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Sexta-feira, Novembro 1, 2024

O marxismo no século 21

José Carlos Ruy, em São Paulo
José Carlos Ruy, em São Paulo
Jornalista e escritor.

O capital não sairá do palco da história mundial sem luta. Nascido “pingando da cabeça aos pés, por todos os poros, sangue e sujeira”, não deixará o mundo de outra forma.

por Jenny Farrell, em Socialist Voice  | Tradução de José Carlos Ruy

 

Duzentos anos após o nascimento de Marx, olhando para trás, de nosso ponto de vista do século 21, até meados do século 19, perguntamos: quão útil é o marxismo como ferramenta para compreender a sociedade hoje? Este artigo é baseado nas ideias do filósofo marxista Thomas Metscher, conforme exposto em sua entrevista “A coragem é necessária em tempos de derrota”.

Os filósofos só interpretaram o mundo, de vários modos; o objetivo é mudá-lo.”

O marxismo possui um núcleo de conhecimento teórico, que inclui a crítica de Marx à economia política, a teoria do valor-trabalho, a base e a superestrutura, a teoria da ideologia, a percepção de que toda a história desde o fim da sociedade primitiva tem sido uma história de sociedades de classes e luta de classes, a teoria do imperialismo desenvolvida por Lenin e Rosa Luxemburgo, a teoria de Bukharin do fascismo como capitalismo desenfreado, conhecimento na área da cultura e das artes, etc. Novos desenvolvimentos requerem maior expansão, um aprofundamento da visão existente ou o desenvolvimento de novos campos.

O marxismo é uma visão de mundo em que o movimento político e a teoria se encontram. Seu objetivo é interpretar o mundo e mudá-lo. O marxismo como visão de mundo baseia-se na ciência, filosofia e na arte.

A inclusão da arte como forma de compreensão do mundo é uma extensão da visão marxista tradicional, percebendo, por exemplo, que Shakespeare apresentou em cena uma profunda consciência das forças essenciais da sociedade capitalista de sua época, incluindo seu potencial para a barbárie. Brecht aplicou a visão marxista em sua poesia e peças, acrescentando a experiência do século 20. Ngũgĩ wa Thiong’o apresenta a experiência africana de um ponto de vista marxista.

Todos os três escritores percebem as forças em jogo em suas sociedades, imaginam um mundo mais humano e mostram como a sociedade deve ser mudada A dialética é fundamental para o marxismo.

Dialética significa que todos os aspectos da vida, da sociedade, se desenvolvem constantemente e, portanto, não são estáticos ou imutáveis. O desenvolvimento dialético significa que o movimento não é simples e linear: ele pode ir para trás ou para frente, com forças conflitantes, às vezes opostas, em jogo. A dialética nos permite compreender uma realidade em mudança. Um olhar sobre a evolução da humanidade e da sociedade ao longo dos milênios ilustra isso. E, claro, a evolução não parou.

A própria compreensão humana está sempre ligada a um determinado momento da história. A sociedade burguesa levou séculos para suceder ao feudalismo; e uma série de revoluções, começando no século 14, foi finalmente completada nos séculos 19 e 20.

O conceito de utopia, conforme descrito por Thomas Metscher, é uma expansão do marxismo tradicional como uma forma de pensar sobre o que é historicamente possível, um plano para uma sociedade desejável em um momento específico. O pensamento utópico é necessário para que as pessoas tenham um ponto de vista para uma ação focada: para entender como a sociedade deve mudar para se tornar mais humana e como criar um mundo que seja apropriado para nós como humanos.

A ideia de que a condição humana imutável é ser agressiva, gananciosa e destrutiva é anti-histórica, generalizando um aspecto do comportamento humano dentro da sociedade de classes para ser verdadeiro para todos os humanos em todos os momentos – e assim impedindo a compreensão da mudança necessária e possível.

A ética política é igualmente central para o conceito de marxismo integrativo de Metscher. Critica as normas sociais vigentes e estabelece outras mais humanas. Ao lado do conceito de utopia, refere-se a um mundo possível e humano onde prevalecem a bondade, a paz e a solidariedade – um mundo livre do medo e da miséria.

Comunismo significa solidariedade e um mundo pacífico; a transformação do Estado constitucional burguês em uma sociedade constitucional universal; a abolição da opressão econômica, social e cultural; a abolição da pobreza; a distribuição equitativa da riqueza social; e a preservação da natureza como habitat da humanidade. Nesse sentido, o comunismo é uma utopia concreta, e trabalhar para criar condições que sejam proporcionais à humanidade é o sentido da vida.

