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Quarta-feira, Julho 17, 2024

O “milagre” de Mário Centeno

Eugénio Rosa
Eugénio Rosa
Licenciado em economia e doutorado pelo ISEG

Como Centeno conseguiu o “milagre” de um saldo orçamental consolidado positivo à custa da continuação da degradação dos Serviços Públicos

Neste estudo analiso como o ministro Mário Centeno conseguiu nos primeiros 5 meses de 2019 um saldo orçamental positivo de 318,1 milhões €, à custa de do aumento do endividamento das Administrações Públicas  em 356,5 milhões €, de uma reduzida cobertura do subsidio de desemprego (apenas 32 em cada 100 desempregados recebem subsidio de desemprego, que é em média apenas de 494€ o que tem causado o aumento da miséria dos desempregados que aumentou com este governo), e também através do aumento do saldo negativo das contas do Serviço Nacional de Saúde que nos 5 primeiros meses de 2019 aumentou em 85,7% quando comparado com o de idêntico período de 2018. Refiro também que o megaconcurso da contratação de 1000 técnicos superiores para Administração Pública centralizado no Ministério das Finanças, tão badalado na comunicação social, visa adiar a contratação de mais trabalhadores o que causará a continuação da degradação dos serviços públicos.

Isto porque um concurso com esta dimensão centralizado no Ministério das Finanças, que é a primeira vez que é feito, por um lado, prolongar-se-á por tempo indefinido até pelos numerosos incidentes que inevitavelmente acontecerão e, por outro lado, porque na Administração Publica qualquer concurso externo para contratação de pessoal, pelos procedimentos burocráticos que exige, envolve sempre muitos e muitos meses. É mais uma habilidade de Centeno para adiar a despesa e assim reduzir o défice à custa da degradação dos serviços públicos como tem acontecido. Até a ADSE, que é financiada fundamentalmente com os descontos dos trabalhadores, está sujeita a essa degradação que está a causar graves prejuízos aos beneficiários. Mas desta forma Mário Centeno cumpre os objectivos apontados recentemente do FMI de reduzir a despesa com pessoal , que tem diminuído, em percentagem do PIB nos últimos anos, como provo no estudo.

Espero que este estudo contribua para que a verdade sobre a natureza do saldo orçamental positivo verificado nos 5 primeiros meses de 2019 seja reposta.

Estudo

Como Centeno conseguiu o “milagre”de um saldo orçamental consolidado positivo à custa da continuação da degradação dos Serviços Públicos

A Direcção Geral do Orçamento do Ministério das Finanças divulgou os dados referentes à execução orçamental de Maio de 2019. E logo a comunicação social afecta ao governo, assim como comentadores nos media defensores do governo, não se cansaram de elogiar o “milagre” conseguido pelo ministro das Finanças de apresentar um saldo orçamental positivo de 318 M€ nos 5 primeiros meses de 2019. O próprio ministro participou nisso pois veio gabar-se em várias conferências de imprensa mas dizendo que era um sinal da “dinâmica da economia e do mercado de trabalho em Portugal” (Publico, 24/6/2019). Desta forma, Mário Centeno foi transformado no “ministro milagreiro do défice” E como não há contraditório nos media em Portugal aquela afirmação passou como uma verdade, e de tão repetida muita gente acreditou nela. Uma análise objectiva e fundamentada mostra uma realidade bem diferente.

O SALDO ORÇAMENTAL CORRENTE CONSOLIDADO (inclui todas Administrações Públicas) FOI POSITIVO ATÉ MAIO DE 2019 EM 318,1 MILHÕES € MAS A DIVIDA DAS ADMINISTRAÇÕES PUBLICAS A PRIVADOS CRESCEU, NO MESMO PERÍODO, EM MAIS 356,5 MILHÕES €

A “Contabilidade Pública” das Administrações Públicas, com base na qual se calcula o saldo orçamental ao longo do ano, é diferente da “Contabilidade Nacional”. Esta tem em conta as dividas de despesas do ano e é aquela com base na qual se apura o verdadeiro défice. E este é calculado no fim de cada ano pelo INE, sendo o que é enviado à Comissão Europeia. Analisemos o “milagre” de Centeno utilizando os próprios dados constantes também da execução orçamental de Maio-2019 do Ministério das Finanças, não referidos pela comunicação social, referentes ao endividamento das Administrações Públicas.

Quadro 1 – Aumento da divida das Administrações Públicas entre DEZ.2018 e MAI.2019

FONTE: Informação Estatística – Síntese Execução Orçamental – Maio 2019 – DGO- Ministério das Finanças

 

Como os dados do Ministério das Finanças mostram, Centeno conseguiu obter um saldo orçamental consolidado das Administrações Públicas positivo de de 318,1 milhões € à custa do aumento da dividas destas ao sector privado em 356,5 milhões €. Só a nível do Serviço Nacional, a divida do SNS aos privados aumentou, entre Dez.2018 e Maio de 2019, de 503,5 milhões € para 658,7 milhões €, ou seja, mais 30,8% em 5 meses. Por isso, não é de estranhar nem as dificuldades crescentes do SNS para responder às necessidades de saúde da população, nem os protestos dos profissionais de saúde.

Mas não foi só desta forma que o ministro Mário Centeno conseguiu o saldo orçamento positivo de 318,1 milhões €.. Para saber como esse saldo orçamental foi obtido interessa conhecer também as suas origens. E uma parcela importante teve como origem a Segurança Social.

