As passadas eleições autárquicas, para além de terem servido para mostrar alguma vontade do eleitor de passar por cima de selos partidários e escolher aquilo que entende escolher, tiveram também impacto no tradicional quadro partidário, com dois partidos vencedores e três outros perdedores, sendo que aquele que exerce funções governativas foi o principal vencedor, contrariando a tendência geral de penalização de quem está no governo pelas eleições autárquicas a meio mandato.Penso que a generalidade dos comentadores políticos tendem a caracterizar a realidade que observam de forma algo hiperbólica, acentuando com isso alguma ciclotimia nacional que passa rapidamente tanto da depressão à euforia como da apreciação que faz dos seus representantes de bestial a besta, não permitindo análises ponderadas dos desafios com que nos confrontamos.
A inflação do significado e do impacto da vitória do PS coloca-lhe desafios extremamente complexos. Confirma por um lado a tese de que a geringonça não beneficia o apoio extraparlamentar ao governo, e por outro lado afasta da liderança da oposição quem era um autêntico seguro de vida do governo.
A arte de criação de factos políticos e a apreciação dos jogos cruzados no tabuleiro político são interessantes mas têm os seus limites, e não deveriam apagar a análise dos factores objectivos com que o país se defronta.
Recuperação económica, para continuar?
O essencial da evolução da conjuntura económica e social nacional tem seguido a política europeia decorrente da moeda única, o Euro, e tem sido substancialmente indiferente às evoluções de humores, slogans e conjunturas partidárias.
A recuperação da economia portuguesa tem sido constante desde 2013, sendo que vários indicadores de bem-estar apontam para melhorias substanciais nos últimos anos. Posto isto, apenas agora devermos estar a atingir os valores de produção registados em 2008, com níveis de desemprego substancialmente superiores, nomeadamente de longa duração. As contas externas, contudo, parecem ter atingido o seu ponto alto, com a dívida externa a um nível extremamente elevado, enquanto os preços do mercado imobiliário voltaram já aos níveis demasiado elevados atingidos em 2008.
Quem observa Portugal à distância – como é o meu caso – pode constatar em 2017 sinais óbvios de sobre-aquecimento na economia portuguesa e muito em particular no seu sector mais dinâmico, o turismo, em que a relação qualidade preço da oferta portuguesa – das mais competitivas na Europa há quatro anos – se deteriorou acentuadamente.
Qual vai ser a posição dos partidos que apoiam o Governo?
Nestas circunstâncias, parece-me absolutamente contra-indicado apostar num orçamento que seja expansivo e na continuação da ideia de que tudo é possível. Que a oposição política o faça, isso decorre do baixo nível do debate político nacional, em que não há doutrinas, opções ou responsabilidades, só interessa pedir tudo de bom em simultâneo. Que o grupo parlamentar que sustenta o governo minoritário o faça, parece-me absolutamente inaceitável e percursor de problemas políticos graves a curto prazo.
Aliviar a carga fiscal que recai sobre os rendimentos mais baixos parece-me ser uma boa ideia, mas apenas se o seu efeito expansivo for contrariado noutro domínio qualquer. Contrariamente ao que tenho lido, aquilo que é a interpretação cíclica do défice das contas públicas portuguesas pelas autoridades europeias de forma alguma leva a um cálculo demasiado exigente no comportamento das contas públicas nacionais.
A ideia de que tudo pode andar no melhor dos mundos alargando os cordões à bolsa sem que haja um esforço permanente de eficácia na gestão dos fundos públicos, uma aposta na modernização do tecido económico e na salvaguarda da construção social e do nosso património natural é extremamente perniciosa e pagar-se-á caro.
A ideia de que a solução duradoura dos problemas com que nos confrontamos pode ser feita com uma dinamização do mercado interno, parece-me hoje tão peregrina como me pareceu há dois anos.
Ausência de política económica europeia
Confrontados com a iminência de uma paragem da política monetária expansionista com que o Banco Central Europeu salvou a economia europeia nos últimos quatro anos, na ausência de reforma na política económica e monetária europeia, os riscos são muito grandes para a estabilidade da economia portuguesa num prazo relativamente curto.
Arrefecer aquilo que nitidamente nada mais tem a dar de positivo e encontrar as vias por onde mobilizar os recursos ainda por explorar são os desafios que me parece salutar responder agora.