas do deserto sem nada dizerem, cativos, entendidos. Mas, pensou Hareth iben Axraf, que pena era a de não poder escrever durante aqueles dias naquele livro, agora que iria descrever a emoção se Séfora visitando pela primeira vez a sua humilde casa. Era o entusiasmo da tarefa nova, no livro enfeitiçado por Séfora que nunca explicou o seu olhar nem lhe explicará aquelas páginas brancas por brancas serem ou de traços invisíveis, saiba o futuro que o presente ainda está a ser escrito, e por essa razão pode até Séfora nem saber a magia daquela prenda. Mas o seu amigo disse-lhe que o esperava lá fora e deixou-o em silêncio no quarto com o livro, estranho enamoramento. Olhou Hareth iben Axraf para a figura que se afastava e apenas reparou que as suas sandálias de couro eram novas e que não saía à rua há mais de duas semanas, que será de Séfora, há mais de duas semanas, sabor de saudade grande.

Era Janeiro no início, ano segundo da Hégira, quando foram com os outros, também fiéis ao deserto e à Palavra, discípulos dum Deus que escreve e que o homem, por dever por Ele ordenado e no seu acanhamento original, tenta imitar. E lá foram todos para tudo preparados pois logo que se puseram em ordem de caminhar sabiam que apenas podiam contar com Ele e com o seu profeta e soldado e com um desejo de regressar salvo, que esta guerra pode ser santa, se é que não dizem isso de todas, mas há muito boa gente que não está ciente disso com fervor e pensa nos que deixaram para trás, como Herath iben Axraf pensa na sua Séfora e no livro em branco, livro incompleto ou já completo, não sabe ele. Por causa disto que atrás digo, ficamos nós por Yathrib, é mais seguro e deste modo poderemos contar depois tudo o que se passou se sobrar alguém para ouvir.

Ficou assim Séfora em Yathrib sem ser avisada da partida de Hareth iben Axraf, há mais de duas semanas que não o vê, que será dele há mais de duas semanas, sabor de saudade grande. Por estar assim em cuidados, caminhou Séfora durante longas noites pelo seu quarto, distância incalculável que se perdia pelas horas, tentando escutar a sua correria pela rua, Será que é ele, mas era apenas Caab Sufiane que não partira com os outros por ter religião firmada em Jerusalém, filho de outra Palavra, mas irmão de todos por razões comerciais.

Por vias desta demora assaz grande, resolveu Séfora ir a casa de Hareth iben Axraf saber notícias, pois podia ter caído à cama com algum mal e precisar de remédio que estivesse ao seu alcance. Não conhecia a casa de Hareth, apesar de este, em várias alturas, a ter convidado para lhe mostrar algumas sedas e caxemiras que Zuahaib aç-Caif trazia das suas viagens. Entrou calmamente, como se reconhecesse aquela casa, entrou no quarto, era também o seu mundo, sentia-o estranhamente como se lá habitasse desde sempre, no seu corpo do avesso, pois não entrara também o jovem no seu corpo. Mas o seu amigo não se encontrava ali, Onde estará ele, perguntou com os olhos a correr pelas paredes, porque os olhos também correm e ficam por vezes longe, mas não tão longe que levasse agora Séfora até ao Hedjaz, até Badre, onde se encontra Hareth iben Axraf, cansado da cavalgada pelo deserto, dormitando às portas da cidade, sonhando por dentro do livro em branco, sonhando que Séfora finalmente o visitava. Mas isso Séfora não sabe, apenas vê que o livro que oferecera se encontra repousado sobre o leito. Decide então aproximar-se dele, do livro em branco, que Hareth iben Axraf tentara escrever, sem nunca lhe dizer, guardando segredo, sorri. E desfolhando o livro por curiosidade insuspeita, logo repara que está cheio de riscos e palavras até meio, até meio cheio de arabescos, é essa a expressão correcta, restando, afinal, poucas páginas ainda em branco. E então, o que Hareth iben Axraf escrevera, se é que escreveu por sua conta, é lido por Séfora que lê o que Hareth iben Axraf nunca lerá. Sorri por ver o que Hareth demoradamente, já tinham passado duas semanas, escrevera durante dias e noites a fio e por se ver ali retratada, efeito dum contentamento verdadeiro, sem maldade, que Séfora desconhecia. E espanta-se por ver a descrição da sua própria visita à casa do seu amigo, com pormenores inesperados, mas certeiros. E seu olhar inexplicável seguiu aquelas histórias do livro até muito tarde, pois era entretanto noite e Séfora nem dera por isso. Até que, finalmente, soube, lendo, quem poderia escrever aquilo, que Hareth iben Axraf partira para o Hedjaz com Zuahaib aç-Caif e outros seguidores de Maomé. E ali se encontrava tudo escrito, tremia a rapariga perante a revelação. E ali tomou conhecimento pelo livro, era noite avançada, estava escrito nesse livro, oferta de Séfora, que Hareth iben Axraf, ao fim da tarde, às portas de Badre, morria numa batalha sangrenta, iluminado pelo olhar bondoso de Zuahaib aç-Caif, a quem pedira que rezasse por ele e pela vitória de Alá e do seu Profeta e entregasse o livro em branco a Séfora, porque afinal lá nada escrevera, pois os riscos que no livro traçara, apagavam-se de seguida, como a sua vida naquele momento.

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