A proliferação da muito liberal ideia de sucesso e da oportunidade de sucesso que conduzirá os mais aptos ao nirvana do bem-estar poderá ser fortemente atractiva para muitos, mas não passa da repetição da ideia que há décadas alimenta a desigualdade e que mais não faz que oferecer mobilidade social a um pequeno grupo enquanto os padrões de vida da maioria das pessoas continuam a degradar-se.
A distribuição geográfica dos grandes investimentos e a concentração populacional agravam os desequilíbrios entre o mais atractivo litoral e o crescentemente desertificado interior, o que aprofunda as disparidades regionais no nível de escolaridade, de rendimento e de expectativa de vida. A dificuldade dos partidos tradicionais em lidar com essas desigualdades não é surpreendente, pois foram os mesmos que privatizaram sectores básicos das economias e que, em nome de equilíbrios e regras orçamentais mais ou menos espúrias, recorrem a políticas de austeridade que mais não têm feito senão o agravamento das desigualdades sociais.
A própria ideia de mobilidade social, tão cara a liberais e neoliberais, é muitas vezes usada como argumento para apresentar a igualdade de oportunidades quando as condições materiais para permitir a mobilidade ascendente das classes trabalhadoras não existem e onde não há vontade política para criá-las; assim, a perspectiva de mobilidade social é o engodo usado para atrair os assalariados a um esforço suplementar, no sentido da mudança de atitude individual sem a menor contrapartida que altere as suas condições materiais.
A individualização do sucesso, traduzida na simples existência de uns poucos felizardos que chegam ao topo, ajuda a minimizar e a justificar as maiores desigualdades estruturais e a alimentar a fábula do eldorado. Mas a realidade é muito diferente; os salários reais continuam mais baixos do que eram antes da crise financeira de 2008 (Quando a decisão pública molda o mercado: a relevância do salário mínimo em tempos de estagnação salarial – Diogo Martins)…
…e a percentagem de trabalhadores em situação de precariedade é ainda muito elevada, ultrapassando o dobro da média na U.E. (como Eugénio Rosa explicou neste artigo, aqui no Tornado)…
…não sendo, por isso, de estranhar a ideia que as gerações mais jovens enfrentam perspectivas de mobilidade menos favoráveis do que os seus pais.
Para contrariar eficazmente essa tendência seria necessário agravar a carga tributária sobre os mais ricos, mediante profundas reformas nos impostos sobre a riqueza, e aumentar os benefícios fiscais para as famílias com filhos, sem nunca esquecer que no âmago da concepção dominante de mobilidade social reside a necessidade de alguns descerem para outros subirem a que acresce a óbvia realidade de que, independentemente do esforço realizado, nem todos alcançarão o topo. O mero reconhecimento deste facto e o abandono do discurso da mobilidade social (por mais tentador e aliciante que ele possa ser) deverá constituir o primeiro passo para uma mudança nos comportamentos e nas políticas que efectivamente contribuam para uma melhoria dos padrões de vida dos assalariados e dos pequenos empresários iludidos e alheados desta realidade.