Apesar de todos os constrangimentos que a actual situação sanitária impôs, a edição de 2020 da Semana Internacional de Cinema de Valladolid foi afinal possível e chega esta noite ao fim com uma sessão de encerramento em que, para além da proclamação dos prémios, será exibido o filme francês Un Triomphe de Emmanuel Courcol, já referido em texto anterior.
Enquanto se espera o veredicto dos vários júris do festival fazemos referência a dois ciclos que integraram a programação do certame.
‘Free Cinema’
A primeira nota é para o ciclo ‘Novo Cinema Britânico’ movimento ao qual a SEMINCI/2020 dedicou uma especial atenção. A segunda metade da década de 50 e a década de 60 ficaram marcadas pela eclosão, em vários países europeus, de movimentos de jovens cineastas que reivindicavam um cinema diferente daquele que dominava as produções da época, maioritariamente comédias mais ou menos inócuas e mais viradas para a procura do sucesso comercial do que para a exploração e afirmação de novas correntes artísticas, estéticas e temáticas.
Com uma assinalável coincidência temporal é difícil dizer quem influenciou quem, se bem que muitos autores considerem, por exemplo, que foi a ‘nouvelle vague’ francesa que levou ao aparecimento do ‘cinema novo alemão’. O cinema português (e também o brasileiro) apesar do isolamento decorrente da ditadura ou do distanciamento geográfico acabaram, como é sabido, por ensaiar esses novos caminhos.
Mas terá sido em Inglaterra que tudo começou? Não será fácil dar uma resposta taxativa, mas o que é certo é que foi em Fevereiro de 1956 que um grupo de jovens cineastas – Lindsay Anderson, Tony Richarson, Karel Reisz, John Schlesinger e Lorenza Mazzetti – realizaram uma sessão de curtas-metragens documentais no National Film Theatre de Londres. Mostravam um cinema com histórias inspiradas no quotidiano e comprometidas com a realidade social daquele momento.
Foram os filmes desses autores e dessa época que influenciaram afinal o cinema realista britânico dos anos seguintes (Ken Loach, Stephen Frears, Mike Leigh, …). Puderam agora ser vistos durante esta semana em Valladolid.
Organizado em colaboração com a revista ‘Caimán Cuadernos de Cine’ o ciclo foi composto por dez longas-metragens e pelas curtas que em 1959 foram exibidas em Londres.
As longas metragens exibidas foram Look Back in Anger (1958), The Entertainer (1960), A Taste of Honey (1961) e The Loneliness of the Long Distance Runner (1962), todos de Tony Richardson; Saturday Nigth and Sunday Morning (1960), de Karel Reisz; A Kind of Loving (1962) e Billy Liar (1963), ambas de John Schlesinger; The L-Shaped Room (1962), de Bryan Forbes e This Sporting Life (1963) – Espiga de Ouro da 9ª SEMINCI –, e If… (1968), de Lindsay Anderson.
“Spanish Cinema”
O ciclo habitualmente organizado pela Semana de Valladolid para divulgação do cinema espanhol mais recente disponibilizou este ano 12 longas-metragens.
Uno para todos
De David Ilundain Uno para todos um filme com um tema que é recorrente nas nossas sociedades mas que no actual quadro pandémico adquire uma particular acuidade. Apesar de ter sido realizado antes do deflagrar da situação que atravessamos esta é a história de um professor que quando pretende reintegrar um aluno que esteve doente se vê confrontado com a oposição de todos os outros elementos da classe. Onde é que já vimos isto?
Sentimental
Cesc Gay que em 2015 nos deu o magnífico “Truman” realizou agora Sentimental, uma divertida comédia com dois casais que vivem no mesmo edifício, um andar por cima do outro. A incomunicabilidade no casamento, o sexo livre e ruidoso, as relações de vizinhança, as propostas para novas experiências sexuais, tudo isso perpassa neste trabalho que se vê com agrado mas que não acrescenta nada de muito importante. A salientar o trabalho dos actores, em particular Javier Cámara, uma das “Espigas de Honor, desta SEMINCI.
La última primavera
Uma mensagem bem mais interveniente é a de La última primavera, de Isabel Lamberti (Holanda/ Espanha) um filme em que os protagonistas são famílias de um bairro pobre dos arredores de Madrid que se vêem obrigadas a abandonar as casas precárias que habitam porque os terrenos em que elas foram construídas foram vendidos. Uma variação da história real também vivida por habitantes das nossas maiores cidades no pico da afluência turística que se verificou atá há pouco.
