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Sexta-feira, Novembro 22, 2024

O mundo livre é uma grande prisão

Alexandre Honrado
Alexandre Honrado
Historiador, Professor Universitário e investigador da área de Ciência das Religiões

DO AVESSO

Henri Bergson, filósofo, enquanto falava no Congresso Descartes, em 1937, pouco antes de mais uma grande Guerra que destruiria uma Europa destruída, sentenciou que é preciso agir como um homem de pensamento e pensar como um homem de ação.Num mundo cheio de cicatrizes como aquele em que se realizava o Congresso, a ideia de circunscrever a ação ao ser humano e ao que de melhor pode produzir, o pensamento, colocava o filósofo francês a um nível político que ainda hoje nos faz estremecer. O nível do ser humano enquanto centro da consciência e da razão de existir.

Bergson era um diplomata, o que significa, um político de mãos amarradas. Mas essa dimensão política impressa na frase que citámos, sendo-lhe essencial podia coibi-lo. Mas não. Abertamente, lançava o desafio: em matéria de ação o pensamento deve ocupar o primeiro lugar. E fazê-lo ao serviço do que é humano.

O filósofo dedicou muita da sua obra à ideia da consciência, da matéria e da memória. Três vértices que então faziam grande sentido no mundo entre guerras – mas que hoje são três tímidas heranças de que nos podemos precaver: o mundo ocidental perdeu a consciência, de si e dos outros; tem o comportamento de um zombie inconsciente que não sabe de onde vem nem para onde vai. Criou como limites da História a semana passada, como grande evento lúdico a noite do dia em que está e não faz o menor plano para o futuro, pois poderá não estar lá para testemunhá-lo. Heranças são inúteis. Projetos são evitáveis. Planos são proibitivos.

No que respeita à matéria, é uma área também muito desinteressante. Basta a ilusão do sentido de posse, para se ignorar a matéria como essência. As últimas décadas criaram esse logro: dentro da ordem do Estado, “devemos” opor aos “totalitarismos” a democracia representativa, que é imperfeita, sem dúvida, mas é de longe a forma menos ruim de poder; dentro da ordem moral, filosoficamente a mais importante, devemos pregar os valores do “mundo livre”.

Sem consciência, nem matéria nem memória

Mas o “mundo livre” é uma grande prisão onde as liberdades vão definhando, criticando as utopias e impedindo-as, circunscrevendo-se a ilusões de economia consumista que destroem recursos a uma velocidade vertiginosa – e sem alternativas.

É então que também cai por terra a terceira preocupação de Bergson: refletir sobre a memória. Não a temos, nem queremos ter. Tê-la é olhar para os últimos cem anos de sangue e de cadáveres. O que ficou do fim dos impérios, as guerras mundiais, a amálgama de sinais contrários dos assassinatos de Estaline e Hitler, mas dos outros todos, sem esquecer Franco e Salazar aqui tão perto. Os genocídios e as matanças coloniais, os milhões de mortos das guerras civis e mundiais pelos quais o nosso Ocidente forjou o seu poder, isto é, de onde resultaram os regimes parlamentares da Europa e da América. Sobre as vítimas, ergueram-se as novas sociedades, que agora tombam.

Vamos em 2018 evocar os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Um papel amachucado, com algumas ilusões escritas, e a vergonha humana à espera. Ou talvez não. É que , o tempo passa sem nos incomodar demasiado.

Por opção do autor, este artigo respeita o AO90

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