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Sábado, Dezembro 21, 2024

O novo negócio iraniano

Paulo Casaca, em Bruxelas
Paulo Casaca, em Bruxelas
Foi deputado no Parlamento Europeu de 1999 a 2009, na Assembleia da República em 1992-1993 e na Assembleia Regional dos Açores em 1990-1991. Foi professor convidado no ISEG 1995-1996, bem como no ISCAL. É autor de alguns livros em economia e relações internacionais.

1. No Dia Mundial do Refugiado

Na Albânia, o Dia Mundial do Refugiado do passado dia 20 de junho foi celebrado de forma assaz peculiar. As autoridades assaltaram as instalações de milhares de refugiados iranianos, causando uma vítima mortal, numerosos feridos graves e destruição generalizada de equipamentos.

As imagens difundidas através das redes sociais mostram como o gás lacrimogénio foi criminosamente usado na face das vítimas, e foi a intoxicação pelo gás que causou a vítima mortal e a generalidade dos feridos. É uma coincidência perturbante que as autoridades albanesas tenham escolhido a intoxicação química, uma escolha idêntica à das autoridades iranianas na sua campanha de intimidação das jovens estudantes.

Apesar da clareza dos factos e das imagens – há liberdade de expressão na Albânia – as autoridades albanesas negaram peremptoriamente a morte e os feridos graves que a sua actuação causou, em patética declaração que rapidamente foi coberta pela diplomacia americana.

A Albânia é o aliado mais fiel dos EUA na Europa, disponibilizando-se a fazer tudo o que os EUA lhe pedem, e foi aliás a pedido dos EUA que a Albânia acolheu em primeiro lugar os refugiados iranianos. A declaração da diplomacia americana confirma implicitamente que foi sob as suas instruções que decorreu a operação policial.

A razão invocada pela diplomacia americana – o hacking dos sistemas informáticos da diplomacia e presidência iranianas – é ela também extremamente significativa. Com efeito foi assim que foram expostas as grosseiras mentiras das autoridades belgas sobre a sua negociação com o regime clerical para a libertação do terrorista iraniano Assadi. Será que as autoridades americanas tentaram destruir todo o sistema informático onde presumivelmente se encontravam mais segredos para evitar que se soubesse o que negociaram com Teerão? Esta parece-me ser a hipótese mais plausível.

2. A cedência ocidental às exigências iranianas

Tudo no negócio irano-belga me fez suspeitar de que se tratava na verdade da ponta do iceberg de um negócio mais vasto comandado pela administração Biden e que tem como principal lugar tenente o Presidente Macron.

A ideia de que a Bélgica se arriscaria a libertar um terrorista condenado por um atentado de enorme alcance em Paris sem que as autoridades francesas, ou mesmo as americanas, dessem a sua aquiescência, pareceu-me sempre irrealista.

Por um lado a Bélgica segue de muito perto tanto a França como os EUA, e por outro, foram as autoridades iranianas que resolveram revelar, antes mesmo da libertação do seu principal operacional terrorista, que tanto as autoridades francesas como as americanas estavam elas também a negociar a libertação de reféns.

A proibição feita aos refugiados iranianos de se manifestar em Paris, quase simultânea com o ataque desencadeado na Albânia, sucedeu-se a conversações entre o Presidente Macron e o Presidente do regime clerical.

O negócio tinha sido já preventivamente furado pela Arábia Saudita que resolveu pedir antes a bênção da China às pazes com o Irão, e foi precedido pela bênção americana ao ditador sírio e de gestos amistosos para com o ditador venezuelano.

Mais de quarenta anos depois da revolução islâmica que impôs uma teocracia no país ter legitimado a prática do uso de reféns para cobrir as suas acções terroristas, é extraordinário como os líderes ocidentais continuam a cooperar com um sistema que mina toda a credibilidade do sistema internacional, cooperação que tem como principal resultado apenas a consolidação destas práticas.

3. Nada aprender com a história

Convém aqui recordar que o Ayatollah Khomeini chegou a Teerão vindo de Paris num avião da Air France e que foi a administração Carter que convenceu o Xá a ceder aos protestos, abrindo assim as portas à conquista do poder pelo clero islâmico.

A ideia de que o poder religioso pode ser manobrado pelo poder político sem que ele consiga inverter a relação, sendo ele a manobrar o poder político para obter o poder, tem sido uma constante na prática política, e não terá sido a primeira vez que a manobra se revelou como contraproducente.

Convém recordar neste contexto que o Ayatollah Khomeini se instalou no Iraque a convite de Saddam Hussein, que na altura via o clero xiita como um excelente instrumento de combate ao Partido Comunista Iraquiano, cuja base de apoio era fundamentalmente urbana e xiita. Ou seja, não pensemos que os nossos líderes ocidentais são os únicos a cometer erros crassos de cálculo neste domínio.

Em qualquer caso, a tomada de centenas de reféns na Embaixada Americana (paralela aos primeiros actos internacionais de terrorismo do Estado clerical) deveria ter sido mais do que suficiente para que todos entendessem que o golpe clerical iraniano foi uma ruptura completa com a ordem internacional.

O establishment dos serviços de informação americano, contudo, considerou mais importante obter o apoio do regime teocrático iraniano para depor Carter do que as consequências da consolidação do novo regime, e foi esta a razão do primeiro grande negócio.

O segundo negócio deu-se com a invasão e destruição do Estado iraquiano, entregando-o à teocracia iraniana. Neste segundo negócio, o sistema de desinformação iraniano jogou um papel mais decisivo e os sonhados ganhos petrolíferos foram isso mesmo, uma completa ilusão em que a ganância do lucro serviu apenas para engodo.

Neste terceiro negócio, que começou com o ‘Iran deal’ de 2015, os interesses estão mais camuflados, e eu não os conheço na totalidade, mas é ainda mais do que antes a máquina de desinformação iraniana infiltrada no Ocidente que o tornou possível.

E é aqui que me parece tão essencial pensar na história. Se se tivesse feito uma análise séria das relações ocidentais com o Irão, seria provavelmente impossível embarcar neste novo engodo.

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