O SALDO POSITIVO DA SEGURANÇA SOCIAL ATÉ MAIO DE 2018 FOI DE 1.488 MILHÕES € E EM 2019 ATÉ MAIO FOI JÁ DE 1.824,4 MILHÕES €

O saldo orçamental divulgado pelo Ministério das Finanças e utilizado pelo ministro, resulta da consolidação dos saldos de todas as Administrações Públicas, incluindo da Segurança Social. E foi o aumento no desta última que mais contribuiu para aquele saldo orçamental global positivo de 318,1 milhões € tão elogiado pela imprensa afecta ao governo. E isto porque, entre 2018 e 2019, e tomando como base apenas os cinco primeiros meses de cada ano, o saldo positivo da Segurança Social  aumentou de 1.488 milhões € para 1824,4 milhões €, ou seja , registou um crescimento de 336,4 milhões € (+22,6%) em 2019, portanto um crescimento superior ao saldo orçamental (318,8 milhões €) utilizado por Mário Centeno.

Uma das causas que tem contribuído para os enormes saldos positivos apresentados pela Segurança Social, para além do aumento da contribuições dos trabalhadores e empresas (as contribuições até Maio de 2019 somaram 7.149 milhões €, quando as de 2018, no mesmo período, tinham sido 6.585 milhões €, ou seja, as 2019 foram superiores em 564 milhões €), foi as fortes restrições impostas em despesas de combate à pobreza. Entre elas destaca-se, pelo seu impacto social fortemente negativo, a baixa cobertura do subsidio de desemprego, ou seja, da percentagem de desempregado a receber subsidio de desemprego. O quadro 2 prova isso (são dados do INE e da Segurança Social).

Quadro 2 – Taxa de cobertura do subsidio de desemprego (% de desempregados a receber subsidio)

FONTE: Inquérito ao Emprego – 1º Trimestre de 2019 -INE; Estatísticas da Segurança Social

 

No fim do 1º Trim. 2019, menos de 32 desempregados em cada 100 recebiam subsídio de desemprego. O subsídio de desemprego médio pago nesse mês foi apenas 494,2€ segundo a Segurança Social. Segundo o INE, 45,7% dos desempregados encontram-se a viver abaixo do limiar da pobreza. O desemprego é a principal causa da pobreza em Portugal tendo aumentado com este governo.

A SITUAÇÃO DO SERVIÇO NACIONAL DE SAÚDE AGRAVOU-SE NOS PRIMEIROS 5 MESES DE 2019

A situação do SNS agravou-se nos primeiros 5 meses de 2019 como os próprios dados da execução orçamental mostram. É também desta forma que Centeno consegue o “milagre do défice”.

Quadro 3 – O agravamento da situação do SNS em 2019: receitas inferiores às despesas

Fonte: Administração Central do Sistema de Saúde, IP.

 

Nos cinco primeiros meses de 2019 as receitas do SNS aumentaram 2,9% e as despesas cresceram 5,4%. Como consequência o saldo negativo cresceu 85,7% pois passou, entre 2018 e 2019, de -122,5 milhões € para -227,5 milhões €. O SNS só consegue funcionar com base no endividamento crescente. É esta também a explicação para o “milagre” de Mário Centeno.

A ILUSÃO DO MEGACONCURSO DE 1000 TÉCNICOS: a situação dos serviços públicos vai-se agravar

A Administração Pública sofreu uma forte destruição durante a “troika” e o governo PSD/CDS. Dezenas de serviços foram encerradas e o numero de trabalhadores foi reduzido em quase 80.000. As consequências foram dramáticas para a população em termos de serviços de saúde, educação, segurança Social, etc.. Durante o governo de Costa só uma pequena parte foi revertida, o que contribuiu para que a situação dos serviços públicos se agravasse ainda mais até devido à quebra acentuada do investimento público que causou a degradação ainda maior dos serviços. Isso é visível no SNS, na Segurança Social, na ADSE, que devido à falta de trabalhadores, verifica-se atrasos nos pagamentos a beneficiários de 3 meses, o que está a causar problemas graves e a insatisfação generalizada. Perante a degradação dos serviços públicos sentida por todos e a necessidade de urgente de contratar mais trabalhadores, Mário Centeno arquitectou um plano para dificultar e adiar a entrada, embora dando a ideia que quer contratar mais trabalhadores.

Pela 1ª vez na Administração Pública impôs a centralização dos concursos no Ministério das Finanças, lançando um “megaconcurso” para contratar 1000 técnicos superiores impedindo assim que os próprios serviços o façam É mais um expediente para atrasar a contracção de trabalhadores o que vai agravar ainda mais a demora. É de prever que nem em 2021 haverá trabalhadores desta contracção. Mas a Administração Pública precisa não só de técnicos superiores mas também de muitos assistentes técnicos. E os serviços continuarão a degradar-se e os portugueses a terem piores serviços públicos, mas assim o ministro ilude a opinião publica de que está interessado em resolver este grave problema. Mas assim consegue diminuir a despesa com pessoal como defende o FMI apesar desta ter baixado segundo o INE: em 2008: 12% do PIB; 2011: 12,8%; 2015: 11,3% e 2018: 10,8% do PIB. E os serviços públicos para sobreviverem têm de contratar serviços a empresas privadas (até Maio o Estado gastou 3.370 milhões € com aquisição de serviços = 54,7% das despesas de pessoal). É uma forma de apoiar o sector privado e de privatizar os serviços públicos.

 

 



 

 


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