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João de Sousa

Quinta-feira, Novembro 21, 2024

O melhor filme de António Pedro Vasconcelos?

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Amor Impossível

****

Poderá o amor sobreviver sem os obstáculos e as vicissitudes que o problematizam e que permitem, no fundo, aos amantes encontrar nesse sofrimento a seiva do seu amor? Em Amor Impossível, a questão é debatida pela estudante Cristina (Victória Guerra a provar que é uma actriz com que podemos e devemos contar) ao defender a tese académica em que o amor sem barreiras seria igualmente possível. A ideia surge a propósito do romance assolapado e impossibilitado de Kate e Heathcliff, os protagonistas da obra em discussão, O Monte dos Vendavais, de Emily Bronte. António Pedro Vasconcelos, numa cameo como o papel de professor de literatura, acaba por se render à visão da rapariga dando-lhe um dezanove, porque o 20 era apenas para ele.

Esta é, por assim dizer, a premissa do último filme de APV, uma ideia tão arriscada quanto ambiciosa, mas que acaba por funcionar e devolver-nos até como um dos seus melhores trabalhos. Não será de todo indiferente o guião de Tiago Santos, o mesmo guionista do desastroso O Leão da Estrela, que aqui se redime num trabalho bastante equilibrado e mesmo sedutor. Diálogos inteligentes num filme bem esgalhado, rock and rol e muito sexy, com diálogos bem apimentados e devidamente ambientado na cidade de Viseu. Por tudo isso dizemos, Tiago, pá, tás perdoado!

Ao contrário do que sucede na obra de Bronte, a história não é narrada pela governanta, mas pela leitura que a agente Madalena (Soraia Chaves magnífica e não escrava do físico) faz do diário da jovem Cristina que é dada como desaparecida logo no início do filme. Um diário que serve para Madalena compreender a desaparecida, mas também o seu namorado Tiago, numa prestação segura de José Mata, um actor de televisão mas com um à vontade suficiente para defender com garra a personagem. De resto, Mata mantém com Victória Guerra um muito convincente casal adolescente apaixonado que seguimos em formato de sucessivos flash backs.

O filme desenrola-se então em dois níveis e tempos distintos – por um lado, o romance entre Cristina e Tiago, com as vicissitudes da família; do lado dele os pais ricos e limitados no seu mundo (Guilherme Filipe e Manuela Couto); do dela, a mãe viúva (Maria D’Aires) cujo marido falecera, ao que a filha supõe com respeito, devido ao amor-ódio de uma amante. Paralelamente, a interessada Madalena segue a investigação com o colega e amante Marco, com Ricardo Pereira num ritmo igualmente ajustado. Pelo meio, vale o diário que Madalena vai lendo ao mesmo tempo que avalia o romance dos jovens e se confronta, ele própria, com a fragilidade da relação que mantém com o colega.

Fulcral é também a magnífica sequência numa esplanada de praia onde Cristina se cruza com Madalena num momento em que aquela procurava a calma para descrever um momento de angústia e esta vivia um momento de incompreensão com Marco. E ainda um momento em que conta com o apoio do barman local numa discreta mas ajustada prestação de José Martins.amorimpossivel

Ao fim e ao cabo, APV e o produtor habitual Tino Navarro conseguem atingir aquilo que muitos pretendem e falham – criar cinema português comercial de qualidade, sem recurso ao estilo televisivo ou aos ganchos populistas. Mesmo correndo o risco da ambição pela comparação a um clássico da literatura romântico como O Monte dos Vendavais, percebe-se que existiu bastante cuidado em criar um filme simples e acessível, com uma história de amor pouco convencional. Apetece dizer que tudo, ou quase tudo corre bem. Ao ver o filme pela segunda vez, após ter perdido o início da fita, percebemos que, afinal de contas, o flash back arrefece mais do que aquece, quando mais não seja por ficarmos com a sensação de que a narrativa cronológica não sairia afectada. Pelo contrário. E não perderia até se no desenlace final fossem ‘roubadas’ duas dezenas de minutos.

Numa altura em que a um certo cinema português se lhe associa o conceito de blockbuster, ainda que nunca deixe de sair do território televisivo, ficamos com a sensação de que este Amor Impossível, aparentemente baseado em factos reais, teria mais mérito em ser descoberto por um grande público, ainda que, muito provavelmente, nesta semana festiva não escape a ficar ‘tapado’ pelo maior blockbuster do ano. É pena.

Nota: A nossa opinião (de * a *****)

 

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