L’ofrena
Ventura Durall realizou L’ofrena (La ofrenda). Uma psiquiatra recebe no seu consultório a mulher de um seu namorado de adolescência. A paciente quer o apoio da médica para recuperar o amor do seu marido. Mas este poderá ser o primeiro passo do homem no sentido de recuperar o seu amor da juventude que nunca deixou de ser a sua permanente obsessão …
Outros filmes
Os outros filmes deste ciclo são:
- La boda de Rosa, de Iciar Bollain;
- Cartas mojadas, de Paula Palacios;
- Una ventana al mar, de Miguel Ángel Jiménez;
- Un mundo normal, de Achero Mañas;
- La lista de los deseos, de Álvaro Diáz Lorenzo;
- Rol & Rol, de Chus Gutiérrez;
- Los europeos, de Víctor García León; e
- Las Niñas, de Pilar Palomero
Espigas de Honra
As “Espigas de Honor” da SEMINCI / 2020: Isabel Coixet, Julio Medem, Maria Galiana, Gracia Querejeta, Javier Cámara e Charo López
Para além de Isabel Coixet, referida em texto anterior, a edição da SEMINCI que hoje termina atribuiu “Espigas de Honor” – o prémio de carreira do festival – a mais cinco personalidades, todas espanholas:
Julio Medem
Nascido em San Sebastián en 1958, este reconhecido realizador espanhol é também licenciado em Medicina e Cirurgia pela Universidade do País Basco. Tendo começado a filmar na juventude com uma câmara de Super8, Medem tem na sua filmografia filmes como ‘La Ardilla Roja’ (que apresentou num longínquo Festival da Figueira da Foz), ‘Vacas’ (prémio Goya para um realizador jovem), ‘Os Amantes do Círculo Polar’ e ‘Lucia e o Sexo’ (dois grandes sucessos de público) ou o polémico ‘La Pelota Vasca’ centrado no trágico conflito do País Basco. Também crítico cinematográfico e escritor, Medem foi já premiado nos festivais de Cannes, Tóquio, Montreal ou Turim, entre outros;
Maria Galiana
Nascida em 1935 em Sevilha é licenciada em Filosofia e Letras e foi professora de História de Arte. Com uma carreira no teatro universitário estreou-se no cinema já depois dos 50 anos num filme de José Luis García Sánchez. Depois disso trabalhou com Manuel Gutiérrez Aragón, Fernando Trueba, José Luis Cuerda, Vicente Aranda, Pilar Távora, Benito Zambrano, Miguel Hermoso, Adolfo Aristarain e com a dupla Juan Cruz e José Corbacho. Distinguida com um Goya de melhor actriz secundária e vencedora do prémio de melhor actriz no Festival de Tóquio, tornou-se uma figura com grande popularidade junto do público espanhol com a sua participação na série de televisão ‘Cuéntame cómo pasó’, que está na origem da série portuguesa ‘Conta-me como foi’. Maria Galiana recebeu a ‘Medalla de Andalucía’ em 2000 e a ‘Medalla de Oro al Mérito en las Bellas Artes’ do Ministério da Cultura de Espanha, em 2004;
Gracia Querejeta
Hilha do histórico produtor Elias Querejeta, nasceu em Madrid em 1962. Licenciada em Geografia e História, estreou-se no cinema aos 13 anos como actriz em ‘ Las palabras de Max’, de Emilio Martínez Lázaro, vencedora do Prémio OCIC no Festival de Berlim. Assistente de realização de Carlos Saura em Dulces horas (1981), estreou-se na realização com a curta-metragem Tres en la marca, que participou na 32ª SEMINCI.
Vencedora de um Goya em 1990 com a curta El viaje del agua, em 1992, com a sua primeira longa, Una estación de paso, obteve o Prémio Especial do Júri na 37ª SEMINCI e participou na secção Panorama do Festival de Berlim.
Autora de vários documentários e curtas-metragens a sua filmografia inclui títulos como El último viaje de Robert Rylands (1995), prémio para o melhor filme, realização, fotografia, montagem e música do Círculo de Escritores Cinematográficos de Espanha; Cuando vuelvas a mi lado, Premio Especial do Júri e melhor fotografía no Festival de San Sebastián; Héctor, melhor filme e melhor actriz nol Festival de Málaga; Siete mesas de billar francés, melhor guião e melhor actriz em San Sebastián e Prémio Goya para o conjunto das actrizes; 15 años y un día, melhor filme em Málaga e oito nomeações para os Goya;
Javier Cámara
Actor nascido em 1967 com uma importante carreira no teatro e no cinema, participou em filmes de Fernando Colomo, Julio Medem, Pedro Almodóvar, Pablo Berger, Joaquín Oristrell, Isabel Coixet, Manuel Martín Cuenca, Agustín Díaz Yanes, Cesc Gay, José Luis Cuerda, Nacho G. Velilla, Fernando Trueba, Borja Cobeaga, Gracia Querejeta e Paolo Sorrentino. Entre muitos outros prémios conta com dois Goyas (os prémios do cinema espanhol) e uma Concha de Prata para o melhor actor no Festival de San Sebastián;
Charo López
Nascida em Salamanca en 1943. Curiosamente tem um percurso em grande parte semelhante ao de Maria Galina: estudou Filosofia e Letras, andou pelo teatro universitário e foi professora. Em 1963 conheceu o cineasta Gonzalo Suárez com quem fez sete filmes. Depois disso participou em mais de 60 filmes, 40 séries e 20 peças de teatro. O escritor Manuel Vicent definiu-a como «o símbolo da luz ao fundo do túnel do franquismo». Com uma carreira repartida pelo teatro e pelo cinema, neste último trabalhou com Mario Camus, Basilio Martín Patino, Vicente Aranda, Josefina Molina, Pedro Almodóvar, Titus Leber, Imanol Uribe, Montxo Armendáriz e Juanma Bajo Ulloa. Distinguida com inúmeros prémios recebeu um Goya como melhor actriz secundária.
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