Pires de Lima e Baptista-Bastos – tão diferentes e, afinal, tão semelhantes!
Em menos de uma semana o País perdeu dois grandes Homens, o Bastonário António Pires de Lima e o Jornalista e Escritor Armando Baptista-Bastos. Em menos de uma semana perdi dois Amigos, o António e o Baptista-Bastos.
Pode dizer-se que, em termos políticos e ideológicos, não poderiam ser mais diferentes: o primeiro, um homem conservador e profundamente católico; o segundo, um homem reconhecidamente de esquerda e ateu.
Tão diferentes, tão semelhantes
Como pude então ter o privilégio da amizade e do respeito por parte de duas pessoas aparentemente tão distintas?
Porque, precisamente apesar e para além dessa aparência, eles tinham muito mais em comum do que à primeira vista poderia parecer: ambos eram tão frontais quanto leais, amigos dos seus amigos, intransigentes nos princípios e combatentes duros e corajosos contra tudo o que considerassem errado ou injusto. O “tacticismo” e o oportunismo, a traição e as punhaladas pelas costas, a mentira pérfida e o ataque pessoal e baixo eram algo de absolutamente inaceitável para qualquer deles.
Por isso, nos tempos que correm – em que, em prol da oportunidade do momento, se mandam continuamente os princípios às urtigas; em que, em nome da pretensa legitimidade dos fins, se recorre sistematicamente aos mais torpes e ignóbeis dos meios; em que o golpe mais soez, a mentira mais vesga e a infâmia mais miserável passam a ser “aceitáveis” desde que usados para atacar algum adversário ou simplesmente alguém de quem não se gosta; em que, em favor do instantâneo e do espectacular, se desvaloriza permanentemente o exame crítico e atento das realidades – ambos se sentiram e se manifestaram profundamente inquietos e até revoltados.
O humor de qualquer um deles era certeiro, cáustico e até corrosivo, mas nunca ofensivo e muito menos atentatório da dignidade dos visados.
A formal leal e honrada, aliada a uma quase desconcertante simplicidade com que exerciam as suas funções e viveram as suas vidas, muito me encantaram e também marcaram.
Baptista-Bastos
Baptista-Bastos, homem de esquerda mas de convicções ideológicas e simpatias políticas diferentes das minhas, uma vez que eu efectuava uma visita de campanha eleitoral a uma das edições da Feira do Livro, levantou-se num ápice da cadeira onde se encontrava sentado para me vir cumprimentar cordialmente e me dar um vigoroso e fraterno abraço.
E nas várias situações em que pudemos contactar um com o outro – lamentavelmente menos do que aquelas que gostaria – sempre nos aproximámos quanto ao essencial das coisas que verdadeiramente importavam.
Pires de Lima
Pires de Lima, quando se candidatou a Bastonário da Ordem dos Advogados, veio pessoalmente ao meu escritório para me dar a honra de me convidar a integrar a sua lista de candidatos ao Conselho Geral. Uma vez ganhas as eleições em 1999 e empossados no cargo, logo propôs na primeira reunião a minha eleição para Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem. E logo me garantiu também que se quem representava institucionalmente a Ordem eram o Conselho Geral e o Bastonário, em matéria de direitos humanos a Comissão diria e faria tudo aquilo que, em sua consciência, considerasse justo e necessário para a defesa desses direitos, que sempre teria o apoio do Bastonário.
Garantiu-o e fê-lo, com tanta seriedade quanto firmeza, nas diversas ocasiões – e foram muitas! – em que a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados então ousou denunciar e combater casos de violação dos direitos dos cidadãos onde e por parte de quem quer que fosse que eles se verificassem.
Foi assim desses combates cívicos, nomeadamente pela defesa da presunção de inocência de qualquer arguido, do segredo profissional dos Advogados, do efectivo controle dos actos do Ministério Público, que nasceu uma amizade e uma lealdade cada vez mais fortes, que perduraram para sempre, e que nunca por nunca esquecerei.
Sentida homenagem
Aqui fica, pois, a minha simples mas sentida homenagem a dois grandes Homens, de rija e sã têmpera, que deixaram mais pobres não só os seus familiares e amigos, mas também todo um País.
Porque – sobretudo numa altura em que insidiosa mas progressivamente, e com o silêncio cúmplice de muitos pseudo-democratas, se vão tolhendo e aniquilando cada vez mais os direitos dos cidadãos (e um dos últimos passos dessa dança é o da permissão, aos serviços de informações, de acesso aos dados das comunicações fora de qualquer processo de investigação criminal…) – é de homens insubmissos, corajosos e frontais que cada vez mais precisamos!…