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Segunda-feira, Dezembro 23, 2024

O Ministro, a Comunicação Social e o Consultor de Políticas Públicas

Nuno Ivo Gonçalves
Nuno Ivo Gonçalves
Economista, Mestre em Administração e Políticas Públicas, Doutor em Sociologia Política. Exerceu actividade em Gestão Pública, Recuperação de Empresas, Auditoria e Fiscalização e foi docente no ISE e no ISG. Investiga em História Contemporânea.

Visão de conjunto

O episódio da contratação de Sérgio Figueiredo por Fernando Medina para, no âmbito do gabinete deste, prestar serviços no âmbito da preparação e da avaliação de políticas públicas, deu origem a diversas reacções, sobretudo com base em argumentos formais.

Sem pretensão de exaustividade, recordo:

  • Francisco de Assis, Presidente do Conselho Económico e Social, pronuncia-se a favor em entrevista ao público, valorizando a capacidade de interlocução com os parceiros sociais;
  • Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista e Professor de Direito da Nova, chama a atenção para a circunstância de na nova organização do Estado, já ter sido criada uma área de conhecimento de planeamento e políticas públicas, afectando a prevista nomeação o princípio da eficiência;
  • Susana Peralta, Professora de Economia da Nova, chama a atenção para a existência no Ministério das Finanças de um GPEARI;
  • André Freire, Professor de Ciência Política do ISCTE, em texto publicado na Vaca Voadora apoia-se nos dois argumentos anteriores e interroga-se sobre se a contratação – que foi divulgado ser por um período de dois anos será em tempo integral;
  • a jornalista do Público Ana Sá Lopes, pede opinião a João Bilhim durante uma entrevista, e toma posição, em artigo de opinião inserido no seu jornal que se apoia largamente nas opiniões do entrevistado;
  • António Costa remete a decisão para Fernando Medina, uma vez que se trata da gestão do gabinete daquele.

Como foi divulgado, Sérgio Figueiredo dá-se por odiado e achincalhado publicamente e renuncia à contratação e Medina sem enfiar o chapéu que lhe oferecia Bilhim – não saber o que são políticas públicas – insiste em que a contratação correspondia a necessidades do Ministério.

Não conheço pessoalmente Sérgio Figueiredo, no entanto há um ou outro aspecto do seu percurso que não me deixa indiferente. Em todo o caso parece-me que a contratação Sérgio Figueiredo para outra área ou mesmo para o Ministério das Finanças para colaborar com um Ministro respeitado – enquanto Ministro – que não Fernando Medina talvez passasse. Tentarei explicar.

 

Sérgio Figueiredo

O primeiro Governo de António Guterres definiu políticas em relação às empresas em dificuldades que foram inflectidas quando Joaquim Pina Moura substitui Augusto Mateus em finais de 1997. Acompanhei na altura a produção do Diário Económico, de que era Director Sérgio de Figueiredo sobre esta temática e posteriormente num trabalho académico fiz uma recolha de todos os títulos das notícias saídas no jornal, também sobre o tema, durante a legislatura.

Foi-me possível na altura perceber como Sérgio Figueiredo geria o seu jornal, que figuras privilegiava ou hostilizava dentro do elenco governante, e mesmo quando, em vez de fazer jornalismo, trabalhava sobre dossiers que lhe eram entregues. Quando mais tarde surgiu como director da TVI terá simplesmente multiplicado as suas oportunidades de gestão política.

Não concordo com João Bilhim quando este desvaloriza as capacidades deste “licenciado em Economia” para entrar na gestão de políticas públicas. Pois se há até licenciados em Psicologia que adquiriram nome, é certo que com algum investimento académico, na área. E afinal quem seja Licenciado em Economia e tenha apreendo bem (não sei se foi o caso de Sérgio Figueiredo) o ciclo do planeamento e o ciclo orçamental facilmente se moverá bem no ciclo das politicas públicas.

O percurso de Figueiredo conheceu um fim abrupto quando a TVI noticiou que o poder político ia pôr em causa a continuidade do BANIF e com a corrida aos depósitos que a divulgação dessa notícia suscitou. Uma self-fulfilling prophecy. A absolvição anos depois da TVI e do seu Director, que não tiveram assim de responder pelos prejuízos causados, não terá deixado de ser, na pendência do processo, uma ameaça à transmissão de titularidade da estação, por muito que fossem invocáveis a liberdade de expressão e de informação.

