A lógica fundamental do acordo nuclear iraniano é a mesma dos que foram feitos com a Coreia do Norte nas últimas décadas: em troca de compromissos pouco sólidos e de verificação nebulosa, os Estados Unidos e a comunidade internacional financiavam o infractor das regras internacionais anti-proliferação.
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A campanha de desinformação
Foi a 5 de Maio de 2006 que David Samuels publica no ‘New York Times Magazine’ o mais notável trabalho de reportagem jornalística que eu já li na vida e que tenho citado muitas vezes, mas não as suficientes dado o silêncio geral a que ele tem sido submetido.
Na esteira dos clássicos do epígono do jornalismo de investigação/reportagem/entrevista Bob Woodward (consagrado pelo Watergate), David Samuels ultrapassa-o em rigor e oportunidade.
No centro da investigação, Ben Rhodes – vice conselheiro de Segurança Nacional para as comunicações estratégicas – cargo e personagem de que, antes da publicação desta peça, a generalidade dos mortais (eu incluído) ignorava a existência e mais ainda o lugar central que desempenhou no negócio nuclear iraniano de 2015.
Nas palavras do responsável pelas ‘comunicações estratégicas’ esteve a montagem pela Administração Obama de uma ‘Câmara de Eco’ que reproduziu a propaganda iraniana e que consistiu na generalidade da imprensa internacional. Em trabalho de investigação que eu realizei sobre as contas de Twitter de Ben Rhodes e uma das suas adjuntas foi possível identificar as mensagens de propaganda iraniana que Rhodes identificou como ‘Câmara de Eco’. Elas incluem a generalidade da imprensa anglo-saxónica’ tida como ‘de referência’.
A reportagem de Samuels – sendo muitíssimo boa – para à porta da questão essencial que é a de saber quem pagou a montagem de uma campanha desta natureza que terá certamente sido multimilionária, e aqui, para além de algumas generalidades, Samuels apenas consegue obter de Rhodes a seguinte lista: (1) ‘Ploughshares Fund’ (2) Projecto Irão e (3) anónimos.
Sendo as duas primeiras fontes facilmente identificadas como pilares financeiros do regime iraniano nos EUA, creio, tal como Samuels, que a colossal dimensão da campanha de desinformação iraniana terá que ter contado com apoios suplementares, sobre os quais tenho hipóteses mas não tenho certezas.
O que me parece deveras significativo é que a Administração Trump, que como sabemos denunciou o negócio nuclear, nunca se tenha dado ao trabalho de mandar investigar essas anónimas contribuições, o que suponho só se pode explicar pelo facto dessas contribuições anónimas serem oriundas do ‘big-business’ que provavelmente tanto financiou os negócios iranianos de Obama como financiou os concorrentes e possíveis sucessores (a começar por Donald Trump) justamente para se precaver de investigações desse tipo.
Quer isto dizer que sem capacidade independente de investigação nunca conseguiremos entender campanhas de desinformação como esta que, contrariamente ao que nos querem fazer crer, nada teve a ver com o Kremlin (a ‘Ploughshares’ foi criada como máquina de propaganda soviética nos EUA nos anos sessenta, mas desde a morte e substituição da sua fundadora por um iraniano, membro proeminente do lobby do regime, passou a ser a peça financeira central do regime iraniano nos EUA).
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O desastre negocial
A lógica fundamental do acordo nuclear iraniano é a mesma dos que foram feitos com a Coreia do Norte nas últimas décadas: em troca de compromissos pouco sólidos e de verificação nebulosa, os Estados Unidos e a comunidade internacional financiavam o infractor das regras internacionais anti-proliferação.
O resultado já largamente constatado na Coreia do Norte é que em vez de constituir um incentivo à restrição nuclear este tipo de negócio tornou-se um incentivo à proliferação nuclear, no sentido em que as infracções suscitavam novos acordos que se traduziam em mais contrapartidas financeiras.
A Administração Obama doou mais de 150 biliões de dólares – uma parte significativa, em numerário, forma de facilitar o pagamento aos numerosos grupos terroristas financiados por Teerão – mas agora o Irão quer mais, com o especioso argumento de que a Europa deve pagar as consequências do facto de a administração Trump não ter mantido o negócio feito pela administração que o precedeu.
