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Quarta-feira, Julho 17, 2024

O mundo está a desdolarizar-se – Parte II

Arnaldo Xarim
Arnaldo Xarim
Economista

PARTE II

A persistência de notícias sobre guerras comerciais e boicotes económicos de duvidosa justificação merece uma observação que vá além do mero facto relatado, do histrionismo do autor ou das consequências imediatas.Depois de já ter abordado a relação entre o dólar e o yuan ou o uso do dólar como arma silenciosa, porque não pensarmos na hipótese de amanhã só os americanos usarem o dólar?

IV – A Europa e as suas fronteiras

A par de tudo isto e da situação de indefinição e quase letargia que vivem a UE e a sua Zona Euro – particularmente agravada depois da crise das dívidas públicas denominadas em euros, na qual os EUA tiveram uma ainda mal esclarecida participação – e mal-grado as sanções por estes aplicadas à Rússia, constata-se que o investimento alemão neste país continua a crescer e está em vias de bater um recorde de 10 anos, com um investimento de mais 1,7 mil milhões de euros na economia russa no primeiro trimestre deste ano, valor que representa um aumento de 33% relativamente ao ano anterior. Apesar das sanções (que atingiram cerca mil milhões de euros) e da pressão ocidental contra a Rússia, o comércio entre os dois países aumentou 8,4% em 2018, chegando aos 62 mil milhões de euros.

Não foi apenas na área comercial que o negócio falou mais alto que as sanções ou as ameaças, pois também no capítulo das infra-estruturas os dois países mantiveram vivo e em progresso o projecto de gasoduto para o transporte de gás natural Nord Stream 2, que deverá ser concluído até ao final de 2019, pois a proximidade do gás russo não é apenas uma fonte natural e lógica de abastecimento, mas também uma excelente alternativa aos agressivos métodos de venda do mais poluente gás de xisto norte-americano, a que se soma a vantagem dos pagamentos não serem denominados em dólares.

A longo prazo, os benefícios das relações comerciais e económicas germano-russas devem superar em muito as sanções norte-americanas de duvidosa legalidade, podendo até potenciar outros negócios fora do sistema bancário e de transferência dominado pelo dólar; e este é apenas um pequeno passo no sentido da desdolarização, situação que já em finais do ano passado era abertamente discutida em Moscovo, onde os defensores da ideia até argumentam com declarações de figuras proeminentes – como a do economista do banco Goldman Sachs, ex-ministro do Comércio do Reino Unido e presidente do famoso think tank britânico Chatham House, Jim O’Neill – que afirmou à CNBC que o papel desproporcional que o dólar desempenha no sistema financeiro global é um problema, suportado no facto do peso da economia americana no PIB mundial ter caído de 30% para 18%, desde o final da II Guerra Mundial e dos Acordos de Bretton Woods (momento que consagrou o dólar norte-americano como moeda de pagamentos internacionais) mas o dólar mantém-se como a principal moeda de reserva para 60% dos países que representam 70% do PIB mundial.

Na própria Zona Euro, o presidente da Comissão Europeia em fim de exercício, Jean-Claude Juncker, defendeu, em Setembro de 2018, um maior papel global para o euro, lembrando o absurdo que é a UE liquidar 80% das suas importações energéticas – no valor de 300 mil milhões de euros – em dólares quando apenas 2% daquelas importações têm origem em território norte-americano, ou que as companhias europeias de aviação comprem aviões europeus, ramo onde a europeia Airbus mantém uma luta acesa com a americana Boeing pela liderança no mercado, em dólares em lugar de euros.

A par com as já referidas sanções aplicadas à Rússia, Washington também lançou uma guerra financeira contraprodutiva contra outra região fronteiriça da UE como a Turquia; talvez pela sua progressiva aproximação com a Rússia, o Irão e a China (com quem partilha pontos vista coincidentes na questão síria), mas seguramente porque a Turquia, um bastião da NATO, começou a equipar-se com o mais avançado sistema de defesa antiaérea russo, o S-400, numa aparente inversão estratégica que os EUA não podem aceitar. A resposta norte-americana foi a sabotagem da moeda turca, a Lira, que perdeu já 40% do seu valor desde Janeiro de 2018.

Esta situação está a empurrar a Turquia para o Oriente e no sentido de abandonar todas as negociações em dólares e alinhar a sua moeda com o yuan chinês e o rublo russo, ultrapassando o estrangulamento do dólar e das sanções financeiras. A ocorrer, este cenário representará a uma dupla perda para os EUA: a saída da esfera do dólar e da NATO, onde além da importância estratégica, a Turquia é uma das nações mais fortes – se não a mais forte depois dos EUA – dos 29 membros da aliança.

A saída da Turquia da NATO provocará um abalo em toda a aliança e reabrirá a questão da sua presença em territórios como a Itália e a Alemanha, países que também podem considerar a saída do pacto, pois quer num como noutro há um sentimento contra a NATO e especialmente contra o Pentágono, pela forma como têm sido envolvidos em sucessivos conflitos. A recente escolha de uma defensora da NATO, como a ex-ministra da Defesa alemã, Ursula von der Leyen (CDU), para assumir a liderança da Comissão Europeia pode ser já uma manobra de antecipação àquela reacção tendo em vista assegurar a dependência da UE face à NATO e, por extensão, aos EUA.

A confirmar-se o encerramento definitivo das negociações para a adesão da Turquia à UE e perante uma eventual saída do país da NATO, o possível desmembramento desta organização aniquilará a estrutura de poder ocidental na Europa e acelerará a desdolarização da economia mundial e o fim da hegemonia financeira e militar dos EUA.

 


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