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Quinta-feira, Novembro 21, 2024

O ‘massacre’ televisivo das chamadas de valor acrescentado

É uma autêntica lavagem cerebral. Mal começa o programa Aqui Portugal, da RTP, aparece no ecrã a indicação de que está a decorrer um passatempo que tem um prémio de 15 mil euros. Quem quiser habilitar-se a pôr a mão na massa – melhor, num cartão – tem, naturalmente, de pegar no telefone e gastar 74 cêntimos de cada vez que ligar para o número que fica bem visível, ao longo das próximas horas, até o programa acabar.

Mas como a televisão pública é uma mãos-largas, para adoçar a boca aos mais renitentes, junta ainda, só para começar, mais um prémio, este no valor de mil euros, uma espécie de terminação da taluda. Quem ligar fica habilitado a levar para casa os dois prémios. Um cronómetro em contagem decrescente serve para transmitir a mensagem de que o espectador está a correr o risco de deixar passar estas duas oportunidades de ganhar uns bons trocados.

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“Dinheiro suficiente para mudar de vida”

Este é um formato muito utilizado, hoje em dia, pelas televisões. Uma equipa desloca-se a uma terra, monta um palco por onde vão passando uma série de cantores e grupos pouco ou nada conhecidos, que até pagavam para aparecer na televisão, e os apresentadores vão falando com o presidente da terra e uns quantos empresários e artesãos.

Mas tudo isso parece ser um pretexto para manter os portugueses de olhos vidrados na caixinha mágica, enquanto são bombardeados com apelos aos telefonemas. Ao longo das primeiras três horas do programa – com, pelo meio, meia-hora de intervalos publicitários – houve, da parte dos apresentadores, um total de 15 apelos directos, totalizando cerca de 30 minutos. Intervenções feitas não na perspectiva de alguém que precisa do dinheiro do espectador para receber o salário no fim do mês, mas, pelo contrário, na de um amigo, que tem para ele a solução ideal para resolver os seus problemas e concretizar os seus sonhos.

Depois de, ainda na parte inicial do programa, serem atribuídos os primeiros mil euros, começam, então, a atacar forte no prémio principal, os 15 mil. A apresentadora Joana Teles garante que “é dinheiro suficiente para comprar um carro, para fazer umas grande obras lá em casa, pode ir viajar pelo mundo inteiro, se quiser…” Para além de que, lembra outro dos seus colegas, um pouco mais à frente, vem aí o Natal, o que significa despesas acrescidas, pelo que o dinheiro “vem mesmo a calhar”. É, no fundo, garante-se numa outra intervenção, “dinheiro suficiente para mudar de vida”.

A ideia que se tenta fazer passar é que o dinheiro está ali ao virar da esquina, basta ligar “nem que seja uma vez” e “acreditar que este dinheiro pode ir para si”. E, para ajudar os telespectadores a acreditarem mesmo nisso, vale quase tudo, até, em determinada altura, colocar crianças de um grupo coral a promoverem a linha telefónica.

ERC critica e ameaça com regras mais apertadas

Apesar de parecerem técnicas comerciais demasiado agressivas, a verdade é que o panorama até já foi pior. Para se defenderem das críticas que lhes eram feitas e da possibilidade de serem impostas fortes restrições a este tipo de concursos, a RTP, a SIC e a TVI assinaram, no ano passado, um acordo de auto-regulação que, supostamente, os tornava mais transparentes e acabava com as práticas mais contestadas.

Assim, passou a ser necessário que cada televisão tenha um regulamento dos concursos disponível no seu site – embora algo escondido, pelo que pudemos constatar. Igualmente se colocou um travão ao número de chamadas que podem ser feitas. No máximo são dez as que o sistema permite que sejam efectuadas a partir do mesmo número de telefone. Passou a ser obrigatório que, no decorrer dos programas, os telespectadores sejam informados do valor que pagam por cada chamada (60 cêntimos mais IVA) e como os vencedores podem utilizar o prémio. Não vão receber uma transferência de dinheiro para a sua conta, não vão poder levantá-lo, nem investi-lo. O que recebem é um cartão de débito carregado com um determinado saldo, que pode ser usado para fazer todo o tipo de compras, mas não para ser convertido em dinheiro vivo.

Foram alterações positivas que, no entanto, não pararam as reclamações. A ponto de, em Junho passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ter aprovado uma deliberação na qual fazia diversas críticas aos concursos, em especial, o tempo de duração dos apelos aos telespectadores, que é considerado exagerado. Em face dos problemas que continuam a verificar-se, a ERC anunciou ir elaborar uma Directiva sobre este tipo de concursos.

Esta é uma má notícia para as televisões, para as quais as chamadas telefónicas são sinónimo de muito dinheiro. As operadoras televisivas não discriminam exactamente quanto facturam por esta via, optando por atirar os valores para as rubricas contabilísticas “outras receitas” ou “serviços multimédia” que, no total, registaram, em 2014, quase 80 milhões de euros, com grande destaque para a SIC (37,8) e a TVI (33,2).

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