A absolvição de Sérgio Figueiredo terá feito sentido enquanto jornalista. Mas enquanto economista? Nunca terá aprendido que se aos bancos é exigida uma cobertura parcial dos depósitos pelas reservas de caixa é porque se pretende reduzir o impacto de um pânico dos depositantes?

De qualquer forma, se podemos estar de acordo em que Sérgio Figueiredo conhece bem os meandros da adopção de politicas públicas deveria ter-se mantido afastado do Ministério de tutela do sistema bancário.

 

Fernando Medina  

Estava convicto de que Fernando Medina, nascido no Porto, tinha concluído a licenciatura na sua Faculdade de Economia, mas outro dia vi-o incluído nos alumni do Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG). Também pensei que sempre tivesse vivido da política, mas depois de perder a reeleição como Presidente em Lisboa noticiou que se iria apresentar na AEICEP, à qual se encontrava vinculado.

Em todo o caso fui reparando no exercício de funções políticas, como a de Secretário de Estado do Trabalho, no primeiro governo de José Sócrates, em que reagiu a uma greve geral da CGTP(i) realizada em 30 de Maio de 2007 com uma análise baseada nos consumos fabris de energia eléctrica, que indiciaria uma falta de adesão. No mesmo governo, acompanharia em conjunto, com os responsáveis governamentais de outros departamentos, a problemática das empresas em dificuldades(ii). No segundo governo de José Sócrates passa a Secretário de Estado no Ministério da Economia.

Mais tarde António Costa, que saíra de Ministro da Administração Interna para conquistar a presidência da Câmara de Lisboa adopta-o como nº 2 e, digamos, seu delfim na Câmara e na Área Metropolitana.

Já tive ocasião de tecer algumas considerações sobre os mandatos de Costa e Medina, no Jornal Tornado, em 2 de Março de 2022.

Para além das políticas que foram sendo adoptadas, e que o presidente derrotado na e dúvidas sobre a capacidade de decisão e de assunção de responsabilidades de Medina:

  • o primeiro a manutenção até ao limite do Arquitecto Manuel Salgado, chamado por António Costa, como protagonista, ainda que informal dos processos de decisão na área do urbanismo;
  • o segundo a incapacidade de assumir responsabilidades pela tramitação no seu gabinete das intenções de realização de manifestações e a exoneração do responsável pela protecção de dados a título de bode expiatório.

Medina desliga-se da Câmara e faz-se substituir na área metropolitana de Lisboa, para logo a seguir aceitar exercer as funções de Ministro das Finanças de António Costa.

Será que se considera minimamente qualificado para o efeito? Será que alguém leva a sério a afirmação de que o Orçamento de Estado para 2023 será o seu Orçamento?

Parece-me mais verosímil que António Costa, que teve alguns engulhos na relação com Mário Centeno – em especial no que se refere ao mecanismo de Capital Contingente do Novo Banco – e para o qual João Leão não seria o interlocutor ideal, tenha querido ter um Ministro das Finanças inteiramente feito à medida das suas necessidades, inclusive quando quisesse fazer saltar Ministros sem que ele, Costa, aparecesse como responsável.

Terá sido esse o caso de Marta Temido? Não parece que possamos excluir essa hipótese.

Note-se que a propósito de Fernando Medina se vêm dizendo outras coisas: a contratação de Sérgio Figueiredo seria uma forma de pagar favores anteriormente recebidos. Os comentários remunerados, os artigos de opinião pagos como direitos de autor, as despesas de deslocação pagas indevidamente ou em duplicado vêm surgindo no caminho de deputados e presidentes de câmara como forma de complemento de salário. Pode contudo suceder que estejamos em presença de uma mera inabilidade, e que Medina sentisse a necessidade de estimulação intelectual por Sérgio Figueiredo como beneficiou durante vários anos da de Manuel Salgado. Não sei qual dos cenários seria pior.

 

Notas

(i) De origem aliás inabitual pois foi suscitada em Conselho Nacional por uma proposta de Arménio Carlos e algumas estruturas sindicais, com abstenção do então Secretário-Geral, Manuel Carvalho da Silva.

(ii) Foi nessa altura que vim a conhecê-lo pessoalmente e a formar uma ideia sobre a sua capacidade política.

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