Aquilo a que assistimos com o Irão a propagandear a quebra do acordo, exigindo mais dinheiro, agora da Europa, é pura chantagem, como de resto o afirmou o Departamento de Estado americano e repete o guia do que se passou antes com a Coreia do Norte.
A grande diferença entre a negociação com a Coreia do Norte e com o Irão é que no caso do Irão o dinheiro foi directamente investido no recrutamento de milícias, financiamento de terrorismo e operações militares em toda a região (Paquistão, Afeganistão, Iraque, Síria, Líbano, Iémen e Estados do Golfo) e a monarquia coreana da dinastia Kim tem ambições mais modestas.
Esta negociação, como a de Munique e tantas outras, foi naturalmente feita em nome da paz embora seja a forma mais rápida de promover a guerra.
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As alternativas
Mas claro que há alternativas à guerra, embora quanto mais tardias, mais difíceis e de resultados mais incertos. Elas compreendem um leque vasto e integrado de políticas.
Em primeiro lugar, a contenção. Nenhum ataque deve ficar sem resposta, respeitando lógicas de proporcionalidade e reciprocidade, e a máxima atenção tem de ser dada ao dispositivo iraniano que já está no terreno.
O Corpo de Guardas Revolucionários Islâmicos (CGRI) é o principal corpo armado fanático internacional, sendo que o chamado ISIS é apenas uma sua cópia com muito menos alcance e importância geoestratégica.
O primeiro objectivo é o de o conter, designando-o como uma organização criminosa inimiga e combatendo-a por todo o mundo, começando pelo território iraniano, onde qualquer relação com o CGRI deve ser proscrita.
Combater o CGRI – e alguns grupos clientes externos como o Hamas – em toda a região impedindo o recrutamento, a fanatização, o comércio (nomeadamente o tráfico de estupefacientes) a sua organização, financiamento e armamento.
Identificar, perseguir e desmontar todas as células e toda a organização do CGRI em todo o resto do mundo, começando naturalmente nos países onde é mais fácil fazê-lo mas não deixando de lado a região do mundo onde o CGRI está em mais rápida expansão dada fragilidade dos Estados para lhe fazer face (África subsaariana).
Proscrever a polícia política iraniana e toda a rede de espionagem e desinformação que hoje em dia funciona com quase total tranquilidade, nos EUA, no Reino Unido ou na Europa. Apesar de os agentes iranianos usarem abertamente as suas embaixadas para promover terrorismo e desestabilização, no último ano apenas a Albânia expulsou o Embaixador iraniano e os Países Baixos expulsaram alguns conselheiros ligados a assassínios políticos nesse país. Nem a Áustria, nem a Alemanha, nem a França nem a Bélgica expulsaram quaisquer diplomatas iranianos apesar de o envolvimento da diplomacia iraniana em atentados nos territórios desses países ser claro.
Apoiar a oposição iraniana. Aqui, penso ser claro que não deve haver apoio a qualquer grupo que faça a luta armada em território iraniano, mas penso que é necessário apoiar o povo iraniano nas suas múltiplas manifestações contra o regime fascista, seja no domínio laboral, da luta das mulheres contra a misoginia ou dos jovens contra o obscurantismo.
A luta nos domínios informativo, cultural e filosófico tem que ser travada sem tréguas. Os agentes islamistas actuam abertamente e em total liberdade em numerosas associações que pretendem defender o ‘Islão’, a ‘Palestina’, atacar o ‘Imperialismo’ ou onde já ganharam mais margem de manobra atacam abertamente as mulheres, orientações sexuais minoritárias ou correntes progressistas.
Até agora, para além da desmontagem em França de uma célula que se afirmava como ‘Boicote Desinvestimento, Sanção’ de Israel, nada ou quase nada se faz entre nós, com os agentes iranianos a movimentar-se com enorme à vontade nos EUA, Reino Unido ou Alemanha.
Os currículos escolares iranianos – à imagem de toda a propaganda do Estado – promovem o ódio, o suprematismo religioso, a intolerância e o imperialismo. Deve ser promovido um combate sem tréguas à doutrinação fanática dentro ou fora de portas.
E por último, proscrever todos os que entre nós aceitam vender-se para promover os interesses da teocracia. São os mais perigosos adversários que temos pela frente.
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