 

Religião e marxismo

Como teoria científica, o marxismo não pode reivindicar conhecimento absoluto. Se o fizesse, negaria a mudança histórica e o fato de que o próprio entendimento é histórico. O marxismo se tornaria uma teoria fechada, uma quase religião. Os limites históricos do conhecimento deixam espaço para crenças individuais. Pessoas religiosas podem ser marxistas – na verdade, sua fé pode motivar a ação política.

O marxismo é uma ferramenta para compreender e agir no mundo para alcançar uma existência baseada na igualdade humana, na verdadeira democracia econômica e política. Todas as forças comprometidas com este objetivo devem se unir. Dada a superioridade do inimigo, o capital imperialista e suas agências políticas, a aliança política de todas as forças anti-imperialistas é um pré-requisito para a resistência. As religiões devem ser julgadas de acordo com seu papel na luta anti-imperialista global. Do lado da coalizão anti-imperialista são parceiros bem-vindos, do lado do imperialismo são nossos adversários. A questão é como a religião contribui para a libertação.

 

O marxismo e a luta por direitos humanos e justiça

O direito na sociedade de classes é principalmente o direito de classe. No entanto, o direito é uma conquista da civilização: como direitos humanos, direito internacional, direitos civis, o estado de direito nos Estados constitucionais. Os direitos fundamentais estão erodidos em todos os níveis hoje, apesar das afirmações de liberdade e democracia.

Leis são impostas, por exemplo, para minar a independência nacional pela burocracia de Bruxelas no interesse do capital monopolista de um superestado federal da UE. O euro é uma arma para usurpar a independência econômica e a soberania. A luta pela emancipação hoje se tornou uma luta para defender e construir a democracia constitucional.

As conquistas sociais desde a 2ª Guerra Mundial estão sendo revertidas por ataques neoliberais ao bem-estar social, aos serviços de saúde, à educação e às condições salariais e de trabalho. A erosão das conquistas sociais obtidas especialmente nos países do antigo campo socialistas – e também pelos governos trabalhistas em toda a Europa – ganhará impulso se suas causas persistirem.

As razões residem na produção dominante, na propriedade e nas relações de poder. Nesta “época de guerras e revoluções”, o capital monopolista se funde com o capital financeiro, buscando um sistema de dominação global. O imperialismo é capaz de uma aceleração inimaginável do avanço tecnológico: a produção de alta tecnologia atualmente, a invenção projetada de inteligências transumanas destinadas a substituir os humanos. Correspondentemente, ele representa em sua constituição cultural interna a rebarbarização da civilização humana em uma medida igualmente inimaginável em contraposição a esse progresso tecnológico.

A luta por uma sociedade humana é de longo prazo e se baseia na revolução democrática: uma transformação fundamental dos sistemas de produção e poder dentro de uma democracia constitucional. A base para isso é a luta contra o neoliberalismo, a socialização da propriedade monopolista – capital financeiro, controle social das relações econômicas básicas, defesa do Estado-nação soberano por meio do desenvolvimento do Estado constitucional, além de suas limitações de classe, levando ao desenvolvimento de uma sociedade constitucional socialista econômica e politicamente democrática.

Os acontecimentos na Tanzânia de Nyerere, em Cuba e na Venezuela são exemplos. Este é um grande empreendimento. No entanto, é a possibilidade existente de ação política aqui e hoje.

A luta em questões jurídicas e constitucionais (dos serviços públicos e direitos reprodutivos à soberania nacional) é uma pré-condição para a revolução anticapitalista. Na verdade, a revolução começou com esta luta.

O capital não sairá do palco da história mundial sem luta. Nascido “pingando da cabeça aos pés, por todos os poros, sangue e sujeira”, não deixará o mundo de outra forma. Nesse ínterim, a maximização dos lucros a qualquer custo, com guerras perpétuas, a erosão da democracia e a destruição do meio ambiente, podem levar a humanidade ao abismo.

Hoje, depois de duas guerras mundiais e do fascismo europeu, caminhamos para um novo pico. A luta pela paz agora envolve nada menos do que a sobrevivência da humanidade. A paz é a questão central do nosso tempo. Temos um mundo a ganhar.


por Jenny Farrell, Nascida em Berlim, vive na Irlanda desde 1985. É professora no Galway Mayo Institute of Technology, especialista em poesia irlandesa e inglesa, bem como na obra de William Shakespeare. Escreve para Culture Matters e Socialist Voice, órgão do Partido Comunista da Irlanda   |   Texto em português do Brasil, com tradução de José Carlos Ruy

Exclusivo Editorial PV / Tornado


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